Reflexo Distorcido...

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Feyre não tentou mais me convencer a ir caçar ou a falar com Lenos desde que fomos pro quarto. Confesso que até estranhei, porque se tinha uma coisa que aprendi lendo na sua visão era o quanto essa mulher era intrometida e tentava resolver até o que não devia, mas ela ficou quieta - rabiscando no caderno que lhe dei - na cama enquanto me sentei diante a penteadeira, usando as mãos pra sustentar meu rosto.

De alguma forma, Feyre me fazia lembrar de uma amiga que eu nunca mais veria, já que não sairei desse mundo. Ela adoraria estar no meu lugar, aproveitaria cada minuto da riqueza dos Beddor sem pensar duas vezes, sem questionar ser real ou não, e aceitaria o destino que tivesse que acontecer para não interferir em nada. Então, por que eu não podia fazer o mesmo?

Encarei Feyre pelo espelho, super focada em desenhar alguma coisa que eu não fazia ideia, mas pela proporção, parecia ser grande. Algo que descobrira é que ela não pintava incrivelmente bem quanto o enredo fazia parecer.

Seu talento pra arte, de fato, existia e era possível ver isso, mas seus traços e técnicas continuavam sendo amadoras, que necessitariam de mais refinamento. Por isso, sempre que ela concluía com sucesso uma aula padrão, lhe permitia pesquisar sobre formas de se aprimorar como pintora. Infelizmente, Feyre negou ajuda externa de especialistas e artistas, com isso, não me deixou os contratar como seus professores.

Com pretexto de lhe ajudar a treinar, pedi para ela desenhar o Andras usando como base minha descrição do que vi do feérico transformado em lobo e depois escrevi "Clare e Andras não morrerão" como se a frase fosse um mantra que realmente impediria nosso futuro trágico.

Notei como o semblante de Feyre estava tranquilo, quase como se estivesse tentando transmitir alguma sensação de conforto, embora sua atenção não estivesse em mim - ela devia sentir que lhe encarava -, mas eu não conseguia deixar de sentir uma estranha tensão no ar ao pensar na incerteza do destino de Clare.

A imagem de Feyre começou a distorcer. Os contornos do rosto dela se desfaziam, como se o reflexo estivesse sendo engolido por uma força invisível.

Pisquei, tentando focar, mas tudo se transformou num jogo de sombras.

O rosto de Feyre se alongou, os cabelos castanhos se tornaram fios vermelhos intensos e seus olhos, antes azuis como o oceano, viraram um abismo negro como se o vazio mais profundo alojasse neles.

A mulher ria, uma risada baixa e cruel, que se arrastava como um eco macabro. Fiquei paralisada no banquinho, incapaz de desviar o olhar. O reflexo dela ganhou um zoom no seu rosto extremamente pálido, seus lábios curvados num sorriso malicioso e seus olhos negros fixaram em mim com uma intensidade bizarra.


"Seu fim chegará"


A voz de Amarantha, profunda e fria, atravessava a minha mente como uma lâmina afiada. O som parecia se multiplicar, reverberando na minha cabeça, me causando dores na nuca e têmporas.

Senti um arrepio gelado percorrer a espinha. A vadia no espelho desapareceu tão rapidamente quanto surgira, as palavras ainda ecoavam e a imagem de Feyre voltou ao normal - ela sequer reparou em nada anormal -, mas o rosto de Amarantha ainda presente na minha mente, como um lembrete.

Engoli em seco, observando minhas mãos trêmulas e girei o assento para ficar de frente para cama, de costas pra penteadeira; querendo ignorar as palavras e a imagem da lunática que persistiam, implacáveis, como uma ameaça.

Senti o café e pão com ovo querer subir pela garganta acompanhado dum gostinho azedo, no instante que minha mente projetou a cena de Clare pendurada em cordas, desnutrida com cortes em diversas partes do corpo nu meio um ambiente escuro e risadas ecoando.

Eu nunca aceitarei esse fim.

— Clare?

Feyre ergueu a vista do caderno, me olhando serena.

— Está... bem?

Lhe dei um meio sorriso, sem revelar os dentes.

— Acho que o café não bateu bem...

— Quer algum remédio?

Neguei.

Duas batidas na porta nos fizeram olhar para tal e a mesma foi aberta numa brechinha, mostrando uma finura da face de Diana.

— Posso entrar?

Fiz que sim.

Ela adentrou, parando próxima a porta após a fechar.

— Seu pai lamenta pela forma que aquilo terminou, filha.

— E ele precisa de um pombo correio?

Feyre fez menção de sair com o caderno em mãos, mas a segurei pelo pulso, negando.

— Pode ficar — com isso, a Archeron voltou a se sentar na beirada da cama.

— Ele realmente apenas quer passar um tempo com você.

— Há várias formas de fazer isso.

— E eu concordo, filha... — suspirou — Ele só tentou fazer algo diferente.

Girei com o baquinho em sua direção, cruzando os braços.

— Que ele venha aqui e use a própria boca.

— Seu pai não quer a deixar mais chateada...

— Ou ele vem agora ou nunca mais olho na cara dele!

Diana respirou fundo, se virando para sair do quarto e abrir a porta, porém a maçaneta rodou sozinha e a entrada se escancarou totalmente, juntamente a figura imensa do homem que foi de encontro ao chão.

Minha mãe recuou alguns dois passos para não ser atingida, ocultando a boca com as mãos e fitando com olhos totalmente abertos para o marido debruçado no piso, o rosto encarando os pés dela.

Arqueei a sobrancelha, compreendendo que ele estava espiando atrás da porta e se atrapalhou ao abri-la. Troquei olhares com Feyre e ela tentou não rir do loiro, que finalmente se levantou e sorriu envergonhado para a esposa que o repreendeu com a mirada. De forma que ele se curvou pra ela, se desculpando.

Lenos se acercou de mim e por eu estar sentada, definitivamente dava a impressão de ser bem mais alto que eu, embora Clare nem fosse tão baixa assim quando de pé.

— Me perdoe. Eu fui insensível.

— Vai deixar de insistir?

— S-sim — suas bochechas ficaram idênticas a de um esquilo comendo nozes —. Então, escolha o que quiser e faremos.

Abri um sorriso maroto ao me levantar e me apoiei em seus ombros largos, sentindo uma leve camada de poeira.

— Quero ir até as minas.

— As minas?! — ele e Diana perguntaram em conjunto, cem porcento descrentes na minha fala.





#N.O.T.A.S

╰► Até terça que vem ♡

Clare Beddor - ACOTARWhere stories live. Discover now