Um dia qualquer - parte final

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Quando as meninas se aproximaram do sofá, viram que Eric jogava videogame e toda aquela bagunça já não estava mais lá.

— O que você fez com o resto do vinho? Jogou fora? — Brenda perguntou, apoiando o joelho no braço do sofá.

— Joguei na pia, mas a garrafa tá na lavanderia, bem num cantinho. Mais tarde jogo em algum lugar, antes da mãe chegar.

— Que pena, queria dar um golinho.

Eric riu, irônico.

— Só por cima do meu cadáver que eu ia deixar você beber. 

Brenda grunhiu.

— Ei, a Vic já tá indo. Você quer levar ela até o portão ou eu levo?

Na hora, ele pausou o jogo e pulou do sofá.

— Eu levo, você se despede aqui mesmo. — Ele encarou Victória. — Não vai tirar minha roupa, não?

Ela arregalou os olhos e começou a voltar para a rampa.

— Vou trocar de roupa, já volto.

— Quer ajuda? — Eric perguntou sorrindo.

— Cala a boca, idiota! — ela gritou, quase lá em cima. 

Victória voltou usando a própria roupa, porém com uma sacola em mãos.

— Que isso? Fez feira no meu quarto? — ele perguntou, rindo.

— Não, mas decidi que vou ficar com sua camisa xadrez. A calça e o chapéu não gostei muito. Mas… como estou indo morar no campo, acho que a camisa será bem-vinda. 

— Então, tá, né?

Brenda se jogou nos braços da amiga, apertando-a.

— Ai, eu vou sentir tanta saudade, Vic! Promete que vai me ligar? A gente não vai ser aqueles amizades que param de se falar com a distância, tá? Quero te atualizar de tudo! E quando vier pra São Paulo, vem visitar a gente, viu? Se eu souber que você veio e não passou aqui, vou pra Minas só pra arrancar seus cabelos.

— Tá bom. Quanto drama! Devia parar de ver aquelas séries coreanas, sabia?

— Para.

Victória a abraçou de volta. 

— Também vou sentir saudade, pirralha. E pode deixar, eu mando mensagem. 

Quando elas se soltaram, Brenda limpou as lágrimas e se afastou um pouco.

— Tá, agora sai da minha casa antes que eu te amarre no sofá por dois dias e sabote sua viagem. Você me conhece, sabe do que sou capaz. — Ela riu de si mesma e continuou se afastando, até subir a rampa correndo e sumir de vista.

Uma lágrima escapou do olho de Victória.

— Brenda vai ficar bem?

— Vai, sim. Eu cuido dela, Vic. Você pode ficar sossegada.

Ela assentiu.

— Beleza, vamos lá.

Ambos caminharam devagar demais e desanimados até o portão. Quando Eric abriu o trinco, saiu para a rua junto com a garota e encostou a porta. 

— Parece que nosso Dia Livre chegou ao fim, né? — disse ela, tentando rir. — Eu não sei fazer isso… me despedir de você.

Então, ele a puxou pela nuca e encostou o corpo do dela, dando um beijo em sua cabeça. Soltou um longo suspiro e disse:

— Eu sei que você não quer isso, mas mesmo assim eu te amo, tá bom? Você é maravilhosa, Vic. Eu torço muito pelo seu sucesso na vida. Torço pra que se cure de todos os seus traumas e deixe essa luz que você tem brilhar. Tenho certeza que fará grandes coisas e eu ainda vou ouvir falar de você. E quando esse dia chegar, vou sorrir e dizer “Eu tive a honra e o privilégio de conhecer essa garota”. 

Ela agarrou sua blusa e começou a chorar.

— Não diz essas coisas, por favor. Não sei lidar com tanta expectativa sobre mim.

Ele ergueu seu rosto com o dedo.

— Ei, amor. Não é expectativa, é fé. Eu acredito em você. 

— Por que ainda me chama assim? O Dia Livre já era. 

— Só acaba quando você for embora. 

— Tá, eu… obrigada, Eric. Por tudo, de verdade. Acho que vou me lembrar de você pra sempre. 

Então, ele a abraçou de um jeito apertado, com os braços cobrindo sua cabeça. Victória sentiu o quanto o garoto estava triste com a situação e não desejou soltá-lo. 

Conforme o gesto se prolongava, mais ainda a respiração deles oscilava e um enorme desespero tomava conta de seus corações. Começaram a pensar sobre suas vidas, sobre o que fizeram de errado e os passos que gostariam de ter dado. Victória desejou ardentemente voltar no tempo, no exato momento em que vira o rapaz pela primeira vez na biblioteca. Desejou falar com ele antes que seu terrível boato se espalhasse. Desejou que nunca tivesse ido brincar no lago com Isabela. A amiga ainda estaria viva e ela não teria aquele trauma. Desejou ainda, não ter pedido nada de presente para o pai, em seu aniversário. Quis ser aquela garotinha que valorizava mais a presença do que os presentes. Então, talvez, apenas talvez, tivesse um pouquinho de amor por si mesma. Teria condições de amar o Eric e conquistar a mãe dele. E essa despedida não seria real, não seria um adeus. Seria um “até logo, volto amanhã para te ver”. 

Já Eric, desejou voltar para uma época em que nem era nascido. Quis impedir a conversão da mãe ao cristianismo e quem sabe assim, pudesse namorar com a garota dos seus sonhos. Esta que se desaguava nos seus braços, sem nada que ele pudesse fazer. Quis que houvessem mais horas em um dia e ele pudesse passar cada minuto com ela. 

De alguma forma, os pensamentos deles se alinhavam e culminavam numa coisa só. Por isso, seus rostos se moveram instintivamente na direção um do outro e seus lábios se encontraram, ferozes e desesperados. O beijo mais doloroso de suas vidas, assim como era o mais longo que eles já deram. Em suas mentes jovens e apaixonadas, nunca voltariam a gostar tanto de outra pessoa, pois eram os únicos no mundo inteiro. Seus corações explodiam em sentimentos de paixão, ternura e sofrimento, formando uma bolha ao redor deles, para protegê-los de qualquer interferência externa.

Porém, esta era apenas a forma deles de ver as coisas, pois para a mulher que estava passando com um cachorro, era uma cena melosa e sem necessidade de acontecer. E para a dona Fátima, uma das vizinhas, que acompanhou todo o desenrolar da cena da varanda de sua casa, era pouca vergonha, escândalo para seus olhos, uma vez que conhecia Eric e sua família, porque ambos frequentavam a mesma igreja que ela. Ora, vira aquele rapaz crescendo e se tornando baterista. 

Mas no fim, quando os lábios dos jovens apaixonados se afastaram, para eles, o mundo se rompeu ao meio. Olharam-se longamente, pela última vez, até Victória falar:

— Tenho que ir. — E desvencilhar-se de seu abraço. Tendo recuado um passo, desceu a ladeira sem olhar para trás. Pois ela sabia que se olhasse, voltaria para a casa de Eric e seria capaz de desistir da viagem. 

O garoto entrou em casa somente depois que a menina sumiu no fim da rua. Piscou duas vezes e algumas lágrimas caíram. Quando chegou na sala, encontrou a irmã no fim da rampa, também com o rosto abatido.

— Você tá bem, mano? — perguntou ela, as mãos segurando o corrimão. 

Eric a encarou.

— E quem é que fica bem vendo o grande amor da sua vida indo embora? — Tendo dito isso, passou pela garota, subiu a rampa e sumiu de vista. 

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