Lembranças do túmulo

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Atenção! Todos os personagens, lugares, nomes e situações aqui apresentados, são completamente fictícios! Portanto, nenhum desses cenários deve ser reproduzido.

Obs: a obra pode conter alguns temas delicados, não leia se não se sentir confortável.




Oliver bocejou, bebericando a bebida em sua taça, num canto mais afastado no salão de baile do seu antigo colégio. Na verdade o local era onde ficava o anfiteatro, mas havia sido reorganizado para o evento. Alguns patrocinadores, professores, membros da equipe diretiva e ex-alunos foram convidados para comemorar o aniversário de 70 anos desde sua abertura.

A princípio, Oli ignorou o convite, foi com muita insistência de seu assistente - Antony - que a mulher aceitou sair. O rapaz lhe disse que seria bom respirar um ar fora de casa, e ela poderia se beneficiar do prestigio de um evento como esse. Ela tinha quase certeza que seu pai foi quem "influenciara" as opiniões do garoto, e não queria ver o pobre em maus lençóis logo em seus primeiros dias de serviço. Lidar com seu genitor seria uma dor de cabeça para outra hora.

Agora, Oliver se preocupava em fugir da conversa entediante com o homem a sua frente.

"Ora, senhorita Banovi, é um prazer conhecê-la. Lembra de mim? Fui a casa de sua família uma vez." Ele sorriu.

Puxa saco - era tudo o que ela conseguia pensar.

"Não lembro, e se me der licença-"

"Fiquei extremamente preocupado quando ouvi as noticias" a interrompeu "Alguém de tão bom nome, numa situação assim...mas você não tem cara de quem bebe, senhorita." o homem a olhava com falsa compaixão.

"Desculpe?" Oliver franziu o cenho.

"Senhorita, todos nos sabemos que passou por algumas turbulências no passado, trágico. Mas se isso ainda lhe afeta a ponto d-"

"Não acho que minha vida pessoal seja da sua conta." ela o cortou, apertando os punhos. O que não ajudava a aliviar a situação, era que, agora, metade do salão parecia ter parado para ouvi-los.

Oli olhou para os lados, sentindo a atmosfera se fechar ao seu redor, com mil sombras como espectadores. "E se me der licença, tenho lugares melhores para estar." completou ao se retirar de forma apressada, mas com passos firmes.

Sem ter consciência de para onde ia, guiava-se pelos corredores como navegava por lembranças, procurando seu refugio particular, de anos atrás naquele internato. Uma sala abandonada para manutenção no terceiro andar, onde costumava se enfurnar na adolescência, passando horas e horas com suas telas e um pincel na mão.

Se surpreendeu ao encontrar o local praticamente intocado. Bom, depois do que aconteceu naquela época, era de se esperar que ninguém quisesse entrar ali por um bom tempo...

Viera procurar abrigo logo nessa sepultura de lembranças amaldiçoadas, quanta idiotice.

Quadros revestiam as paredes, lápis, papel e tinta espalhados por todo lugar. Oliver observava seus antigos desenhos, não eram ruins, mas sua técnica havia melhorado muito com o passar do tempo, aprendendo a dar forma as suas ideias vagas e implementar em suas pinturas.

Esteja confuso, ansioso, vacilante, excitado ou ressentido pelo ódio, ainda que amador, o trabalho revela partes preciosas da alma do artista. E a mulher via tudo que a consumia naquelas telas. Em específico, o retrato no canto da sala, perto da janela, a fez congelar no lugar, um calafrio lhe percorrendo a espinha...

A corda ainda estava ali, assim como o rosto imortalizado da garota que a assombrava. Mas as flores eram novas, brancas e delicadas, rodeavam o quadro com uma serenidade em sua natureza, que não cabia à história que perpassava aquelas paredes. Alguém se encarregara de fazer daquilo uma espécie de memorial, logo Banovi descobriria quem o fez, e acharia nada mais que um sacrilégio.

Acontece, que um par de olhos azuis a seguia durante todo percurso, procurando um momento em que pudessem estar a sós. A mulher nem havia notado quem espreitava pela porta. Absorvida em seu pequeno mundinho e recordações do passado.

Estagnou quando viu uma cachoeira de cabelos dourados passar por ela.

"Revisitando velhos amigos?" a loira sorriu, inclinado a cabeça para o lado.

"...Alice?" Oli pronunciou, o nome estranho em sua boca, não o pronunciava ao que pareciam décadas, ainda que fosse um de seus mais recorrentes pesadelos. De lábios rosados e rosto fino, se apresentava o diabo.

"É assim que me cumprimenta? Esperava uma recepção mais calorosa" ela estalou a língua, se agachando para trocar uma das pequenas flores de vaso. "Mas você saiu correndo da festa. Aparentemente, continua a mesma medrosa..." cantarolou.

A atitude fez o sangue de Banovi ferver. Depois de tantos anos, o mesmo tom de zombaria, como se olhasse para o mundo de um pedestal. Depois de tantos anos, e era isso que dizia quando se encontravam? Devia sair por aquela porta agora mesmo. Por que dar atenção a garota que fez de sua vida um inferno? Era o que dizia a parte mais racional de seu cérebro. A outra, completamente insensata, se sentia absorvida por aquela figura, se deixaria levar por aquela voz como um marinheiro condenado.

"O que esta fazendo aqui?" disse ao franzir o cenho.

"Own, irritada?" a loira riu.

"...Foi você quem fez isso?" Oliver apontou para o memorial "Honestamente, me de um bom motivo para não sair daqui e mandar que limpem tudo."

Alice arqueou uma das sobrancelhas, se levantando "Primeiro, temos assuntos importantes a tratar. E segundo, sei que não conseguiria se livrar desse quadro nem se quisesse." ela se aproximou e Oli deu um passo para trás.

"Não temos nada a tratar, pensei que isso já estivesse claro."

"Alguém encontrou as fitas." declarou a loira, direta.

"...Como?"

"Me ouviu bem, não recebeu uma carta também? Me enviaram algumas não muito amigáveis."

"Não...Como, pelos deuses, alguém encontrou aquilo? Pensei que as tivesse queimado!" Banovi passou a mão por seu emaranhado de cabelos castanhos.

"Isso não importa agora." a loira suspirou.

"Como não?! Tem noçã-"

"Não grite, Oliver!" interrompeu.

"Não pode me pedir calma numa situação dessas!"

"Não precisamos de mais barulho!...É bom que não tenham chegado em você ainda, mas se tem algum enxerido mexendo no que não devia, precisamos encontrá-lo...E aqui não é lugar para esse tipo de conversa."

"...Não quero me meter nisso."

"Entenda que não é bem uma escolha, minha querida." atestou "Mas precisamos de privacidade pra essa discussão. Então, nos vemos na minha casa, amanhã a tarde."

"Não tenho nada a ver com seus problemas, Alice, e deixe-me que lido com os meus."

"Sabe que isso não é verdade. Uma hora vão descobrir, se já encontraram aquilo, e vão chegar até você."

"Era pra você ter tê-las queimado!"

"Ainda estou te fazendo um favor, já que não abri a boca até hoje."

A pintora emudeceu por um momento.

"...Não tenho seu endereço"

"Entrego para seu assistente." ela sorriu, e Banovi apertou o casaco em volta do corpo, sem questão de esconder o desgosto espantado em sua cara. "E não faça essa cara, é adorável" a mulher sorriu enquanto saia pela porta, deixando a outra sozinha para remoer o que acabara de ouvir.





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