Quando o trem desvia do seu caminho...

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A paisagem em movimento é linda. Às vezes, esqueço que a volta para a minha casa demora umas 8 estações. Há uma linda vista: os montes verdes, vaquinhas comendo pastagem, algumas poucas casinhas e pequenos homenzinhos trabalhando em suas plantações familiares.

Quando olho para coisas simples assim, viver não é mais um fardo, é um presente divino. Mas os meus pensamentos são interrompidos pelo toque no meu celular. Minha mãe está ligando, deve querer saber se já estou voltando para casa.

"Oi mamis, tudo bem? Sim sim... Já estou chegando. Obrigada. Te amo, tchau."

Guardo o meu celular na minha mochila, pego um livro — Anne de Green Gables, minha leitura atual — mas não consigo prestar atenção nas letrinhas na minha frente. Acabei esquecendo que eu e meu pai cantamos karaokê até tarde da noite, e a falta de sono chega com força.

O que tem de mal em descansar um pouco? De qualquer forma, eu acabei de entrar no trem.

Em um movimento preguiçoso, coloco meu livro na minha mochila e encosto a minha cabeça na janela atrás de mim.

Mesmo de olhos fechados, ainda visualizo as pequenas vaquinhas com flores de diversas cores.

...

Ah, acabei dormindo mesmo. Agora, tenho que saber em qual estação estou. Hum... vou perguntar pra algum passageiro. Olho à direita, esquerda, frente, e... não há ninguém. Na verdade, o trem está totalmente parado em provavelmente um lugar entre uma estação e outra, um lugar onde só se vê plantas e árvores. Com... as portas abertas? Devo estar dormindo ainda. Ou o veículo deve ter algum problema.

Só tem um jeito de descobrir.

Levanto do meu lugar e ando para os próximos vagões, procurando alguma alma. Mas não encontro ninguém. Um frio na minha barriga e medo de não estar sonhando passam por mim. Deve ser melhor eu mandar uma mensagem para a minha mãe, falando o que está acontecendo. Caminho em passos largos para o lugar onde acabei dormindo com a mochila na mão, mas não encontro ela em lugar algum.

Mas que diabos? Procuro embaixo do assento, procuro dos lados, chego até a procurar em outros vagões, mas não acho nada.

Agarro-me à esperança de isso ser apenas um sonho, mas ela é partida ao meio quando após me beliscar, sentir uma dor forte no meu braço.

Oh não, é melhor não se desesperar e apenas procurar alguma resposta. E essa possível resposta só deve estar fora desse veículo. Quando me aproximo da porta aberta do vagão, apoio a minha mão no batente e olho ao redor, apenas para garantir que realmente, só tem mato. E é só isso o que eu encontro.

Maria, Maria... você só tem uma vida. Não pode desperdiçar ela. Inspira, expira e vai! Essa confiança momentânea não me impede andar devagar até demais, mesmo que eu acredite ser uma moça muito corajosa (pelo menos agora, sou).

Sigo em frente sempre reparando em onde eu piso para não acabar me topando com uma aranha, besouro, cobra... é melhor não pensar nisso! Bom, se algo aparecer, eu posso me esconder no vagão. Olho para trás para ver o trem e ele não está mais lá! Meu Deus do céu, o que eu vou fazer?! Eu não conheço aqui, estou perdida sem as minhas coisas e sem jeito de voltar pra casa.

Ando rápido, procurando algum lugar para me refugiar, quando me vejo no chão em cima de um garoto. Foi tudo muito rápido. O que esse menino estava fazendo deitado no chão do lado de uma árvore no meio do nada? Ele está vivo? Nem se mexeu quando caí. O moço não está respirando. Não, não pode estar acontecendo, ele está morto!

Como último recurso, começo a chacoalhar ele desesperadamente, vai que ele... ele...

Um grito de horror escapa dos meus lábios enquanto chacoalho o morto desesperadamente. Lágrimas caem dos meus olhos como cachoeiras.

Ouço um palavrão. "O quê você pensa estar fazendo?!"

Nos encaramos por um bom tempo até eu começar a ficar vermelha de vergonha.

"Você está vivo?"

"Claro que estou vivo!" o 'morto' tenta se desvencilhar de mim e quando percebo, me levanto em um pulo olhando para o rosto irritado do falso cadáver. "Eu simplesmente me deitei para descansar um pouco, e, de repente, acordo com uma garota em cima de mim me chacoalhando que nem louca!" Devo estar roxa de tanta vergonha. Ele passa a mão no cabelo, se demorando quando olha para mim. "Deve agradecer por eu não ter nenhum problema do coração."

Consigo finalmente respirar. Agora, mais calma, consigo pensar na minha situação: peguei o trem de volta pra casa, dormi, acordei e agora estou em um lugar desconhecido, sem meu celular e sem jeito de voltar pra casa, com a única alma viva que encontro irritada comigo. Bom, a única coisa possível a se fazer é deitar e morrer.

"Onde estamos?"

"Primeiro, me responda porque me acordou daquele jeito." Ele realmente parece bravo. Não consigo olhar no seu rosto. "Espera aí... você é humana?"

"Que tipo de pergunta é essa? É claro que sou uma pessoa!"

"Agora tudo faz sentido" ele começa a dar risada.

Será que eu estou enganada e realmente estou dormindo? Ou... eu estou louca! Sim, enlouqueci de vez. Quando ele se levanta, frente a frente comigo, consigo ver com quem estou falando.

Seus olhos são da cor do mel, brilhantes e afiados, sua pele é marrom — um marrom que combina perfeitamente com ele —, seu cabelo é preto e crespo. E quando percebo a sua boca... vejo que todos os seus dentes são afiadíssimos. Sua beleza etérea e seus dentes também me mostram que eu não estou falando com uma pessoa como eu, mas algo feito da natureza. Não sei se sinto medo, mas a beleza que ele tem é embriagante e calmante para o medo que eu estava sentindo.

Onde é que eu me meti? Com certeza, estou muito, muito longe de casa.

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⏰ Última atualização: 3 hours ago ⏰

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