Este diário pertence a Aisha Ignis Drakaris.
08 de Acto do ano 502 da ascensão de Cael.
Descobri que é assim que chamam esse ano aqui. Na minha terra estávamos em 313 do Fogo Eterno.
Eu não sou muito boa nisso. Maria Ophelia --- a mulher simpática que me ajudou e me deu um lugar para ficar --- me deu um caderno para escrever como eu me sinto e tudo o que passei nesses três dias agonizantes.
Primeiro, eu preciso explicar tudo. Não me sento confortável em não chamar alguém pelo nome ou por um apelido carinhoso, em casos de grande intimidade, sinto que essa pessoa é uma completa estranha.
Te chamarei de Aris. É um nome até que comum onde eu costumava morar
Enfim, Aris, eu preciso lhe dar algum contexto do que aconteceu ate agora.
Eu caí num poço, na minha casa, sendo perseguida por um pessoal que trabalhava pro governo. Talvez sejam do exército, ou sei lá. Mas eu sei que eles trabalham para a rainha Hadria, da minha cidade-estado. Sei disso porque já os vi outras vezes. Toda vez que alguém completa dessesseis anos de idade eles aparecem na casa da pessoa, por isso não fazemos festas quando nosso décimo sexto aniversário chega.
Ninguém além de quem já passou por isso sabe o que eles fazem.
Eu já vi gente tentando empedir, gritando coisas como "Kerlak dohn vaktil zun!" (Vocês não são bem-vindos aqui!) Ou "Dohn neryk zolrath!" (Não se aproximem!), e eles sempre eram agredidos sem dó alguma. As pessoas não gostam do governo, mas tem medo dele.
Será que eles são treinados para isso? Ouvir gritos sem se incomodar, bater em pessoas sem remorso, quero dizer.
Talvez eles até tenham remorso, mas não me pareciam ter. Não que desse para ver suas expressões por trás das máscaras brancas, mas mesmo assim.Eles não pareciam estar tão generosos ao ponto de apenas bater em meu avô. Eles o mataram.
Eu ainda estou em negação, Aris.
Foi muito rápido, você nem pôde conhecer ele, então não vai sentir saudades, mas ele era uma pessoa maravilhosa.
Me criou como um pai faria, não me abandonou como o meu genitor.
Depois que eu saí do poço não estava mais em casa. Estava em uma floresta densa, de noite e como se isso não bastasse eu ainda estava mancando.
Eu reclamei tal qual uma adolescente mimada. Praguejei pelo caminho, chutei pedrinhas --- se é que dá para chamar aquilo de chute. Não que eu me orgulhe disso. Mas todos nós temos o direito de sentir raiva, certo?
Eu sobrevivi sozinha na floresta por um tempo, andei o tanto que deu. Isso durou dois dias. No segundo dia eu caí numa cidadezinha --- que de "inha" não tem nada --- chamada Cael'dhor. O nome significa "O domínio de Cael".
Cael foi um cara bem importante nascido há milhões de anos que acreditava que, apesar de nossas diferenças, todos tem os mesmos direitos --- ele com certeza estava certo. Então pessoas diferentes começaram a morar aqui numa busca de não sofrer mais preconceito.
Eles deram esse nome a cidade como homenagem, diz a lenda que ele falou que não precisava.
Se fosse eu, amaria. Imagine só! "Você é uma pessoa muito corajosa, Aisha! Vamos dar o seu nome para a nossa cidade!" Eles diriam isso.
Quando estivessem a construindo, eu diria para fazerem a prefeitura mais alta, mais larga, mais colorida. E, quando estendessem a placa com o nome da cidade (o meu nome), eu posaria para as fotos e elas sairiam no jornal.
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VOX FLAMMAE
FantasiaA vida de Aisha muda drasticamente graças a eventos infelizes. Depois de cair num poço ela conhece pessoas maravilhosas, outras nem tão maravilhosas assim, mas todas tem algo em comum: são seres fantásticos. Vemos tudo isso apartir dos diários dos...