PRIMEIRO MOMENTO

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O alarme toca. E isso é o suficiente para que eu levante num rompante, jogando os lençóis e almofadas de volta na cama e correndo até o banheiro. Por que o desespero? Esse é o terceiro alarme que toca, o que significa que é o alarme reserva das 8h. E o por que disso? Eu tenho três alarmes programados, um das 6h, um das 7h e um das 8h, ou seja, se eu não acordar às 6, acordo às 7, se não em nenhum desses, acordo às 8.

É, meu raciocínio é louco? Sim, mas não tenho tempo pra pensar nisso.

Após sair da banho, pego as roupas separadas na noite anterior e as visto rápido, contando os minutos. Logo a vontade de chorar por ter ido dormir às 2 da manhã se apossou de mim e precisei respirar fundo, amarrando os cabelos num coque simples e pegando a bolsa de ombro. Conferi se estava com as chaves do dormitório e então comecei a correr pelos corredores extensos dos prédios, ofegante ao descer cinco lances de escada pulando de dois em dois degraus, pois o elevador estava com defeito. No último eu estava quase desfalecendo, botando os bofes pra fora.

Tá, isso foi nojento.

Balancei a cabeça para esquecer os pensamentos e tentei regular a respiração antes de enfim, entrar na sala da terceira aula do dia.

— Atrasada de novo, Marquês? Pegou duas faltas. — O professor me saúda e eu apenas abaixo a cabeça envergonhada.

— Desculpa professor Júlio, é que... hm... eu tava colocando ração pro meu gato! É, é isso. — Mordi a pontinha da língua, rezando pra ele acreditar naquela mentira patética.

Ele curvou as sobrancelhas e me olhou, batucando os dedos na mesa de leve. Aquele simples ato me amedrontou.

— Então você quer dizer que perdeu três aulas pra colocar comida pro seu gato? — Assinto, ainda parada próximo a porta. — Não é permitido animais nos dormitórios do campus, Eliza.

Tinha como eu morrer mais ainda de vergonha? Sim. Bufei com as bochechas vermelhas e pedi com licença, sentando em uma poltrona da fileira do meio.

— Certo, cidadãos, avisando que amanhã teremos atividade avaliativa e sexta, a prova prática no ateliê, até mais. — E saiu.

Suspirei aliviada e deixei a cabeça pender pro lado ao perceber que Gabriele havia se atrasada mais do que eu, de novo. Num movimento ágil, pesquei o celular e entrei no chat da minha amiga.

[Eu]
Onde você tá?  O professor já vai sair e perdemos três aulas😩
08:16

Gabi💋
Tô saindo, me amarrei no cabelo😰
Embaraçou e quase não consegui soltar os nós
08:18

Não consegui segurar a risada e no meio de vários alunos, gargalhei sozinha, chamando mais atenção do que deveria. "Droga..." Me encolhi na poltrona.

Ok, você deve estar confuso sobre minha vida, então vou te contar o básico.

Eu sou universitária de artes visuais e minha vida é uma loucura. Moro no Rio de Janeiro enquanto meus pais em Gramado, aliás, saudade do meu lugarzinho.

Certo, mas esse não é o foco.

Sou Eliza e tenho vinte e um anos e tudo começou a dar errado quando precisei me mudar da minha cidade natal. Eu tinha uma vida perfeita, trabalhava na lanchonete dos meus pais e não era humilhada quase todo dia como sou no meu atual emprego. Meus irmãos, por mais chato que fossem, me ajudavam sempre e eles fazem falta, oh céus, vou chorar.

Balanço a cabeça novamente.

Felizmente, consegui fazer novas amizades. Lucas e Gabriele são os responsáveis por tornar meus dias aqui nessa faculdade menos monótono e sou grata por isso. Alguns professores me odeiam mas eu não ligo muito pra isso, só quero meu diploma e sair daqui.

E falando neles, me assustei quando a bandeja de ambos pousou sobre a mesa, Lucas como sempre, comendo tanto como se não comesse há semanas e Gabriele, o prato mais xoxo que já vi na vida.

— Como vocês são lerdos. Faz horas que espero — Falei, enchendo a boca com arroz.

— Não fala de boca cheia, é falta de educação — Gabriele disse e dei de ombros, continuando a comer.

— Os alunos do último ano de moda vão descolar uma festa, cês vão?

Lucas perguntou, bebendo da sua coca-cola comprada na lojinha de conveniência do campus. O olhei sem muito ânimo e rolei os alimentos no prato após me sentir satisfeita.

— Quando é?

— Amanhã.

— Não sei se vou, tenho que organizar o dormitório e fazer as compras do mês, tá tudo uma bagunça. — Gabriele deixou a bandeja de lado e focou no seu leite de caixinha.

— Eu também acho que não vou, quero dormir até perder os sentidos.

Lucas fecha a cara, marrento.

— Quem são vocês? Não tô conhecendo minhas amigas, em que milênio elas recusariam uma festa? Qual é mano? — Ele bufa, e enfia mais comida na boca. — Vou procurar novos manos pra mim. — Gabriele faz careta ao vê-lo falando de boca cheia.

Apenas ri e levantei pra ir deixar minha bandeja junto com Gabi.

— Eu iria se não fosse as provas de depois de amanhã. Preciso estudar pois estou em faltas.

— Eu quero ir, mas preciso estudar também...

Suspiro e deixo os ombros caírem ao deixar a bandeja e ir até o corredor que levava ao bebedor, observando com o canto dos olhos, Lucas correr até nós.

— Cê louco, vamo na festa lá. — Ele tenta novamente. — Eu pago lanche por uma semana pra vocês na lojinha do seu José.

Gabriele e eu nos encaramos até o sorriso surgir em ambos os rostos, totalmente interesseiras.

— Eu topo.

— Tô dentro.

E o garoto sai pulando a nossa frente, cantarolando com ânimo sem ao menos ligar para os olhares de julgamento.

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