pântano

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A escuridão tomava conta de todo o ambiente.
Era tão densa que quase poderia ser palpável. Seus pés estavam descalços no chão frio e arenoso, enquanto seu corpo era coberto por um longo manto preto. Apenas isso. Não vestia nada por baixo, e o vento frio arrepiava cada parte de seu corpo pálido e esguio.

Julgava ser uma floresta, pelos sons dos pequenos invertebrados que exerciam suas funções naturais pela madrugada e pelo roncar dos anfíbios em seu período de acasalamento. Ok, estava mais para um pântano.

Ela andava cautelosamente, tateando as árvores musguentas com as pontas de seus dedos frios, quase sem sensibilidade. O manto preto que usava tinha capuz e cobria seus longos e ondulados cabelos pretos. Ele tinha capacidade de cobrir todo o seu corpo, mas era frouxo. Provavelmente, não havia sido feito para ela.

Nem ela mesma sabia como diabos havia ido parar naquele lugar ou como suas roupas foram substituídas por aquela batina com cheiro de mofo. Apenas estava lá. E seu instinto primitivo de sobrevivência a alertava sobre como ficar parada poderia ser perigoso. Por isso, mesmo no escuro, andava a tatear, em busca de uma saída para a escuridão.

Depois do que parecia ser uma eternidade andando sem rumo, seu corpo estava cansado. Suspirou pesadamente, frustrada por não encontrar a saída, e encostou-se de costas a uma grande árvore. A essa altura, não temia mais possíveis musgos ou insetos.

Nesse ponto, tinha certeza de que estava em uma espécie de floresta ou pântano. A lua iluminava o suficiente para que enxergasse o básico ao seu redor.

Um uivo distante cortou o silêncio da madrugada, um som prolongado que parecia reverberar pela umidade pesada do ar. Ela segurou a respiração, os olhos varrendo o pouco que conseguia discernir ao seu redor. A luz prateada da lua escorria pelas copas das árvores, iluminando fragmentos de troncos retorcidos e raízes expostas. Não havia sinal de outra alma viva além da fauna que se manifestava aqui e ali com sons dispersos.

Sentindo o cansaço pesar em seus ombros, deslizou até o chão, abraçando os joelhos e envolvendo-se ainda mais no manto. O tecido, embora úmido e desconfortável, era tudo o que a protegia do vento que sussurrava histórias antigas e esquecidas. Ela tentou buscar algum sentido na situação. Alguma memória, algum evento que pudesse explicar como fora parar ali. Nada. Apenas flashes desconexos de algo que parecia um sonho — ou um pesadelo.

Subitamente, um estalo a poucos metros chamou sua atenção. Algo — ou alguém — estava ali. Seu coração acelerou, batendo tão alto que ela tinha certeza de que poderia ser ouvido pelo que quer que estivesse próximo. Sem se mover, apertou os olhos, tentando discernir melhor na penumbra. Então, viu.

Entre as sombras, uma figura alta e encapuzada. O capuz cobria quase todo o rosto, mas havia algo perturbadoramente familiar na presença. Algo primal em sua essência fez com que ela sentisse um calafrio descer por sua espinha. A figura não avançava, apenas permanecia ali, imóvel, como se estivesse esperando. Observando.

Ela sentiu a garganta secar, mas reuniu coragem para perguntar, com uma voz rouca e trêmula:

— Quem... é você? O que é este lugar?

A figura inclinou a cabeça levemente para o lado, em um gesto que parecia misturar curiosidade e desdém. Então, finalmente, respondeu, com uma voz profunda e etérea que parecia vir de todos os lados ao mesmo tempo:

— Você já sabe a resposta.

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– Bom dia, senhorita Maria!

A voz feminina e familiar ressoava pelo seu pequeno, mas aconchegante quarto.

Ouviu o som da persiana de sua janela se abrindo abruptamente, acompanhada pelo leve ranger do trilho enferrujado.

– Mãe?

Gemeu pesadamente, ainda tentando abrir os olhos, agora agredidos pela luz do Sol que brilhava lá fora.

“Céus, eu estava sonhando”, pensou, num misto de alívio e confusão.

O quarto de Maria ainda estava na penumbra, iluminado parcialmente por uma lâmpada de LED em formato de lua que projetava sombras suaves nas paredes. As estantes abarrotadas de livros e pequenos vasos de plantas davam um ar acolhedor, enquanto as cortinas semiabertas revelavam o dia claro lá fora. Sobre o criado-mudo, uma caneca com resquícios de chá e um celular piscando notificações contrastavam com o caos dos sonhos que acabara de viver.

– Você por acaso se esqueceu do que tinha para fazer hoje?

A mulher de cabelos castanhos, ondulados e longos, com olhos tão castanhos quanto, perguntou em um tom divertido, sabendo que Maria provavelmente havia se esquecido.

– Natação?

Respondeu sonolenta, agora sentada na cama, esfregando os olhos e tentando se situar.

– Tsc, tsc, tsc...

Sua mãe sorria, balançando a cabeça em negação.

– É revigorante para mim ver o quão animada você está para a faculdade.

Maria sentiu seu corpo vibrar.

Faculdade?

Droga, era hoje!

– Mãe...

– Eu sei que está ansiosa, meu amor.

Disse ternamente, sentando-se ao lado da mais nova, afastando alguns livros empilhados para ter espaço.

– Estou.

Maria sorriu timidamente. Apesar de esquecer, a faculdade era algo extremamente importante para ela. Um passo que definiria seus próximos anos. Seus pais estavam orgulhosos, e ela queria corresponder a isso.

Ela iria cursar Psicologia na Universidade Federal de Pontal das Palmeiras (UFPP), localizada no interior do Rio de Janeiro. Maria morava com a família no Recreio dos Bandeirantes, bairro nobre e movimentado da capital, e estava aliviada por ir para o interior, longe da correria da cidade grande.

Embora animada, não conseguia evitar uma pontada de ansiedade. Iria se afastar de tudo o que conhecia, inclusive de Joaquim, seu melhor amigo do ensino médio.

Olhou de relance para uma foto colada em sua parede, onde ela e Joaquim estavam sorrindo em uma cafeteria. Sorriu ao lembrar dele. Eles compartilhavam um vínculo único. Joaquim era gay, e Maria era lésbica. Essa conexão os unira em meio ao caos da adolescência.

“Será que farei amigos tão bons quanto ele?”, pensou com melancolia.

Por mais que a ansiedade fosse sua maior companhia naquele momento, ela sabia que esse era apenas o começo de uma nova jornada.

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⏰ Última atualização: Nov 15 ⏰

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