Capítulo 3: Segredos no Refúgio

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 O refúgio ficava escondido numa área desolada da cidade, cercado por prédios abandonados e ruas esburacadas. Era um antigo armazém que a polícia transformara em esconderijo durante as operações mais arriscadas. De fora, parecia um lugar onde ninguém em sã consciência se aventuraria, mas para Miguel, aquilo era um porto seguro, um lugar onde ele podia respirar — mesmo que só por alguns minutos.

Ana estava sentada num velho sofá rasgado, seu corpo ainda rígido, os olhos vagos como se estivessem tentando enxergar além do tempo presente. Miguel cruzou a sala até uma mesa improvisada de madeira, onde alguns documentos antigos e um laptop velho estavam jogados.

— Vamos precisar de um plano — disse ele, sem se virar, tentando esconder o cansaço em sua voz. — Não podemos ficar aqui para sempre, mas por enquanto, é o melhor que temos.

Ana não respondeu de imediato. Sua respiração era um eco baixo, uma presença invisível no ambiente sombrio. Ela apertou os braços ao redor do próprio corpo, buscando qualquer sensação de segurança.

— Você acha... que eles vão nos encontrar? — perguntou, com a voz tão fraca que parecia prestes a se desmanchar.

Miguel respirou fundo, fechando os olhos por um instante. O peso do passado estava sobre eles, uma sombra que parecia se alastrar com cada palavra.

— Não se estivermos um passo à frente — respondeu, com um tom que não admitia falhas. — Mas para isso, precisamos entender exatamente com quem estamos lidando.

Ele se virou para encará-la, os olhos observando cada nuance em sua expressão. Ana não era mais a mulher confiante que ele conhecera; algo havia quebrado nela, e ele precisava encontrar uma forma de restaurar sua força.

— Você disse que viu o assassino. — Miguel se aproximou, sentando-se em frente a ela, mantendo a voz baixa, mas firme. — Preciso que me diga tudo, mesmo que seja difícil.

Ana piscou, como se estivesse voltando a si de um sonho ruim. Seu olhar encontrou o de Miguel, e por um instante, ele viu a faísca de determinação que ela ainda guardava.

— Ele estava usando um terno... — começou, hesitante, mas conforme falava, a voz ia ganhando força. — Não era alguém que se esconderia. Pelo contrário, ele parecia querer ser notado. Alto, cabelo grisalho, e uma cicatriz que atravessava o lado esquerdo do rosto. E os olhos... nunca vou esquecer daqueles olhos.

Miguel franziu o cenho. A descrição era vaga, mas o suficiente para reacender memórias que ele preferia manter enterradas. Um homem com essas características... ele tinha uma ideia de quem poderia ser, mas era algo que ele não queria considerar, não ainda.

— Alguma coisa mais? Algo que ele disse? — Miguel pressionou, tentando manter a calma enquanto seu coração acelerava.

Ana fechou os olhos, como se revivesse cada detalhe. As palavras dele ainda assombravam seus ouvidos, como um veneno que não podia ser purgado.

— Ele disse que não importa o quanto você corra, a verdade sempre encontra uma forma de te alcançar — Ana sussurrou, a voz embargada de emoção. — E que qualquer um que tentasse impedir... pagaria um preço alto.

Miguel engoliu em seco. Aquelas palavras tinham um peso que ele não podia ignorar. A verdade... Ele sabia que o passado que tentava evitar voltaria para atormentá-lo.

Miguel se levantou e foi até o laptop velho sobre a mesa. Ele o ligou, ouvindo o som chiado do aparelho se ativando, como se a própria máquina estivesse cansada de funcionar. Ele digitou rapidamente, acessando um banco de dados secreto ao qual ainda tinha acesso, apesar de estar aposentado. Um dos poucos privilégios que nunca tinha sido revogado.

Enquanto esperava o sistema carregar, ele observou Ana de canto de olho. Ela estava tensa, mas algo em sua postura começou a mudar, como se estivesse se preparando para lutar de novo. Isso era bom, pensou Miguel. Precisavam estar fortes se quisessem sobreviver a isso.

— Então, você ainda tem seus truques — Ana comentou, tentando trazer um pouco de humor ao ambiente. Sua tentativa soou forçada, mas Miguel apreciou o esforço.

Ele lançou um olhar rápido a ela, um sorriso curto se formando nos lábios.

— Alguns hábitos são difíceis de largar.

O sistema finalmente carregou, e Miguel começou a procurar por informações que pudessem levá-lo a algum nome, algum rosto. Mas conforme ele pesquisava, sentiu um frio na espinha. Os arquivos mais relevantes sobre o caso de São Telmo haviam sido marcados como "CONFIDENCIAL" — ainda mais do que ele lembrava.

— Isso não é bom... — murmurou, os dedos apertando o mouse com força.

Ana se levantou, se aproximando. O silêncio entre eles era carregado, como se uma tempestade estivesse prestes a explodir.

— O que está acontecendo, Miguel?

Ele olhou para ela, o rosto sério. Não havia mais como esconder.

— Parece que o caso está mais envolvido do que pensei. Alguém com muita influência não quer que esses segredos venham à tona.

Ana empalideceu, mas antes que pudesse responder, o som de pneus cantando no asfalto cortou o ar, ecoando do lado de fora do armazém. Miguel se levantou num salto, correndo até uma das janelas para espiar. Lá fora, uma van preta havia parado, e homens de uniforme tático começaram a sair, armados e organizados.

— Merda... — Miguel praguejou, sentindo a adrenalina atingir seu sistema como um soco.

Sem perder tempo, ele pegou a mochila que sempre deixava pronta, cheia de suprimentos básicos, e a jogou para Ana.

— Temos que sair agora! — ordenou, a urgência pulsando em sua voz.

Ana não questionou. Ela seguiu Miguel enquanto ele os guiava por uma escada de emergência que dava nos fundos do armazém. O som das botas pesadas dos homens já ecoava pelas paredes, e Miguel sabia que tinham apenas segundos para escapar.

Eles saíram para um beco estreito, os pés esmagando pedaços de vidro e lixo. Miguel olhou rapidamente ao redor, tentando decidir para onde ir, quando viu uma figura surgir na entrada do beco. Era um dos homens, armado, e com um olhar que dizia que não tinha intenção de deixá-los passar.

— Corram! — gritou Miguel, puxando Ana para o lado oposto. Os dois começaram a correr o mais rápido que podiam, com o coração martelando e o medo queimando suas veias.

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