Capítulo XVIII

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O quarto era imenso e tinha cheiro de lavanda.

Mesmo que eu quisesse vasculhar tudo, fiquei receosa e apenas me sentei na cama. Era tão alta que minhas pernas balançavam sem tocar o chão. Eu ia dormir ali e ter a melhor noite da minha vida.

Eu estava segura, a lareira estava acesa e quando me deitei, era como se estivesse nas nuvens. Minha mãe disse que eu podia dormir e ficar tranquila, tínhamos chegado em casa.

Quando acordei, o que mais quis foi encontrá-la e lhe dizer que aquela tinha sido a melhor noite de sono, que me sentia importante por ter passado a noite em um quarto sozinha.

Mas ela não estava em lugar algum.

O homem que havia nos atendido estava parado no corredor, as mãos nas costas, a postura imponente.

– O senhor viu minha mãe?

Tarde demais descobri que aquele homem era meu pai.

Que minha mãe estava doente, por isso a expulsaram de nossa antiga casa e que ela fez de tudo para chegarmos em segurança confiando que aquele homem me manteria a salvo.

Tarde demais me dei conta de que minha amada mãe tinha morrido na madrugada, que eu estava tão entretida e entusiasmada para dormir em um quarto da mansão que sequer percebi que ela estava morrendo.

Fiquei sozinha.

E depois de enterrá-la, meu pai e minha madrasta me colocaram na ala dos criados.

O Pai Celestial que nunca nos abandona.

As palavras que minha mãe usava foi a última coisa que ecoou em minha mente antes que eu despertasse.

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Não consegui ver nada além de uma luz fraca.

Meus olhos pareciam ter vontade própria e não queriam permanecer abertos.

Minha cabeça doía e minha garganta estava seca. Tentei me mover, mas a dor se espalhou me fazendo apertar os lábios.

Onde eu estava?

Fechei os olhos tentando ter algum controle sobre meu corpo.

Henry.

O simples pensamento me fez ficar em alerta, mas sequer me movi. Não tinha forças e tudo o que queria era voltar para minhas lembranças.

Onde eu estava?

Não tive como descobrir, logo mergulhei na escuridão.

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Quando consegui compreender o que tinha acontecido, haviam se passado dias desde minha chegada naquela casa. Fui proibida de atravessar os limites da criadagem e a governanta me deu ordens expressas para me manter em silêncio.

À medida que o tempo passava, me dava conta de que ninguém sabia minha verdadeira identidade, às vezes até eu duvidava de quem realmente era. Meu pai foi me visitar uma vez e suas palavras jamais saíram da minha mente.

– Sua mãe está morta e você não tem ninguém. Fique quieta, faça suas tarefas e terá um teto e comida. Caso contrário, não poderei mantê-la aqui.

Não houve abraços ou palavras de conforto pelo meu luto.

Sabia muito bem que eu não poderia vagar pelo mundo afora com minha idade e condições, então fiz o que foi necessário. Fiquei e trabalhei, servi os irmãos que não sabiam de minha existência, limpei os quartos que também deveriam ser meus e fui uma espectadora da vida que deveria ter sido minha.

Coordenadas da Irlanda.

Assim que as palavras tomaram conta da minha consciência, voltei à realidade e abri os olhos.

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Coordenadas da Irlanda.

– O que disse? – Alguém perguntou, mas parecia estar tão longe.

Eu tinha pronunciado aquelas palavras?

Coordenadas da Irlanda.

Consegui mover os olhos e vi uma luz distante. Tentei mover o pescoço, mas todo meu corpo voltou a doer. Respirei fundo e ouvi passos, só então Henry entrou em meu campo de visão.

– Como se sente? – Ele indagou com calma.

A perseguição na floresta voltou a minha memória me fazendo estremecer. Toquei minha cabeça e senti algo áspero enquanto pequenas lascas de sangue seco caiam onde antes estava minha capa.

– Onde estou? – Consegui murmurar, as palavras arranhando minha garganta seca. Precisava de água.

Não conseguia ver todo o lugar, mas eu estava deitada em uma cama e havia uma vela acesa perto o suficiente para iluminar o espaço à minha frente. Henry se aproximou, senti vontade de levantar e correr, mas aquilo não seria possível.

– Você disse 'coordenadas da Irlanda'. Ouvi muito bem, não tente negar. – Ele tocou minha testa. – A febre está passando, logo estará recuperada.

Pigarreei.

– Água.

– Claro, mas a senhorita precisa me ajudar primeiro. Fale o que sabe e lhe darei água e até mesmo comida.

O problema era que eu não sabia de nada.

Respirei fundo. O brasão que vi em suas cartas e depois na correspondência de Noah McLean. "Ele está em busca da Irlanda", a carta que escrevi para Vince Baylor a mando de Dorian.

– William. – Murmurei. – Eles estão atrás de William.

Era verdade, eu não sabia muita coisa além daquilo.

– Eles acham que William está na Irlanda? – Henry bufou. – Isso não tem nada a ver com William. – O que fazia com eles na floresta?

Dorian não acreditava em minha ignorância quanto ao assunto dele com Harold e tinha certeza de que Henry também não.

– Preciso de água.

Henry balançou a cabeça enquanto apertava os lábios.

– Eu não atirei em você na clareira, mas seu tempo está acabando, senhorita Ashby. Pense muito bem na resposta que terá para mim quando retornar, caso contrário terei que começar a tomar medidas drásticas e não queremos isso. – Ele se afastou e ouvi barulho de água.

Ele retornou com uma taça de prata, sorriu para mim e a levou até os lábios. Vi sua garganta se mover enquanto tomava todo o líquido.

– Terá sua água quando me dizer o que fazia na floresta com eles.

Seus passos o levaram para longe e ouvi abrindo a porta e saindo do quarto. Depois ouvi a tranca e seus passos cada vez mais longe.

Onde eu estava? Me lembrei das palavras da senhorita Taylor, talvez ela pensasse que eu ainda estivesse com Camila.

Tentei levantar, mas me sentia tão fraca que minhas pernas não me obedeciam.

Precisa começar a pensar em como sairia dali.

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