Capítulo 014

2 2 0
                                    

֪ 🏹 𝕹evellyn estava há dias tomada por um vazio insuportável, e nem o vento cortante ou os ecos nas paredes frias da ala de treinamento conseguiam preencher o buraco deixado pelas consequências de suas ações. A angústia lhe roía o peito. Ninguém conseguira encontrar Isabella, sua prima, ou Sir Harland, seu antigo confidente. Naquela manhã, mais do que nunca, a ala de treinamento lhe parecia um refúgio sombrio e solitário, onde a única resposta era o clangor de sua espada de aço valiriano encontrando os manequins de madeira. Estes já estavam destroçados, os fragmentos espalhados pelo chão, enquanto as marcas das lâminas cobriam as paredes.

Com um último e brutal golpe, Nevellyn rasgou ao meio um boneco, fazendo voar lascas de madeira e deixando a espada cair de suas mãos. Ela sentiu os joelhos cederem ao peso de seu corpo, e seu grito ressoou pelos corredores vazios, carregando uma dor profunda. - Isso... tudo... é culpa minha! - Sua voz ecoava, abafada pelo pranto. - Elisse, Isabella, todos... enganados, machucados. Eu sou um monstro.

Com os punhos cerrados, começou a bater no chão de pedra, até os dedos ficarem vermelhos e a dor na pele tornar-se insuportável. Em meio ao tremor dos soluços, ela se encolheu, os joelhos junto ao peito, e por um momento se permitiu sentir toda a fraqueza que escondia. Olhou ao redor, os olhos captando o cenário caótico de destruição ao seu redor. Aquilo era ela: um redemoinho de destruição, incapaz de controlar os próprios sentimentos, arruinando todos ao seu redor.

Enquanto respirava fundo, o olhar de Nevellyn pousou em uma adaga, repousada sobre uma bancada próxima. Era o presente que Harland lhe dera - um símbolo de confiança, de um respeito que ele depositava nela. A lâmina refletia o olhar ferido da jovem, e um novo propósito tomou forma em sua mente. Levantou-se e segurou a adaga, a ponta reluzente cintilando à luz baixa.

- Isso... isso tem que acabar agora, Nevellyn - murmurou, seus olhos fixos na lâmina. - A Nevellyn que eles conheciam... essa Nevellyn cheia de fúria... ela precisa morrer.

Num gesto decidido, a jovem levou a adaga ao cabelo longo e escuro, que antes caía solto até a cintura. Puxou uma mecha e, com um corte firme, as pontas negras caíram ao chão, até que sua cabeleira estivesse na altura dos ombros. Sentiu o peso se desfazer a cada corte, e seu espírito parecia ser libertado junto com cada fio que tocava o solo de pedra fria. Um misto de leveza e vazio tomou conta dela.

Enquanto ainda encarava o chão, observando o cabelo espalhado ao redor, uma presença súbita interrompeu seus pensamentos. O som quase imperceptível da porta dos fundos se abrindo. Nevellyn se virou lentamente, a respiração suspensa, e viu uma figura parada na entrada. O contorno era indistinguível, apenas uma silhueta recortada contra a luz difusa do corredor.

A tensão no ar era palpável, cada segundo mais pesado que o anterior.

A silhueta pequena e esguia da menina se tornou mais clara à medida que ela dava pequenos passos para dentro da sala, iluminada pela luz suave que passava pelas frestas das janelas. Seus olhos azuis estavam arregalados, transmitindo pavor e uma vulnerabilidade que poucos ali dentro já haviam sentido. Suas roupas rasgadas e manchadas de sujeira pendiam de seu corpo desnutrido, e seus braços magros estavam cobertos de cicatrizes e hematomas, como se cada uma contasse uma história triste. Ela respirava pesadamente, os ombros subindo e descendo num ritmo acelerado, enquanto apertava uma faca de lâmina pequena, mas afiada, tremendo com o peso da arma improvisada.

Nevellyn, ainda surpresa com a inesperada presença, ergueu-se devagar, deixando a adaga que segurava no chão, e estendeu as mãos num gesto de paz. - Calma... não vou te machucar - murmurou com uma voz suave, mas firme. A menina parecia ainda mais assustada ao ouvir a voz de Nevellyn e deu um passo para trás, gritando com um misto de desespero e culpa.

- Eu não... eu não queria fazer nada errado! Eu sinto muito, me perdoe, por favor! - A garotinha soluçava enquanto tremia, a faca ainda erguida defensivamente, como se sua vida dependesse disso.

Nevellyn franziu o cenho, perplexa pela confusão na fala da menina. - Está tudo bem, você não fez nada de errado. - Tentava encontrar um tom reconfortante, embora suas próprias emoções estivessem uma bagunça. - Acalme-se... ninguém vai te machucar aqui. Está segura.

