63 - Ritual

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Por muito tempo Anya continuou chorando, até que uma grande calmaria caiu sobre ela. É o que acontece quando choramos até acabar as lágrimas. Sentimos que nada mais pode nos afetar, que a dor faz parte de nós.

Ela olhou para o rosto gelado  de Jack e se perguntou como ele estava sem nenhum odor de morte além desse cheiro enjoativo de óleo que passaram nele. Sua boca também estava tão vermelha quanto sempre foi. Ele nem de longe parecia alguém morto a vários dias. Diferente dos corpos dos soldados que ela viu carregarem pelos corredores, pessoas que morreram no mesmo dia que ele.

- Até nisso você tem que ser melhor do que os outros, não é? - Ela disse, girando uma mecha do cabelo dele entre os dedos.

A noite chegou e se foi enquanto ela permaneceu sentada ao lado dele em completo silêncio, até seus pensamentos estavam entorpecidos.

Uma batida suave na porta soou e Heloísa entrou sem esperar resposta, seguida de Selene e algumas aias.

Heloísa estava um caos. Nem de longe parecia a mulher refinada que geralmente era. Estava com os olhos inchados, descabelada, suas bochechas possuíam feias manchas vermelhas, sua roupa estava um caos. Anya entendia agora o porque todos ainda a respeitavam como rainha mesmo depois do Jack ter assumido o trono do pai. Se manter de pé e tomando decisões mesmo no estado emocional em que ela estava... era impressionante.

- Querida... Precisamos cuidar dele para anunciar... para nosso povo.

- Não vão fazer isso.

Houve um momento de silêncio em que todos se entreolharam. A voz firme de Anya não soou como birra ou como lamento. Era uma ordem. Ela se pôs de pé e olhou para Heloísa e Selene.

- Não irão anunciar para o povo que Jack está morto. - Ela repetiu. Heloísa hesitou, porém deu um passo à frente.

- Querida... entendo seu luto, o meu também é tão grande quanto, mas Jack precisa ser cuidado para seu funeral. Nosso povo vai querer se despedir e prestar honras...

- Ninguém vai chegar perto do corpo dele. - Anya insistiu. Era tão horrível falar sobre preparação de corpo e funeral, com Jack deitado logo atrás delas... tão doloroso.

- Anya...

- Por favor.... por favor... Não podemos enterrá-lo ainda... - Ela não sabia por que, mas não podia abrir mão dele ainda. Pensar nele enterrado naquele cémitério coberto de gelo, ao lado do pai dele como ele disse que um dia estaria... Anya não podia aceitar isso. A dor retornou como um avalanche e ela se abaixou abraçando os joelhos. - Por favor...

Heloísa, temendo pela saúde de Anya e do bebê com esse estado emocional, se abaixou em frente à ela e acariciou seu cabelo.

- Tudo bem, querida. Tudo bem... Vamos esperar... Vamos prolongar nosso tempo com ele mais um pouco, está bém? - Ela mesma voltou a chorar. Acariciou o cabelo de Anya enquanto evitava olhar  para o corpo de seu filho atrás das duas. Nunca pensou que poderia sentir algo assim. Mães não deveriam ficar diante do corpo de seus filhos...

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Milla convenceu Anya a deixar o corpo de Jack por um tempo. Ela foi a única que conseguiu isso, prometendo que Adan ficaria de guarda ao lado dele até ela voltar.

Levou Anya para tomar banho e cuidar de si e buscou comida para ela, depois deitaram no quarto de Jack e Anya chorou nos braços da amiga até adormecer.

Quando Anya acordou percebeu logo que havia dormido demais, pois Milla entrava no quarto trazendo o carrinho com almoço para ela.

- Droga... - Anya pulou da cama e correu para a porta. Milla grunhiu e a seguiu.

- Coma primeiro, Anya...

As duas andaram depressa até chegar na sala onde estava Jack. Anya estendeu a mão para a maçaneta mas ao ouvir vozes alteradas ela parou. Se aproximou da porta para ouvir, como havia feito antes. Milla a imitou.

