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Eu passei mais horas do que consigo contar acordada, encontrando imagens escondidas nos padrões aleatórios do meu teto.
Um par de galhos com hastes assimétricas. Um buquê de tulipas apertado por dedos finos.
A maioria delas eu já tinha encontrado antes. Afinal, não há muito o que descobrir em um teto. Mas, às vezes, vejo algo novo. Como os óculos de aro grosso da velha colega de escola da minha mãe, a Sra. Lassam, que estou encarando há uma hora. Não consigo parar de pensar nela desde que ela saiu da missa de domingo conosco hoje de manhã.
A pergunta que ela me fez era simples. Quais são os seus planos agora que você se formou? A resposta deveria ser fácil, a mesma história sem graça que conto para todo mundo, mas tenho passado tanto tempo pensando nos meus planos reais que quase acabei contando a verdade.
Eu cobri, é claro, mas eu poderia ter arruinado tudo. Preciso ter mais cuidado à medida que o momento se aproxima.
Uma palavra errada para a pessoa errada no lugar errado, e nosso plano vai para o inferno.
A verdade é que eu odeio guardar segredos. Sempre odiei. Tudo o que eles realmente fazem é separar as pessoas.
Mas isso...
Isso é diferente.
Porque esse segredo em particular é a única coisa que me mantém inteira.
Ela é a única coisa que me mantém inteira.

Eu sei que pode parecer um pouco extremo, mas às vezes sinto que ela é a única pessoa com quem posso ser eu mesma, como se ela fosse a única coisa que me mantém com os pés no chão e, sem ela, eu poderia simplesmente esquecer quem eu realmente sou e flutuar para longe.
Ela é muito mais do que apenas um segredo. Ela é tudo para mim.
Para a minha própria saúde ocular, forço minha atenção a se afastar dos óculos da Sra. Lassam e me viro de barriga para baixo para pegar meu celular na beirada da cama.
3:17 da manhã.
A tela se acende com uma foto minha, que tenho certeza de que parece um pouco egocêntrica ou pelo menos bem estranha para quem está de fora. Mas quando olho para essa foto, não vejo a mim mesma. Vejo o porque estou sorrindo: a fotógrafa.
Vejo Lauren.
Embora cada parte dela esteja eternamente gravada na minha mente, nesta noite, depois do que quase aconteceu após a missa, não é suficiente apenas imaginá-la. Eu preciso de mais.

Eu saio debaixo do meu edredom listrado de azul e branco e ando na ponta dos pés, silenciosamente, até a minha mesa. Em algum lugar na prateleira de cima está uma pedra fina de granito laranja, encaixada na fresta entre duas seções de madeira. Tirando-a, agacho-me no chão e coloco uma das pontas no parafuso que segura a ventoinha metálica sobre o duto de ar. Eles demoram mais para soltar do que costumavam. Depois de serem retirados umas milhões de vezes, as pequenas cruzes estão quase transformadas em círculos perfeitos. Honestamente, eu deveria substituí-los por novos em breve, para que não chamem atenção.
Silenciosamente, coloco a tampa da ventoinha no chão ao meu lado, depois cuidadosamente alcanço o duto e tiro uma caixa de sapatos laranja. Sem falhar, os cantos gastos e a fita adesiva descascando fazem meu coração bater forte. Olho rapidamente para a porta fechada do meu quarto antes de ligar a lanterna e tirar a tampa. Dentro, há uma bagunça de cartas manuscritas e fotografias, mas também coisas que não significariam nada para ninguém, a não ser para nós duas.

A faixa azul e amarela da formatura de Lauren na Wyatt High, a escola pública local que fica a cerca de dez minutos da escola católica que eu frequentei.
Um saco vazio de pipoca de cinema, de quando fomos até a cidade para nosso primeiro encontro de verdade. O elástico de cabelo amarelo esticado que ela me deu do pulso dela na primeira vez em que transamos, todos braços e pernas no banco de trás do meu Volvo, escondidos na floresta atrás da fazenda da família dela. Um bilhete de loteria premiado que encontramos em um estacionamento deserto na outra noite e juramos que vamos resgatar assim que finalmente sairmos daqui no final do verão, quando pudermos ficar juntas.

Essa caixa. É a única evidência física que eu tenho do nosso relacionamento de dois anos, tudo o que é precioso para mim.

