Eu odeio com todas as minhas forças a aula de Ed. Física. Não me leve à mal, até que eu gosto de sair da tensão da sala de aula, mas é simplesmente horrível ficar correndo pra cima e pra baixo sentindo uma dor infernal. E pra completar, meu cabelo tá curto demais pra prender, mas longo o bastante pra me deixar com muito suor na nuca. Minha cara tá queimando e meu apêndice doendo e tá tão quente se eu me deitar no chão vou fritar.
Enquanto isso o Evan tá flertando e se exibindo com umas cinco garotas de uma vez.
A aula acaba e a professora manda eu e o ornitorrinco possuído colocarmos os cones.
-OH ANTÍLOPE DEGOLADO! VEM ME AJUDAR ANTES QUE EU TE MATE USANDO UM GARFO! - berro pra Evan que está distraído demais falando pras meninas o quanto é forte sendo que ele deve quebrar o braço escovando os dentes e é tão baixo que parece um smurf de outra etnia.
- Como você me consegue dar nojo com tanta mestria? - digo quando ele se aproxima.
Ele para um pouco antes de responder e me olha de cima abaixo. Quando finalmente diz:
- anos muitos de prática.
Quando Evan me olha assim os pelinhos da minha nuca arrepiam. Apesar de ele parecer um piloto de F1 de Hot Weels, ter um bafo de bosta e ser uma puta de uma babaca, tenho que admitir que ele é atraente. Se ele não fosse sexista, tipo, inconveniente, mal educado e desrespeitoso, eu até poderia dizer que ele é gostoso. Mas ele é tudo isso e mais um pouco.
Reviro os olhos e continuo pegando os cones; se tem uma coisa que eu quero é sair dessa quadra e voltar pro ar-condicionado.***
Os últimos dois dias passaram como um borrão o que significa que: a) finalmente é sábado; b) tenho seis dias pra conseguir vou dinheiro pra inscrição no acampamento, só cinco, por que não me deixa entregar no dia da viagem.
Digo adeus a um tênis que não cabe mais no meu pé e duas blusas que eu comprei na shein nos primeiros meses da pandemia.
Como é sábado, e não tenho nada pra fazer, resolvo ir pra praça. Lá tem um parquinho com balanço e uma gangorra - que só funciona com a Stella comigo - e um sorveteiro que tá sempre aqui no bairro nos finais de semana.
Eu coloco um short jeans que vai até metade da minha colcha e uma camisa verde com alguns babados.
Quando chego na praça compro um sorvete de morango e creme. Me sento no balanço com o sorvete e coloco uma música calma nos fones de ouvido. Gosto desses momentos de calma. Antes de vir pro parque passei no brechó pra garimpar as roupas que separei mais cedo.
Sinto um breve toque no meu ombro e quando viro ver Evan, me olhando de cima para baixo com um sorriso sarcástico e irritante estampado no rosto. Ele tá com uma garota, a mesma garota do tempo de vôlei que ele estava há uns dias. Ele tá segurando ela pela cintura. QUE ÓDIO!
- Oi, Evan, que... bom te ver nesse belo dia! - cumprimento ironicamente.
- Então, Jenny. Essa é minha graaande amiga Césaria. - diz direcionando-se à garota. - Jenny é nova na escola e eu fiz a gentileza de mostrar a escola pra ela, Cesária! - termina destinando a mensagem para mim.
- Claro sempre cavalheiro! - depois me direciono para Jenny - Ele é um idiota, meu nome Raya, na verdade.
- Prazer em conhecer, Raya. Seu nome é um pouco diferente, de onde é? - ela pergunta.
- Meu nome mesmo é Rayane, mas ninguém me chama assim.
- Tá bom, Raya! Você parece très charmant.
- Parles-tu français?
- Não - ela diz e nós duas rimos.
- A gente vai se falando na escola, amada.
- Ok, madame - ela diz, faz uma pequena reverência e eu retribuo.
- Tá tchau, libélula - diz Evan meio impaciente e tentando disfarçar a raiva.
Ele pega a cintura de Jenny, que o olha confusa, de novo e vai e vai embora.
Eu até diria que não acredito que isso aconteceu, mas como foi com o Dom Juan de Hiroshima, acredito. Nem foi um evento grandioso, mas coitada da Jenny passar a tarde com esse camelo degolado.
Tentei apenas ignorar os acontecimentos, até porque o cachorro ficou até comportadinho. Até porque cão que ladra não morde.
Andei mais ou menos meio quilômetro e cheguei no shopping que Stella disse que ia estar com a família dela pra falar um pouco com ela e a querida da vó dela. Enquanto não encontro ela vou até um restaurante e compro um copão de refri de guaraná pra viagem e fico andando pelo shopping na esperança de encontrá-la. E vejo ela com um menino, da nossa idade, numa loja de departamento olhando enfeites de Natal que Stella é obcecada.
- Stella? Oi... - digo depois de aproximar com o copo ainda cheio na mão.
Ela pula sem sair do chão após um leve susto e me cumprimenta:
- Oi! - ela responde meio sem jeito - esse é o Miles, meu... vizinho - ela diz a última parte pausadamente.
Até agora já encontrei dois colegas de sala no meio de um encontro. Caralho, até o Evan é menos encalhado que eu.
Arqueio as sobrancelha.
- Você não ia sair com seus avós e sua irmã? - pergunto, apesar de já saber a resposta.
- Então, eu saí com a minha família, mas eu encontrei o Miles e parei um pouco pra... conversar.
- Então tá bom. Tchau.
Vou na casa dela depois pra entender essa história.
Acho que já vi coisa demais por hoje. Vou pra casa.