Capítulo 1 - Um novo lar

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"Eu nunca vou ser feliz."

Escrevi isso quase sem pensar e fiquei encarando a página, com uma careta amarga. Meus óculos, velhos e embaçados, não ajudavam muito a clarear os pensamentos, e a visão borrada só parecia intensificar a sensação de desconforto.

Era pra eu estar feliz, né? Estava prestes a ser adotado. Pela primeira vez, alguém tinha me escolhido, alguém queria que eu fosse parte de uma família. Eu deveria estar aliviado, mas o que eu sentia era um vazio gelado, agarrado em mim, nos meus pensamentos.

A vida no orfanato nunca me deu motivo para acreditar em felicidade. As noites eram frias, solitárias, e a comida... sempre pouca. A cada refeição, eu tentava segurar a fome, sabendo que aquilo era tudo até a próxima. Mas ninguém de fora via isso. A diretora sempre mantinha as aparências - sorria e falava manso quando alguém visitava. Um papel bem ensaiado.

Mas, assim que as visitas iam embora, os sorrisos sumiam, e o inferno de verdade começava. Lembro das punições, do som das portas trancando, do jeito como o olhar dela mudava quando ficávamos sozinhos. Havia uma frieza ali que me fez entender, desde pequeno, que o que eu sentia ou pensava não importava para ninguém. Ensinou-me a não esperar nada de ninguém.

Ali, sozinho no quarto quase vazio, com aquelas paredes frias, eu guardei o diário na mochila surrada e dei uma última olhada, tentando sentir algum tipo de saudade, talvez... mas não senti nada. Só aquele peso, o mesmo de sempre, seco e pesado no peito, sem nem saber o que era.

Em silêncio, arrumei minhas poucas coisas. Tudo pronto, era só esperar. Sabia que a qualquer momento a família Chavez viria me buscar. O coração batia rápido, mas eu fingia que estava tranquilo. E, sem querer, pensei nas outras crianças, nos adolescentes que iam ficar para trás, presos naquele inferno disfarçado de lugar acolhedor. Uma pontada de tristeza veio, rápida, mas eu reprimi antes que tomasse conta.

Nada que eu fizesse mudaria o que acontecia ali. Eu só podia ir embora.

Enquanto pensava nisso, ouvi o clique da maçaneta e olhei para a porta. A diretora entrou, com aquele sorriso controlado de sempre.

— Cooper — disse ela, com aquele tom doce que eu sabia que era puro teatro. — A família Chavez chegou.

Eu só assenti e peguei a alça da mochila, sem dar o trabalho de responder. Não ia deixar ela ver nenhum sinal de nervosismo. Ela franziu um pouco a testa, mas manteve o sorriso forçado.

— Vai se lembrar do que aprendeu aqui, não é? — falou, num tom que soava mais como uma ameaça do que conselho. — Seja um bom rapaz para eles. Espero que tenha sido grato por tudo que fizemos por você.

Segurei o riso. Grato? Encarei-a, com o rosto impassível, e deixei escapar uma resposta fria, igual eu me sentia por dentro:

— Claro, senhora. Fui... muito bem tratado aqui.

Ela pareceu satisfeita, como se não tivesse percebido o sarcasmo, e assentiu.

— Excelente. A família Chavez é muito generosa. Isso será bom para você.

Assenti de novo, sem dizer nada, só querendo sair dali o mais rápido possível. Segui a diretora pelo corredor em silêncio, sentindo os olhares das outras crianças me acompanharem. Cada rosto que eu via me dava um aperto no peito, uma vontade de dizer algo, de prometer que voltaria ou que faria alguma coisa pra tirar eles dali. Mas continuei andando, forçando cada passo a ser firme, sem deixar nada transparecer.

Quando descemos as escadas, vi o casal esperando no saguão. Os óculos embaçados na minha cara dificultavam a visão, fazendo com que tudo à minha frente parecesse meio distorcido.

Lado a LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora