𝐿𝓊𝑔𝒶𝓇𝑒𝓈 𝒟𝒾𝓈𝓉𝒶𝓃𝓉𝑒𝓈

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Finalmente, Yuji chegou ao seu destino: a sacristia da igreja. Ele empurrou as portas de madeira e entrou, o som dos seus passos ecoando suavemente pelo espaço vazio. O silêncio acolhedor do lugar o envolveu, afastando as vozes e o burburinho incessante de Villeneuve. Pela primeira vez naquela manhã, Yuji se sentiu em paz.

No fundo da sala, sentado em uma mesa coberta por pilhas de livros e papéis, um homem de manto preto ergueu o olhar de um grosso volume que estava lendo. Père Robert, com seus traços gentis e olhos que sempre pareciam dispostos a ouvir, deu a Yuji um sorriso caloroso.

— Bom dia, Yuji — disse ele, sua voz grave e acolhedora. — Então, para qual história você fugiu desta vez?

O jovem sorriu, atravessando o espaço até o padre, com o livro antigo firme em suas mãos. Père Robert sempre fazia essa pergunta, e era uma das poucas pessoas que entendia a paixão de Yuji por mergulhar em outros mundos através da leitura.

— Duas cidades ao norte da maravilhosa Itália — respondeu Yuji, os olhos brilhando de entusiasmo. Ele ergueu o livro, como se fosse uma preciosidade rara. — Eu estive em Verona, père! Entre intrigas, amores proibidos e uma das mais belas tragédias que já li.

O padre inclinou-se, os olhos fixos no volume nas mãos de Yuji.

— Ah, "Romeu e Julieta", não é? Uma história tão bela quanto dolorosa. — Ele apoiou o queixo na mão, sorrindo. — E o que você achou?

Yuji suspirou, abraçando o livro contra o peito.

— É incrível, père. Imagine só: famílias divididas por ódio, jovens apaixonados desafiando tudo por amor... e aquele baile de máscaras! — Ele fez uma pausa, os olhos se perdendo em pensamentos. — As descrições eram tão vivas que eu podia sentir a música, ver as luzes dançando pelos salões, quase como se eu estivesse lá.

Père Robert riu baixo, divertido com o entusiasmo do jovem.

— Parece que você viveu a história mais intensamente do que os próprios personagens. Mas diga-me, Yuji, o que aprendeu com eles?

Yuji hesitou por um momento, olhando para o padre com uma expressão pensativa.

— Aprendi que, às vezes, as coisas mais belas também podem ser as mais trágicas. Mas isso não significa que não valham a pena.

O padre o observou em silêncio por alguns instantes, um brilho de admiração em seu olhar.

— Muito bem colocado, meu jovem. Você tem um coração que enxerga além do óbvio, e isso é um dom raro.

Yuji sorriu, ligeiramente envergonhado, mas também grato pelas palavras do padre. Père Robert sempre parecia entender o que ele sentia, mesmo quando Yuji próprio não conseguia expressar.

— Aqui está o livro de volta, père — disse ele, colocando o volume sobre a mesa. — Mas, se não for pedir demais, tem algo novo que eu possa levar?

Père Robert ergueu o olhar do manuscrito que estava lendo, sorrindo com ternura.

— Receio que não, meu rapaz.

Yuji já esperava a resposta, mas não conseguiu evitar o leve suspiro que escapou de seus lábios. Ele passou os dedos pela lombada do livro, como quem se despede de um velho amigo.

— Eu imaginava...

O padre inclinou a cabeça, o sorriso nunca deixando seu rosto.

— Mas há sempre beleza em revisitar histórias que já conhece. Algumas palavras têm o dom de revelar significados ocultos quando lemos com novos olhos.

Yuji assentiu, caminhando até a pequena estante que guardava os tesouros da igreja. Ele passou os dedos pelas prateleiras, sentindo o toque áspero das capas gastas. Cada título evocava memórias de mundos que ele já havia explorado, mas, como quem reencontra uma chama antiga, seus olhos pousaram em um volume que sempre lhe trazia conforto.

Com um pequeno sorriso, Yuji retirou o livro e o segurou junto ao peito, como se já antecipasse as emoções que ele lhe traria novamente.

— Obrigado, père. — Sua voz era suave, quase um sussurro. — Sua biblioteca é um presente para minha alma.

Père Robert observou Yuji sair com o livro nos braços, seu sorriso se alargando ao perceber a paixão do jovem pelas histórias.

De volta às ruas movimentadas de Villeneuve, Yuji abriu o volume e enfiou o nariz nas páginas antigas. O aroma doce e terroso das folhas amareladas envolveu seus sentidos, trazendo consigo a magia de outros tempos e lugares. Ele suspirou, completamente encantado.

Enquanto lia, o mundo ao seu redor se dissolvia. Ele desviou, quase instintivamente, do vendedor de queijos que carregava uma travessa e das floristas apressadas que passavam com cestos cheios de tulipas. Seu corpo parecia saber o caminho, mesmo que sua mente estivesse perdida na história.

O livro que escolhera era o seu favorito, uma narrativa que o fazia suspirar a cada página. Nele, havia lugares distantes, um príncipe encantador e uma heroína que descobria o amor aos poucos, com a delicadeza de um pôr do sol refletido em um lago tranquilo.

CLANG! CLANG!

O som agudo interrompeu seus devaneios. Levantando os olhos, Yuji avistou Ágata, a mulher que muitos na aldeia evitavam. Para os aldeões, ela era apenas uma mendiga, uma figura solitária que vagava pelas ruas. Mas para Yuji, ela era apenas uma mulher sofrida, carregando um mistério que poucos se davam ao trabalho de desvendar.

— Bom dia, Ágata — disse ele, aproximando-se com gentileza. Sua voz era tão suave quanto o vento da manhã. Ele tirou a baguete da cesta e a estendeu para a mulher. — Não trouxe dinheiro hoje, mas talvez isso lhe sirva.

Ágata aceitou o pão com um sorriso que, por um momento, pareceu iluminar todo o seu rosto. Mas logo um brilho de travessura surgiu em seus olhos.

— E a geleia?

Yuji riu, um som leve e cristalino, enquanto retirava o pote de geleia da cesta.

— É claro que não esqueci da geleia, madame.

Ela pegou o pote como se fosse um tesouro, seus olhos brilhando de gratidão.

— Abençoado seja, rapaz.

Yuji permaneceu por um instante, observando-a enquanto ela começava a comer. Ele sentia algo especial em sua presença, uma conexão silenciosa entre dois corações que buscavam refúgio de formas diferentes. Ágata encontrava conforto em um simples pedaço de pão, e Yuji, no universo infinito das palavras.

E Ágata, só queria comer sua comida em paz, viver em paz. Assim como ela, Yuji também odiava atenção indesejada.


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Bem, esse capítulo foi curtinho pq não estou tendo tempo ultimamente, mas aqui esta.

A Bela e a Fera (Sukuita/ABO)Onde histórias criam vida. Descubra agora