Capítulo 1: O Despertar

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Capítulo 1: O Despertar

A luz do amanhecer se filtrava pelas persianas quebradas, lançando sombras esqueléticas na parede do quarto desarrumado. Miguel Vargas, detetive aposentado, abriu os olhos com um sobressalto, o coração ainda martelando no peito após um sonho perturbador. Sentou-se na beirada da cama, os joelhos doendo com o peso da idade e dos anos de trabalho duro. No espelho rachado da parede oposta, viu um homem que o tempo havia esculpido com cicatrizes, tanto físicas quanto emocionais.

O toque agudo do telefone quebrou o silêncio, fazendo Miguel suspirar. Ele se esticou para atender, sua mão tremendo ligeiramente. — Miguel Vargas, quem é? — disse, a voz rouca de cansaço.

— Miguel? É o chefe Martinez. Precisamos falar. Urgente, na verdade. — A voz do ex-chefe soava mais séria que de costume, carregada com algo que Miguel reconheceu de seus anos no serviço: medo.

Miguel fechou os olhos por um momento, sentindo um formigamento familiar de adrenalina. — Diga, Martinez. O que aconteceu?

Do outro lado da linha, Martinez fez uma pausa, e o som do fundo ficou mais audível. Uma televisão ligada em volume baixo, pessoas murmurando — o som de uma delegacia viva, agitada, à beira do caos. — É sobre o caso que nunca deixamos para trás, Miguel. Lembra do assassinato em série de São Telmo? O caso que quebrou você... e todos nós?

O peito de Miguel apertou. Como poderia esquecer? A imagem do corpo ensanguentado da última vítima ainda assombrava seus sonhos. — Lembro, claro que lembro. O que houve?

Martinez inspirou fundo. — Encontramos uma testemunha. A última. Ela apareceu do nada, com informações que podem mudar tudo. Mas ela diz que está em perigo, e insiste que você é o único em quem confia.

Miguel sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ele olhou ao redor do apartamento bagunçado, lembranças de uma vida que ele havia tentado deixar para trás. — Onde ela está? — perguntou, a voz mais firme.

— Estamos a caminho da delegacia com ela. Encontre-me aqui em uma hora. — Martinez desligou antes que Miguel pudesse responder, deixando o antigo detetive em um silêncio que parecia ainda mais pesado.

Miguel se levantou devagar, estalando as articulações dos joelhos enquanto caminhava até o banheiro. O espelho ali não era mais generoso que o do quarto; as rugas em sua testa pareciam mais profundas, e a barba por fazer tinha mais fios brancos do que ele gostaria de admitir. Jogou água fria no rosto, tentando despertar totalmente da letargia. O caso de São Telmo. O nome sempre trazia lembranças dolorosas, como um soco no estômago. Ele se virou, pegou uma jaqueta de couro surrada e saiu do apartamento, tentando afastar a ansiedade que subia pela garganta.

A delegacia central estava caótica quando Miguel chegou. Pessoas iam e vinham, os sons de teclas sendo digitadas, telefones tocando e o murmúrio incessante das conversas enchendo o ar. Miguel passou por algumas caras conhecidas, recebendo acenos e olhares que diziam tudo: respeito e pena misturados.

Martinez o esperava na sala de interrogatório, uma expressão grave dominando suas feições desgastadas. Ao lado dele, uma mulher jovem estava sentada, as mãos tremendo sobre a mesa. Ela tinha cabelo loiro desgrenhado, preso em um coque frouxo, e olheiras profundas que indicavam noites sem dormir. Miguel percebeu que ela estava em um estado limítrofe entre o medo e o desespero.

— Miguel, esta é Ana Ribeiro. — Martinez fez as apresentações. — Ela diz que tem informações cruciais sobre o assassino de São Telmo.

Miguel se sentou, observando Ana com atenção. Os olhos dela eram azuis, mas pareciam vazios, como se tivessem visto coisas que ninguém deveria ter visto.

— Ana, sou Miguel Vargas. — Ele escolheu um tom suave, quase paternal, na tentativa de acalmá-la. — Pode me contar o que sabe?

Ana mordeu o lábio, a garganta emitindo um som trêmulo antes de finalmente conseguir falar. — Eles... eles nunca foram embora. Sempre estiveram observando, esperando. Eu vi quem ele realmente é. Mas... — Ela se encolheu, olhando ao redor como se esperasse que algo horrível acontecesse a qualquer momento. — Eles disseram que me encontrariam se eu falasse. E agora que eu falei, estou marcada.

Miguel trocou um olhar rápido com Martinez, uma troca silenciosa de preocupação e entendimento. Ana não era apenas uma testemunha, mas alguém em perigo iminente.

— Não vamos deixar nada acontecer com você, Ana. — Miguel prometeu, embora soubesse que promessas eram perigosas. — Mas você precisa confiar em mim e nos contar tudo.

Ela hesitou, e então as palavras começaram a sair, cada frase mais chocante que a anterior. Miguel percebeu que o caso não era apenas um fantasma de seu passado, mas uma ameaça viva e pulsante que se infiltrava no presente. E enquanto Ana falava, ele sentiu o peso da responsabilidade cair sobre seus ombros novamente.

A tensão no ar era palpável. Quando Ana terminou de falar, Martinez saiu da sala para dar ordens aos policiais, enquanto Miguel ficou em silêncio, processando tudo. Uma pergunta latejava em sua mente: se o assassino ainda estava à espreita, quanto tempo eles tinham antes que ele atacasse de novo?

E assim, Miguel sabia que estava prestes a mergulhar em um labirinto de sombras e mentiras, onde a última testemunha poderia ser a chave... ou a próxima vítima.

A Última TestemunhaOnde histórias criam vida. Descubra agora