O retorno do caos

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Victória nunca mais teve aquele pesadelo em que se afogava. Em vez disso, tinha sonhos aleatórios que mal entendia. Sempre acordava bem, disposta, de certa forma. Não entendia o motivo. Quando viu Rafael no restaurante da mãe, foi sincera com o rapaz. Disse que não tinha interesse amoroso nele e ele entendeu. Naquele mesmo dia, ela pegou seu caderno de contos e os mostrou para Nicolau, que ficou admirado com a história da piscina. O velho até comentou que a menina estava evoluindo na escrita e a elogiou muito. 

Pelos próximos dias, Victória arrastou Brenda para umas lojas de roupa, com a necessidade de mudar um pouco o visual. A menina não a questionou, assim como não falou nada sobre o último plano que fez para unir o irmão à Victória. 

Quanto mais os dias passavam, mais a garota apresentava um comportamento diferente, que chocava a todos. Ah, como seria lindo se essa história acabasse desse jeito. O problema é que apesar das mudanças no estilo e nas atitudes, Victória tinha suas inquietações. Sempre entrava em choque quando lhe diziam que estava bonita ou elogiavam o que ela fazia. Entrava ainda mais em parafuso quando percebia que as pessoas estavam gostando dela. De início, tentou ignorar o desconforto. Mas atingiu o ápice quando uma freguesa do restaurante da mãe lhe disse “você é tão simpática, gostaria que fosse minha filha”. 

O comentário a perseguiu e a fez se trancar no banheiro, encarar a própria imagem no espelho e se perguntar o que estava acontecendo. Não merecia efeto. Parecia-lhe injusto demais receber esse tipo de coisa dos outros. Era como ver um saco de lixo podre e dizer que o amava. 

Reage, Victória. Reage

Em seu íntimo, uma voz gritou, dizendo que ela estava perdendo as forças, tornando-se igual à Emily. Não, não, não. 

Victória nunca quis ser como a prima. Precisava corrigir a rota urgentemente. Foi por isso que começou a ter novas ideias de maldade para fazer com os colegas quando voltasse para a escola. Certo dia, teve uma ideia brilhante e contou para Brenda, que rejeitou na mesma hora. No entanto, a garotinha se viu obrigada a ajudá-la, sob ameaça de acabarem com a amizade. 

O primeiro passo para seu plano, foi se trancar no quarto e picotar o cabelo novamente, igual estava no começo do ano. Segundo passo: pintá-lo com as mesmas cores estranhas de antes. A Maligna não morreria. 

No último dia de férias, Victória estava no quarto, fazendo listas de maldades em um caderno quando ouviu o portão se abrindo e soube que sua paz havia acabado. Foi até a janela e afastou as cortinas, só para ver Monique e Emily entrando com as mãos cheias de sacolas e bolsas.

Victória sentiu um aperto no coração ao vê-las tão felizes, porque sabia que perderia a mãe para a prima de novo. E na verdade, elas progrediram tanto em seu relacionamento nos últimos dias. Monique tinha se mostrado interessada nela de verdade, prestativa e até carinhosa. Teve até um dia em que ambas ficaram sentadas no sofá, conversando sobre porque Victória deveria assistir doramas, pois aparentemente até sua mãe tinha se apegado a esse tipo de série.

Agora, tudo voltaria a ser como antes. Não era justo. Por que o ônibus de viagem da prima não derrapou? Ou por que ela não ficou em Santos mesmo? Mais uma vez seria forçada a dividir seu território com aquela garota. 

Quando saiu da janela, ela voltou para sua lista de planos. Pensou que se ignorasse a chegada da prima, talvez a menina deixasse de existir. Mas definitivamente, sua paz acabou quando ouviu passos e risadas. E de repente, como a força de um furacão, a porta de seu quarto se abriu e elas entraram. 

— Oi, prima! — disse Emily, alegremente, com aquela voz fininha que lhe dava nos nervos. 

Victória não respondeu, apenas revirou os olhos. Então, a prima começou a ajeitar as coisas em sua cama e na cômoda. Enquanto isso, Monique disse que precisava ir para o trabalho e saiu do quarto, deixando a filha sozinha com seu pesadelo ruivo. 

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