Se alguém encontrasse isso, saberia de tudo, e é exatamente por isso que ela precisa ficar escondida pelos próximos dois meses.
No fundo da pilha, encontro o que realmente estava procurando: minha foto favorita da Lauren. É uma pequena Polaroid retangular, tirada em preto e branco, de modo que parece cinquenta anos mais velha do que realmente é.
Decidimos, quando começamos a namorar, há quase dois anos, que seria mais seguro para nós dois capturar memórias apenas com Polaroids.
Nada digital, para ninguém encontrar em nenhum dos nossos celulares.
Na foto, Lauren está nadando, até os ombros na água do riacho quando ele transbordou na primavera passada. O cabelo molhado está caindo ao redor do rosto dela, em mechas bagunçadas, e a boca dela está aberta em um pequeno sorriso. Ela está sexy.

Ouço o rangido da cama dos meus pais e levanto a cabeça rapidamente, olhando para a parede que compartilhamos. Eu congelo por um segundo, ouvindo, mas nenhum outro som sai do quarto deles, então provavelmente é só um deles virando de lado. Mesmo assim, é hora de guardar as coisas. Jogo a foto
rapidamente dentro da caixa e a coloco de volta no duto, atrás da ventoinha, depois empurro a pedra de volta para minha mesa, como se nada tivesse acontecido, como se nada estivesse lá.
Corro de volta para a cama, o coração batendo forte nos meus ouvidos. E se não fosse só um deles virando de lado na cama? E se um deles tivesse entrado aqui e me visto? Fico repetindo diferentes cenários na cabeça e, quanto mais tempo fico aqui, mais as reações vão piorando.
Eu não posso mais fazer isso essa noite. Eu preciso dormir se for sobreviver a outro longo dia segurando tudo isso dentro de mim. E eu sei que há uma coisa só que vai me acalmar o suficiente para chegar lá. Só espero que ela não se importe. Vai ser a segunda vez essa semana que vou ligar e acordá-la.

Eu disco o número da Lauren, meus dedos deslizando automaticamente pela tela como se eu estivesse digitando o código de segurança.
Me encolho profundamente sob as cobertas, então coloco o celular entre minha orelha e o colchão. 

"Oi, amor." A voz dela soa depois de algumas chamadas, com um tom rouco de quem foi acordada, e ainda mais fofa. "Não consegue dormir, né?" ela pergunta, embora saiba que não posso responder, não com meus pais do outro lado das minhas paredes de papel. Felizmente, ela não precisa se preocupar com isso, porque o quarto dela fica lá no alto, no sótão da casa enorme da fazenda dela. Não que eu tenha realmente visto o quarto dela.  "Você sabe aquela minha fase de documentários ambientais?" ela pergunta, de forma retórica. 
Eu aceno com a cabeça, me sentindo levemente culpada por não ter assistido aos dois documentários que ela me mandou... mas não o suficiente para realmente assisti-los. 
"Bom, eu acabei de assistir um sobre carne e foi tão, tão impressionante..." Ela continua, me contando tudo o que aprendeu sobre o impacto da indústria da carne no meio ambiente. "Enfim, estou pensando em virar vegana", ela termina, e eu não consigo evitar soltar uma risadinha baixa com isso. 
"Eu sei. Eu sei." Ela ri. "Diz a garota cuja mãe administra a maior fazenda de gado do condado. Isso seria provavelmente mais um golpe para ela do que..." Ela ri de novo, mas essa risada soa diferente, forçada. 
Ela volta ao documentário, me contando todos os detalhes sobre ele. Ela fala, e eu só escuto. 
Uma das coisas que eu mais gosto na Lauren é que ela transborda paixão.
Paixão pura e sem filtros, por todas as coisas. É fácil se empolgar quando estamos perto dela, até com coisas que você nunca se importou antes. 
Às vezes, se eu realmente não consigo dormir, ela vai falando assim por horas a fio, e, de algum jeito, sempre consegue achar algo interessante para dizer. 
Apesar de o quanto eu gosto de ouvir, a voz suave dela vai derretendo a tensão que eu venho segurando nos músculos a noite toda, e depois de uns trinta minutos, minhas pálpebras finalmente começam a pesar. E mesmo que Lauren jamais admitisse, eu tenho certeza de que ela não se importaria nem um pouco em poder voltar a dormir agora. 
"E não me faça começar a falar sobre o desmatamento. Isso é um outro..." Ela para no meio da frase quando eu dou uma leve tosse no telefone. 
"Tá bom. Boa noite, Camz. Te vejo amanhã." Ela pausa; então, de forma tão suave, ela sussurra: "Eu te amo", como se estivesse dizendo diretamente no meu ouvido. Ela não joga essas palavras por aí como se as tivesse dito tantas vezes quanto realmente disse. Ela fala como se realmente significasse cada palavra, cada uma envolvida com todo o seu coração. 
Eu quero responder. Quero dizer de volta, com toda a força que eu tenho, mas minha garganta dói, e eu sei que não posso. 
Nem mesmo em um sussurro. Não aqui.

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