Laços inquebráveis

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Emily colocou seus pares de brincos e calçou suas sapatilhas pretas. Olhou-se no espelho e deslizou os dedos pelo vestido florido de algodão que usava. Concluiu que estava pronta para ir à festa de aniversário da Carol, uma de suas amigas mais próximas. 

Quando a campainha tocou, ela pegou sua bolsa de ombro e saiu do quarto. Foi até a sala, abriu a porta e enfiou a cabeça no corredor. Depois caminhou até o portão e levou um susto após abri-lo, chegando a sobressaltar. 

Victória revirou os olhos e entrou na casa, sem esperar permissão. Tinha uma mochila preta nas costas e estava muito diferente do que Emily lembrava. Seus cabelos estavam um pouco maiores, agora numa cor mais natural. As roupas não tinham nada a ver com o modelo rasgado e largo que ela usava antes. Victória trajava uma calça jeans colada, botas de cano curto e uma bata branca, com uns babados na borda. Talvez, fosse a primeira vez que Emily viu seus ombros. E não conseguiu ignorar o fato de que a prima usava o colar que ela lhe deu. 

Victória estava com óculos escuros no rosto e usava um bracelete preto, com umas pedrinhas metalizadas, como um lembrete de que apesar das mudanças, ela ainda era uma rockeira

— Vai ficar parada me encarando, idiota? Tenho assuntos sérios pra tratar e não vou embora sem respostas — disse a garota, o mesmo tom de voz irritado e impaciente de sempre. 

Emily piscou.

— Desculpa, mas eu…

— Não interessa o que você ia fazer agora. Cancele. Passei um inferno na rua, o dia todo viajando. Não serei dispensada facilmente. E ainda tive que usar bons argumentos com meus tios pra me deixarem vir. 

— Vic, eu…

Ela começou a andar de um lado para o outro.

— Acho que estou com começo de esquizofrenia. Ando ouvindo umas vozes estranhas na minha cabeça, me contando coisas que não me lembro de ter ouvido, mas se parecem com uma daquelas frases toscas que você diria. Às vezes, elas são tão nítidas que quase posso ouvi-las fisicamente. Então, eu me assusto. Meu coração dispara e se aquece como brasa. Por algum motivo estranho não consigo ignorar. O que é isso? Hein? — Ela parou de andar, encarou Emily e tirou os óculos escuros. — Mas que palhaçada é essa no seu rosto? Odiei o corte de cabelo e esses óculos. Você parece uma idosa. 

Os olhos dela marejaram e ela colocou a mão na cabeça por um momento. Não quis chorar por causa da crítica, mas porque entendia o que estava acontecendo com a prima. 

— Você continua uma chorona — Victória comentou. — Enfim, a última frase que ouvi com certenza é o motivo dessa viagem. Pode me explicar o que quer dizer “eu os atraí com cordas humanas, com cordas de amor”? 

Emily fungou e seus ombros encolheram. Começou a chorar, o que deixou sua prima sem entender nada.  Depois, recopôs-se e ergueu os ombros. Limpou as lágrimas rapidamente e segurou seu punho.

— Vem comigo — disse, arrastando-a para dentro de casa. — Pode deixar suas coisas no sofá. Depois eu levo pro quarto — falou, ao chegarem na sala. — Quer beber ou comer alguma coisa? Deve estar com fome. — Emily foi à cozinha e pegou um bote de vidro. Levou-o à sala e viu que a prima olhava em volta. — Quer biscoito de coco? 

Victória encarou o pote e algo mudou em seu olhar, como se estivesse afetada com alguma coisa.

— Não, mais tarde eu como alguma coisa. 

Emily assentiu, foi até o rack da sala e pegou a bíblia que sempre ficava aberta em um suporte ali em cima. Tirou do livro de Salmos e abriu em Oséias 11:4. 

Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor; e fui para eles como os que tiram o jugo de sobre as suas queixadas, e me inclinei para lhes dar de comer — leu. Depois encarou a prima. — Tá na bíblia. Deus disse que atraiu seu povo por meios humanos e os envolveu com laços de amor. O texto revela o cuidado e o carinho dele por nós. Não somos israelitas, mas também temos acesso a ele, graças ao sacrifício de Cristo na cruz. Você não tá esquizofrênica, Vic. Deus tá falando com você. 

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