O Legado da Tempestade

O peso das cartas (Kiara)

Kiara estava sentada à sua escrivaninha, a luz suave do final da tarde iluminando o quarto. Do lado de fora, o céu era pintado de tons rosados, e a brisa gentil fazia as cortinas dançarem devagar. Com a pena em mãos, ela mergulhou-a no tinteiro e esperou que o excesso de tinta pingasse antes de tocar o papel.

"Querido Yuri," começou a escrever, com um sorriso leve nos lábios. A cada palavra, ela sentia a conexão entre eles crescer. As cartas de Yuri sempre eram tão carinhosas e sinceras que o coração dela batia mais forte só de pensar nele. Kiara queria que cada linha sua fosse tão especial quanto as dele.

Enquanto refletia sobre o que escrever em seguida, a porta do quarto se abriu de repente. Elise, sua melhor amiga, entrou apressada, o vestido azul claro esvoaçando ao redor dela. Seu rosto mostrava claramente que algo a incomodava.

— Kiara, você não vai acreditar no que o Arthur fez hoje! — Elise exclamou, sem nem parar para respirar, enquanto se jogava na cama de Kiara.

Kiara sorriu, largando a pena. — O que meu irmão aprontou agora?

— Ele é impossível! — Elise suspirou, revirando os olhos. — Ele estava no campo de treinamento, como sempre, mas hoje decidiu desafiar todos os cavaleiros para um duelo. E, claro, venceu todos, mas não parou de se gabar depois! E ainda teve a coragem de dizer que eu não entenderia, porque não sei lutar.

Kiara tentou não rir. — Você conhece o Arthur, Elise. Ele adora competir. E provocar, claro.

— Provocar ou não, ele é um chato! — Elise bufou, cruzando os braços. — E ainda me chamou para assistir ao próximo duelo, como se eu quisesse ver mais uma vez ele se exibindo.

Kiara levantou-se e sentou ao lado de Elise na cama, colocando a mão no ombro da amiga. — Arthur tem um bom coração, mesmo que às vezes exagere um pouco. Ele só não sabe quando parar.

— Ele realmente precisa ser mais... educado — Elise resmungou, mas um sorriso começou a surgir. — Talvez você pudesse dar umas aulas de etiqueta para ele, Kiara. Ele precisa mais do que qualquer um aqui.

Kiara riu, o som suave ecoando pelo quarto. — Não sei se ele aceitaria, mas posso tentar.

De repente, a porta do quarto se abriu novamente, desta vez com um toque suave. Julieta, a rainha, entrou com a elegância habitual, carregando um vestido vermelho, feito de um tecido fino que parecia brilhar sob a luz do quarto.

— Boa tarde, meninas — Julieta cumprimentou, sorrindo com ternura.

Seus olhos, sempre tão observadores, fixaram-se em Kiara. — Kiara, querida, quero que você use este vestido no jantar de hoje à noite. Yuri está a caminho para conhecê-la.

Os olhos de Kiara brilharam ao ouvir o nome de Yuri. — Ele já está vindo? — Ela mal conseguia conter o sorriso enquanto pegava o vestido das mãos da mãe. — Esse jantar vai ser perfeito, mãe. Yuri tem sido tão gentil e atencioso nas cartas. Ele é tudo o que sempre sonhei.

Julieta sorriu ao ver a animação da filha. — Estou feliz que esteja tão entusiasmada, Kiara. Este vestido irá realçar sua beleza, e tenho certeza de que Yuri ficará encantado.

Enquanto Kiara segurava o vestido contra o corpo, imaginando a reação de Yuri ao vê-la, Elise cruzou os braços, observando a amiga com uma expressão ligeiramente desconfiada.

— Eu sei que ele parece incrível nas cartas, Kiara, mas você tem certeza que ele é tudo isso? Quero dizer, ele parece quase... perfeito demais.

Kiara virou-se para Elise, ainda sorrindo, mas com uma leve preocupação nos olhos. — Elise, eu sei que pode parecer bom demais para ser verdade, mas eu sinto que ele é sincero. Cada palavra, cada elogio, tudo me faz acreditar que ele realmente se importa.

