Capítulo Único

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  Sandro riscou um fósforo, acendendo o cigarro preso entre seus lábios, tragando profundamente antes de suspirar de cansaço. Nos últimos dias, o paulista foi soterrado por trabalho, reclamações e mais trabalho, o que o deixou frustrado e sem paciência para nada e nem ninguém. Ele mal conversava, mal parava pra comer, quando chegava em casa mal dormia, e sua semana se baseou naquela sucessão de coisas mal feitas. No meio de toda bagunça ele perdeu seu isqueiro, mais um detalhe que o fez bufar, mas desistiu de procurar antes mesmo de começar.

Havia pelo menos meia hora que os outros sudestinos deixaram o escritório, o deixando sozinho ali. A capixaba, preocupada, pensou em ficar ali e ajudar o paulista, no entanto, Ricardo a arrastou pra fora, ele conhecia Sandro bem o suficiente pra saber que no momento qualquer presença seria desagradável.

Uma batida na porta chamou a atenção do moreno, que apagou o finalzinho do cigarro, jogando a bituca no lixo e fechando a janela. Provavelmente o carioca havia voltado para ver se o escritório ainda estava inteiro, ou o mineiro veio trazer um café recém passado como sempre para animar o paulista.

No entanto, ao abrir a porta, sua visão foi de um sulista baixinho, com olheiras pouca coisa mais rasas que as dele, mas um sorriso que era relaxado e talvez até beirando o cinismo.

— E aí, piá?— Philipe cumprimentou, já entrando no escritório, sentindo-se à vontade para se sentar em uma das cadeiras.

— Tá fazendo o que aqui?— Sandro perguntou, de seu jeito apático de sempre, no entanto o paranaense conseguiu muito bem identificar misto de surpresa e cansaço.

— Também tô feliz em te ver.— Ele cruzou as pernas, colocando os pés em cima da mesa, numa pose relaxada.— Só não esperava encontrar um defunto no teu lugar, piá.

— Engraçadão você, viu mano.— O paulista revirou os olhos, já acostumado.— Fala logo.

— Desculpa, eu vim ver como meu melhor amigo tá, já que ninguém nunca mais te viu pelo escritório. Rio falou que tu pirou o cabeção, fiquei preocupado, admito, mas também feliz porque eu ia herdar seus bens, seu apartamento na praia, sua moto...

Sandro soltou um arzinho pelo nariz, achando graça nos gestos dramáticos do vizinho sulista, como se ele realmente estivesse desaparecido há semanas, mesmo que ele se lembrasse de ter visto o paranaense ainda naquela manhã.

— Primeiramente, não tem ninguém pirado aqui. Segundo, desde quando tem seu nome no meu testamento?— Ele cruzou os braços numa falsa pose séria.

— Não tem? Ai!— Philipe botou a mão no peito, um gesto exagerado.— Quer dizer que você vai me deixar sem nada? Cruel...

— Vou voltar pra te assombrar.— Sandro deu um meio sorriso, que já era uma conquista para o paranaense.— Mas é sério, não era pra você já ter ido pra casa? Tá tarde.

— Vim te buscar pra sair.

Sandro olhou para as coisas que havia acabado de organizar, o que o fazia lembrar que ele tinha mais algumas planilhas para editar quando chegasse em casa. Se sobrasse tempo, ele poderia até ver um episódio de sua série favorita e comer um miojo de galinha caipira. Exceto que ele provavelmente iria dormir depois de quinze minutos de episódio e o macarrão ficaria ali esfriando, nada de incomum.

— Não sei se vai dar não, Paraná...

— Acho que tu não entendeu.— O mais baixo se levantou, se aproximando.— Eu não te convidei pra sair, você vai sair, não tem opção de escolha.

— Mano, é que tem uns trabalhos aí.

— Sandro, pelo amor de deus, né? Sexta-feira, bora!

O paulista suspirou, olhando para o relógio do escritório, já se passavam das seis e alguma coisa, seu turno já havia acabado há quase uma hora. Talvez ele realmente pudesse fazer uma pequena pausa, inventar alguma desculpa no meio do rolê, dizer que ele iria dar banho em seu peixe ou algo assim, voltar pra casa e então terminar o trabalho pra conseguir dormir de consciência tranquila.

DISTRAÇÃO (Samparaná)Onde histórias criam vida. Descubra agora