• À deriva

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Anne não sabia mais como contar o tempo. A madrugada havia se transformado em dia e o dia novamente em noite, mas ela ainda estava no estúdio de tatuagem. O trabalho parecia ser a única coisa que a ancorava, mas até mesmo o estúdio, que antes era seu refúgio, agora estava se tornando uma prisão. Ela estava trabalhando sem parar, os braços doendo de tanto tatuar, mas não conseguia se desligar daquilo. Cada agulhada na pele parecia arranhar também sua alma.

O telefone tocava, mas ela não atendia. As mensagens, ela ignorava. Gabriel, a casa, tudo estava distante. Ela havia se trancado em sua própria rotina como uma forma de tentar escapar, mas cada respiração parecia mais pesada. Sua mente estava fora de controle, e ela estava começando a perceber que, no fundo, nada daquilo estava funcionando.

Ela precisava de algo. Algo que a fizesse sentir algo diferente da dor.

Quando o estúdio fechou, Anne foi para a sala de descanso. Era lá que costumava relaxar, mas, dessa vez, ela se permitiu um momento de descontrole. Em uma gaveta, encontrou o que procurava: um cigarro de maconha que havia escondido meses atrás, quando decidiu dar um tempo de tudo. Mas agora, sozinha e perdida, ela acendeu o cigarro, aspirando a fumaça profundamente, permitindo que ela invadisse seus pulmões e sua mente.

O efeito veio rápido. O peso que ela sentia no peito começou a se dissipar, mas não de uma forma leve. Ela sentia sua mente viajar para lugares distantes, desconectados da realidade. E, ao mesmo tempo, um vazio imenso começou a se expandir. A maconha a fazia esquecer momentaneamente de tudo, mas ao mesmo tempo fazia a solidão se tornar ainda mais palpável.

Anne se deixou afundar no sofá, observando as luzes do estúdio que ainda estavam acesas. Ela estava sozinha, mas não se importava. A solidão parecia ser sua única companhia confiável.

No canto da sala, uma garrafa de vinho ainda estava metade cheia. Ela a pegou, não com a intenção de beber de forma social, mas como uma fuga. Um gole após o outro, sentindo a queimação descer pela garganta, até que a bebida começasse a preencher os vazios que o cigarro não havia tocado. Ela estava se afundando cada vez mais. A dor de perder Gabriel, a raiva de si mesma por não conseguir lidar com o fim, tudo aquilo parecia desaparecer por alguns momentos enquanto o álcool e a fumaça tomavam conta de seu corpo.

E ali, naquele pequeno espaço, ela passou as próximas horas, completamente imersa no caos de seus próprios sentimentos. O tempo continuava a passar, mas ela não queria saber que horas eram. Não importava mais.

Ela não se lembrava de quanto tempo estava ali quando o telefone tocou novamente. Anne olhou para o número na tela: era Clara. Mas, naquele momento, ela não queria falar com ninguém. Ela não queria ouvir palavras de consolo, não queria que alguém a chamasse de volta à realidade. Então, ignorou a chamada e levou a garrafa de vinho até o sofá, onde se encolheu, tentando afogar os sentimentos que a estavam consumindo.

A noite se arrastou e, de alguma forma, o sono a encontrou. Mas não foi um sono tranquilo. A mente de Anne estava turva, cheia de imagens distorcidas, de lembranças de Gabriel misturadas com o vazio que ela sentia agora. Ela acordou horas depois, ainda exausta, mas com o peso da ressaca e da confusão emocional lhe apertando o peito.

Quando o relógio finalmente marcou a manhã, Anne se levantou, cambaleando até a pia. O reflexo no espelho não era o que ela queria ver, mas o que estava lá era ela mesma, mais perdida do que nunca. Ela não sabia como seguir em frente. Não sabia nem o que fazer com seus sentimentos, com sua vida.

O dia começou a despontar, mas para Anne, o sol não trazia clareza. Ela estava de novo à deriva, sem saber para onde ir.



















Sin límites - Gabriel GuevaraOnde histórias criam vida. Descubra agora