Julieta, percebendo a tensão no ar, interveio suavemente. — Elise tem razão em ser cautelosa, mas o que importa é o que você sente, Kiara. Se Yuri for mesmo como nas cartas, você terá encontrado alguém especial. Mas, de qualquer forma, esse jantar é uma oportunidade para você conhecer o verdadeiro Yuri.

Elise deu um leve abraço em Kiara. — Eu também espero isso, Kiara. E estarei aqui, ao seu lado, para qualquer coisa que precisar.

Com a chegada da noite, a luz havia desaparecido, e a escuridão tomou conta do castelo. As tochas nas paredes criavam sombras por todo lado, deixando o ambiente mais misterioso. Kiara estava vestida com seu traje especial para a noite, que sua mãe havia lhe dado: um vestido vermelho profundo, elegante e imponente. Ajustado na cintura, o vestido destacava sua figura de forma graciosa, enquanto a saia longa permitia que seus movimentos fossem suaves e majestosos. As mangas eram levemente bufantes, porém elegantes.

Os cabelos pretos de Kiara caíam levemente abaixo dos ombros, ondulados e soltos, completando sua aparência. Ela estava radiante, pronta para o jantar, mas antes de se dirigir ao salão, decidiu ir até o quarto de Arthur, ansiosa para conversar com o irmão.

Sem bater, ela entrou no quarto e o encontrou sentado na cama, ainda vestindo a roupa de treino, suja e amarrotada. Ele nem parecia ter se importado em se arrumar para a ocasião. Kiara franziu o cenho, claramente irritada.

— Sério, Arthur? — ela exclamou, cruzando os braços e indo em direção ao guarda-roupa do irmão. — Hoje é importante pra mim, e você ainda está com essas roupas?

Arthur levantou os olhos devagar, sem muita pressa ou interesse. — Você quer que eu me arrume pra quê? Pra ver minha irmã ser trocada por terras e castelos?

Kiara se irritou ainda mais, mas tentou manter a calma. — Eu não estou sendo trocada, vou ser rainha — disse, tentando soar firme.

Ele se levantou lentamente, com um sorriso irônico nos lábios. — Rainha? Kiara, você acha mesmo que Yuri está interessado em você? Tudo que ele quer é mais poder, e você vai ser o caminho pra isso.

As palavras dele fizeram algo se apertar dentro dela. Mesmo que não quisesse admitir, aquilo a fez hesitar, e por um momento, ficou em silêncio, pensativa.

De repente, Arthur fez um gesto para que ela prestasse atenção. — Espera... ouve isso.

Ela parou e se concentrou. Agora conseguia ouvir também, o som de espadas se chocando à distância, algo estava acontecendo. Arthur foi até a janela e puxou a cortina, seu rosto imediatamente ficando tenso.

— O portão da floresta... está aberto — ele sussurrou, claramente alarmado. O portão do castelo nunca deveria ser aberto por muito tempo; a floresta era perigosa e foi o motivo da morte de seu avô. Do outro lado, cavaleiros com o brasão do reino de Yuri entravam pelas muralhas, preparados para atacar. Eles entravam na casa das pessoas da aldeia e as tiravam de suas casas, sem matá-las... só se não obedecessem.

Kiara sentiu o coração disparar. — O que vamos fazer?

— A gente não pode ficar aqui — disse Arthur, já se movendo em direção à janela. — Vamos sair por aqui.

Sem pensar muito, ele abriu a janela e, com agilidade, pulou para fora, descendo pela parede de pedra com a facilidade de quem já havia feito aquilo várias vezes. Ele olhou para Kiara por cima do ombro.

— Vem ou vai ficar aí?

Respirando fundo, Kiara se juntou a ele, sentindo o frio da noite tocar sua pele enquanto descia, tentando controlar o medo que crescia em seu peito. Kiara só conseguia pensar em como seus pais estavam agora, mas seria arriscado demais ir atrás deles por dentro do castelo.