Sou uma completa bagunça por dentro,
um amontoado de lembranças e destroços,
como os escombros de uma história
que nunca foi completamente minha.Não quero terceirizar a culpa,
sei que fui eu quem deixou portas abertas,
convidei todos a entrarem,
permiti que se acomodassem,
escolhessem seus próprios lugares,
e fizessem o que bem entendessem.Quando já não era conveniente,
vi cada um partir sem resistência,
um fluxo constante de idas e vindas
onde cada encontro, por mais breve,
deixou cicatrizes, como rabiscos na alma.
Não só amores, mas também amigos, estranhos,
fragmentos de pessoas que cruzaram meu caminho,
e em cada despedida, um pedaço de mim se foi,
enquanto a bagagem de ausência apenas crescia.Errei em não arrumar a bagunça
a cada partida, a cada adeus sussurrado,
e agora me vejo aqui,
rodeado de pilhas e pilhas de memórias,
com pedaços que já nem sei se me pertencem,
com partes que já nem uso mais.Minha psicóloga diz que há muito a resolver,
que devo organizar esses destroços,
dar nome ao que ficou,
e soltar o que pesa,
para renascer no espaço vazio que restar.Mas, talvez, quem sabe,
essa bagunça sou eu,
uma colcha de retalhos de todos os "eus" que fui,
uma tapeçaria de histórias inacabadas,
e arrumá-la seria como desvendar-me,
como desfiar os segredos que me habitam.Encarnar cada fantasma guardado,
na poeira de tudo o que não fui,
quem sabe descobrir, enfim,
quem realmente sou,
como uma folha que se despe no outono
para, finalmente, se conhecer nua.