- De jeito nenhum... Jack nunca permitiria isso! - Soou a voz de Adan, exalando raiva. - Eu não permitirei!

- E quem você pensa que é para permitir alguma coisa agora, rapaz? - Respondeu a voz do conselheiro. - Nossa Majestade sempre lhe concedeu muitos privilégios, mas ele não está aqui agora.

Adan zombou. Jack não lhe concedia poder, concedia trabalho em excesso por confiar nele para cumprir.

- Sou aquele que vai socar a sua cara se sugerir isso de novo. Não irão encostar no bebê ou na Anya!

Anya congelou. Ela ouviu bem?

- Querido... - A voz de Selene. - Tente entender... Jack poderá ter outros filhos depois.

Anya já estava ficando farta das reações que sentia a cada nova informação que recebia nos últimos dias. Sentiu o chão amolecer como se estivesse em um barco. Milla, notando a tontura da amiga, passou o braço comprido por sua cintura e a firmou.

Anya tentou se concentrar no que diziam. Jack poderia ter outros filhos depois? Depois de que? Ele estava morto.

- Vocês é que não entendem. - Adan rebateu. - Jack nunca quis ter filhos. Mas o bebê de Anya... o bebê de Anya é diferente. Ele quis, ele adorou a idéia de ser pai do filho dela e ele mataria vocês cruelmente se descobrisse que querem trocar a vida do filho dele pela vida dele!

Anya instintivamente colocou a mão na barriga. Era como se ela tivesse sido atingida por um avalanche, arrastando ela para o fundo de um abismo. A idéia de ter Jack de volta era doce, mas de abrir mão de seu filho... Nunca. Ela nunca permitiria isso. Mesmo que amasse tanto Jack, mesmo que sentisse que a cada segundo estava morrendo junto com ele... ela nunca permitiria.

- Seja razoável, rapaz... - Disse o conselheiro. - É para um bem maior... faremos isso e não diremos a rainha Heloísa e nem para Nossa Majestade quando ele voltar a vida...

Um barulho de soco, uma pancada, ruidos de roupas, gemidos e xingamentos... Anya teve certeza que Adan agrediu o conselheiro e sentiu um arroubo de afeição por ele.

Alguém pigarreou e então a voz de Samantha, que até então estava calada, soou clara e limpida.

- Foi para isso que me chamou aqui, Selene? - Perguntou ela.

- Se nos juntarmos sei que conseguimos fazer o ritual... - Respondeu Selene.

Um suspiro e então Samantha falou novamente.

- Eu sempre quis ter contato com meu filho... e então, quando ele finalmente me dá aberturas para me aproximar acaba sendo morto por uma seita... E eu gostaria de trazê-lo de volta. Mas vou deixar uma coisa bem clara para vocês. Ninguém vai tocar no meu neto e na mãe dele. Arrancarei suas vísceras se tentarem.

Selene argumentou novamente, quase desesperada.

- Vocês não entendem? Não querem Jack de volta? Precisamos de uma vida ligada à ele, ligada à seu sangue para sacrificar e então o teremos de volta!

Anya se agarrou a Milla.

- Você está bem? - perguntou Milla envolvendo a cintura dela. -Vai desmaiar?

Anya negou, entendendo o que aconteceria.

- Não... eu vou morrer.

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Nota da autora: Oi. Eu sei que prometi a maratona, mas quem está lá no grupo do Whatsapp sabe que estou passando por um luto.
Infelizmente não estou satisfeita com o capitulo, sinto que não fiz o que deveria fazer, que ainda não levei a história para o rumo que sempre planejei. Sinto também que não consegui expressar o luto dos personagens, pois escrever sobre morte está sendo dificil para mim. Minha mente e coração estão pesados.
Mas odeio deixar vocês esperando... espero que não se decepcionem, fiz o meu melhor.
Beijos ❤

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⏰ Última atualização: Nov 16 ⏰

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