As meninas voltaram para a chácara em silêncio, como se tivessem esgotado todas as palavras na beira daquele penhasco. Victória ainda não conseguia acreditar que uma pessoa tão jovem como Brenda podia carregar uma bagagem tão pesada. A vida não parecia nada justa com ela. Por outro lado, questionava-se sobre como foi capaz de falar tanta verdade para a menina. Concluiu que o jogo que fizeram era perigoso demais. Fazia a pessoa se sentir confortável a ponto de falar as primeiras coisas que surgiam na mente, sem adulterações dos fatos.
De alguma forma, o clima ficou super pesado até elas chegarem na chácara. Caminharam até a piscina e viram algumas crianças brincando com uma bola, na parte rasa, incluindo Letícia. Na varanda, alguns adultos desconhecidos conversavam, sentados em cadeiras de balanço. Quando Victória questionou sua amiga sobre aquela gente, Brenda falou que eram mais tios e alguns primos.
Victória procurou por Eric com os olhos e não o viu. Encontrou-o sozinho na sala, sentado no sofá pequeno, com o celular no ouvido. Dava risada de alguma coisa que a outra pessoa disse na linha e não pareceu notar a presença dela. Ela teve certeza que era Emily e sentiu o sangue fervendo. Brenda a arrastou pelos ombros até a cozinha, porque ela havia estacado no meio da sala.
Como se tentasse distraí-la, Brenda abriu uma portinha que dava acesso ao cercado das galinhas e entregou milho em suas mãos, para alimentá-las.
— Ei, Vic. Não fica com ciúmes — disse a menina. — Ele não gosta dela de verdade, o namoro não vai durar.
— Que não vai durar, eu tenho certeza. O idiota vai acabar traindo ela.
— Duvido muito. Meu irmão não é mau caráter, ele viu o que aconteceu com meu pai.
Victória não disse nada. Quando elas terminaram de alimentar as galinhas, comeram umas frutas na cozinha e foram para o quartinho onde estavam as mochilas. Passaram um tempo lá. Victória pegou seu caderno, sentou-se na janela e observou o campo por um momento. Quando a inspiração bateu, escreveu contos por horas até o almoço, enquanto Brenda ouvia música.
Quando voltaram para a cozinha, o clima era outro. O aroma de feijoada predominava no ambiente, algumas pessoas estavam sentadas à mesa e conversavam alto. Havia também uma mulher perto da portinha, espantando moscas com um pano de prato. Tereza conversava animadamente com um dos irmãos e algumas crianças entravam na cozinha, deixando um rastro de água da piscina por onde passavam. Uma mulher brigou com o menino mais velho, que aparentava ter uns nove anos, e o conduziu para fora da cozinha. Já o menino menor, que devia ter uns sete anos, estava no pé do pai, implorando para comer o iogurte que eles levaram na viagem. O homem lhe deu uma bronca e o mandou esperar pelo almoço.
Letícia surgiu logo depois e deu um abraço bem molhado em Victória, deixando-a sem entender nada.
— Posso fazer um bigode no seu rosto depois? — perguntou, sorrindo.
— Deixa ela em paz, filha — disse Tereza, aproximando-se. Depois, encarou Victória. — Ela tá com essa ideia desde que te viu dormindo no carro. Mas não leva a sério. Letícia foi pra um acampamento com o pessoal da escola ano passado e teve uma brincadeira boba de fazer bigode de tinta em quem estava dormindo. Acho que ela nunca mais esqueceu.
— Entendi — respondeu ela, coçando o braço.
Depois puxou uma cadeira perto de Brenda e se afundou nela, ignorando todo mundo. Nunca vira uma casa tão cheia de gente e já queria que todo mundo sumisse. Desejou voltar para o penhasco ou se isolar no quartinho com seu caderno de novo.
Depois do almoço, algumas pessoas se recolheram para os quartos afim de tirarem um cochilo da tarde. Outras ficaram na cozinha, limpando tudo. Victória observou Eric chamando seus primos para jogarem bola no campo e ela encontrou uma deixa perfeita para se isolar no quartinho com seu caderno. Porém, assim que chegou lá, viu umas duas meninas brincando de boneca e uma mulher mexendo no celular, numa das beliches. Então, pegou seu caderno rapidamente e saiu, sem falar com ninguém.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Vilã
Teen FictionVictória tinha tudo o que uma garota poderia querer: uma péssima relação com a mãe, uma péssima reputação na escola, um amor platônico por alguém que nunca olharia para ela, uma melhor amiga que sempre a colocava para baixo e um monte de traumas. Ou...