Ainda assim, ao ouvir essas palavras, a menina manteve a postura defensiva. Quando Nevellyn deu um passo em sua direção, a pequena, com os olhos fixos, gritou: - Não se aproxime! Se você der mais um passo, eu... eu juro que vou te machucar!

Por um breve momento, Nevellyn a encarou em silêncio e então soltou uma risada, uma gargalhada inesperada que ecoou pelas paredes da sala. - Machucar-me? Você é apenas uma formiga, pequena demais para entender o que significa ameaçar alguém como eu. - Suas palavras eram tanto um teste quanto uma tentativa de desarmar o medo da menina.

A garota ficou imóvel, seu rosto demonstrando confusão, como se a bravata de Nevellyn fosse o oposto do que ela esperava. O silêncio pairou, quebrado apenas pelo som dos passos de Nevellyn que, sem pressa, se aproximava, falando calmamente. - Qual é o seu nome, criança? E por que estava fugindo? De quem se esconde?

A menina respirava com dificuldade, ainda encarando-a, mas sua expressão suavizou-se, como se a autoridade de Nevellyn lhe transmitisse uma sensação de proteção. - Eu... me chamo Luna, senhora... - Sua voz tremia. - Eles... homens maus... eles... queriam me pegar.

Com uma destreza rápida, Nevellyn segurou o punho de Luna e retirou a faca de sua mão sem que a garota pudesse perceber, deixando-a atônita. - Não precisa mais disso. - Assegurou-lhe com um sorriso que misturava firmeza e gentileza. - Venha, vamos comer algo.

Pouco depois, Luna estava na cozinha do castelo, sentada em uma cadeira alta. Sua pequena figura parecia ainda menor sob as tochas acesas, e ela devorava o prato de comida com uma fome que deixava Nevellyn intrigada. Enquanto observava, Nevellyn notou os braços e pescoço da menina cobertos de cicatrizes, marcas de uma vida dura e, provavelmente, de um sofrimento que ninguém deveria suportar tão jovem. As roupas grandes pendiam sobre seu corpo frágil, evidenciando o quanto a menina estava desnutrida.

- Coma mais devagar - disse Nevellyn, pousando o cotovelo na mesa, observando cada movimento de Luna. - Há comida suficiente para você.

A menina levantou os olhos, um brilho estranho de gratidão mesclado a desconfiança. Com a boca cheia, ela mastigava o pão e a carne com pressa, os olhos dançando entre Nevellyn e a porta, como se não estivesse convencida de que ainda estava segura. Entre uma mordida e outra, Nevellyn quebrou o silêncio.

- De onde você veio, Luna? Do que estava fugindo?

Luna engoliu um gole de água de uma vez, quase ofegante, como se sua vida dependesse daquela refeição. Colocou o copo de volta na mesa com um baque e encarou Nevellyn. - Essa... é sua casa, senhora? Toda essa imensa... fortaleza?

Nevellyn assentiu lentamente, os lábios esboçando um leve sorriso. - Sim, é minha casa. E, enquanto estiver aqui, você está sob minha proteção. Não precisa temer.

A menina hesitou, as pequenas mãos agarrando a beirada da mesa com força. Seus olhos azuis cintilaram com uma dor e um desespero velado. - Há homens... maus homens que tentaram me pegar. Eles querem me vender, senhora. Querem me tornar uma... - sua voz sumiu, como se não conseguisse terminar a frase. - Uma escrava.

Nevellyn fechou os punhos sob a mesa, controlando a própria raiva. - Ninguém tocará em você aqui, Luna. Eu mesma cuidarei para que esteja segura.

Luna, desconfiada mas aliviada, deu um sorriso hesitante, revelando dentes desgastados e escurecidos, um triste reflexo de sua vida sofrida. - A senhora é como uma flor no meio de uma tempestade... pura e bela.

Surpresa pela poesia na fala da menina, Nevellyn apenas sorriu e assentiu. Mas, antes que pudesse falar mais, Luna se levantou e, com um olhar determinado, caminhou em direção à saída.

- Espere, para onde vai? - chamou Nevellyn, a voz firme.

Luna olhou para trás, sua expressão séria. - Eu nunca estou segura em lugar nenhum, senhora. Mas agradeço por essa noite. E logo a pequena Luna partiu.

𝗧𝗛𝗘 𝗖𝗛𝗔𝗢𝗦 𝗢𝗙 𝗬𝗢𝗨𝗥 𝗘𝗬𝗘 /𝔒 𝔡𝔢𝔰𝔱𝔦𝔫𝔬 𝔡𝔢 𝔑𝔢𝔳𝔢𝔩𝔩𝔶𝔫Onde histórias criam vida. Descubra agora