— Eric — Victória chamou.
— Diga.
— Valeu por ontem, eu estava… desmoronando.
— Eu sei.
— Já é a segunda vez que você tá comigo enquanto eu desmorono, isso é patético.
— Acontece. Na verdade, eu fiquei com medo de você tentar se jogar do penhasco, por isso não podia te deixar lá sozinha.
— Mas eu nunca faria isso.
— Você tava descontrolada, podia agir no impulso, fazer qualquer coisa. Eu precisava garantir que não faria nada.
— Por quê? Seria um bem que eu faria à humanidade, deixar de existir. Assim, não mataria mais ninguém.
— Se você se matasse, provavelmente, seria a atitude mais egoísta do universo. Levaria com você um pedaço de todas as pessoas que te amam e elas nunca mais voltariam a ser as mesmas, sabia?
— Eu já causo muito sofrimento, Eric.
— Por quê? É sobre a crise de ontem?
— Quando eu era criança, estava brincando com minha amiga perto de um lago. Acabamos dentro da água, mas ela foi mais longe. Então, eu vi um redemoinho enorme e gritei. Fiquei assustada e comecei a voltar pra margem. Ouvi Isabela gritando, mas não parei e nem voltei pra salvá-la. Eu só vi o que estava acontecendo quando saí do lago. Em pouco tempo, ela foi engolida pela água e eu não fiz nada pra impedir.
— Nossa…
— É, aí eu fiquei quieta. O tempo passou e os pais dela começaram a procurá-la. Não encontraram. Ai contei pro meu pai o que tinha acontecido e ele falou com os pais da menina. Encontraram ela morta.
— Eu sinto muito.
— E os pais dela gritaram comigo, falando que a culpa era minha e que eu devia ter algum traço de psicopatia. Me chamaram de vários nomes feios, não pude nem ir no velório. Meus pais viram todo o sofrimento que isso tudo me causou e decidiram vir embora pra São Paulo. Achavam que eu precisava de um recomeço, bem longe daquele lugar.
— Mas de quem foi a ideia de entrar no lago?
— Não lembro.
— Caramba, Vic. Não foi culpa sua.
Victória já ouviu esse apelido tantas vezes, mas vê-lo saindo da boca de Eric a fez sentir um carinho enorme pelo rapaz e um frio na barriga.
— Foi, sim. Nas duas vezes.
— Teve mais alguém?
— Meu pai.
— Ah, é. Você nunca me contou por que se culpa pela morte dele.
— Meu pai estava indo buscar um globo de neve pra mim e sofreu o acidente de carro na volta. — Ela apoiou a cabeça no braço, encarando o asfalto. — Naquela época, meu sonho era conhecer a neve. Em Nova York. Depois da morte dele, nunca mais pensei nesse assunto.
Eric também olhava o asfalto, pensativo.
— Você lembra do que se passou pela sua cabeça quando viu sua amiga se afogando?
— Eu fiquei em choque. Era como se não soubesse o que deveria fazer.
— Você não sabia do redemoinho, Vic. Não é culpa sua. Pensa comigo, se você corresse pra buscar ajuda, talvez quando voltasse, ela já tivesse sido engolida. E se você gritasse, a ajuda também poderia demorar. Além do mais, você era só uma criança, não devia ter consciência de nada. São tantos fatores a serem analisados, não dá pra você simplesmente assumir a culpa por tudo.
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A Vilã
Teen FictionVictória tinha tudo o que uma garota poderia querer: uma péssima relação com a mãe, uma péssima reputação na escola, um amor platônico por alguém que nunca olharia para ela, uma melhor amiga que sempre a colocava para baixo e um monte de traumas. Ou...