𝖼𝗁𝖾𝗀𝖺𝖽𝖺
A chuva caía pesada naquela noite, como se o céu lamentasse junto com as almas que, em breve, seriam marcadas pela tragédia. Adeline, com apenas cinco anos, estava no banco traseiro do carro, envolta por seu cobertor favorito e segurando sua boneca de tranças desfeitas. Seus olhos grandes e curiosos observavam as gotas escorrendo pela janela, transformando as luzes dos postes em reflexos borrados e quase mágicos. Seus pais conversavam baixinho na frente, vozes tranquilas que ela associava à segurança e ao lar.
── Adeline, querida, não se esqueça de agradecer amanhã pela sua nova boneca. ── Disse sua mãe, sorrindo pelo retrovisor.
── Eu já agradeci, mamãe! Deus sabe o quanto eu amei ela! ── Respondeu a menina, com seu entusiasmo infantil.
Seu pai riu, balançando a cabeça. ── Você tem o coração mais puro que eu já vi, filha. Sempre tão grata. Somos muito sortudos de ter você.
Mas, de repente, aquele momento de ternura foi interrompido de forma brutal. Um farol cruzou a estrada em alta velocidade. O som de freios gritando e metal retorcendo ecoou pelo ar, misturado aos gritos desesperados de seus pais.
Adeline nunca se lembraria exatamente do impacto, apenas dos segundos intermináveis que se arrastaram. O carro girou como uma folha ao vento, o mundo virou de cabeça para baixo e, então, o silêncio.
Ela acordou com o cheiro de gasolina e sangue, as luzes piscando como um pesadelo. Seus pais não se mexiam. A mão de sua mãe, antes tão calorosa, estava fria quando Adeline tentou segurá-la. Lágrimas escorriam por seu rosto enquanto ela murmurava em voz baixa, quase como uma oração. A sirene da ambulância chegou, cortando a noite com sua melodia aguda. Braços fortes a retiraram do carro, enquanto ela chorava e chamava por seus pais.
Eles nunca responderam.
A dor daquele dia nunca deixou Adeline, mas, com o tempo, transformou-se em algo diferente. Após o acidente, ela foi enviada para um orfanato. No início, o mundo parecia sem sentido; um vazio gélido que ninguém conseguia preencher. Contudo, aos poucos, ela encontrou consolo em algo maior.
As manhãs no orfanato tinham seu charme. A capela simples, com seus vitrais desbotados, era o lugar onde Adeline se refugiava. Ali, sentada nos bancos de madeira envelhecida, ela sentia algo que inexplicável. Uma presença silenciosa que a aquecia, mesmo nos dias mais frios.
── Adeline, você passa tanto tempo aqui. Por que não brinca com as outras crianças? ── Perguntou a Irmã Margareth, enquanto arrumava os bancos.
Adeline olhou para a cruz no altar e depois para a irmã, os olhos brilhando com sinceridade. ── Porque aqui, eu sinto que não estou sozinha.
As palavras marcaram Margareth profundamente. E com os anos, a devoção de Adeline cresceu. Não era algo imposto, mas uma escolha que nascia em seu coração. A ideia de servir a Deus, de buscar redenção e propósito, tornou-se um chamado irresistível.
Quando completou dezessete anos, a decisão foi inevitável. A carta de aceitação do convento chegou em um envelope selado, e ao segurá-la, Adeline sentiu que estava cumprindo um destino traçado desde o momento em que perdeu tudo.
Na manhã de sua partida, o orfanato parecia mais silencioso do que nunca. A despedida foi breve, mas cheia de emoção. Ao entrar no carro que a levaria ao convento, Adeline olhou para trás, vendo as janelas do orfanato pela última vez. No coração, uma mistura de medo, expectativa e a certeza de que, por mais que carregasse cicatrizes, sua jornada apenas começava.
O carro subia pelas estradas sinuosas, cercado por montanhas cobertas de névoa. Adeline olhou pela janela, sentindo um nó no estômago. Estava deixando para trás tudo o que conhecia, pronta para abraçar o desconhecido.
VOCÊ ESTÁ LENDO
𝐇𝐀𝐔𝐍𝐓𝐄𝐃, 𝑐𝘩𝑎𝑟𝑙𝑖𝑒 𝑚𝑎𝑦𝘩𝑒𝑤
Fanfiction𝐇𝐀𝐔𝐍𝐓𝐄𝐃 ✟ Prestes a confessar seus votos, Adeline está a um passo de se tornar uma freira. O que parecia ser a promessa de uma nova vida, se torna um pesadelo quando ela se vê atormentada por visões e sonhos sombrios de seu novo padre. ...