Verdade e Esperança

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A rotina na casa começava a parecer mais normal. Apesar do mundo lá fora ter desmoronado, Danilo e Vinícius estavam conseguindo, pouco a pouco, construir um refúgio em meio ao caos.

Vinícius estava melhor desde a tempestade e das dúvidas que o assombravam. Ele e Danilo cuidavam dos cães, dividiam tarefas e até riam de momentos triviais, como Vinícius reclamando de como Danilo deixava a louça suja por muito tempo na pia.

Era uma manhã tranquila, e Danilo estava na cozinha preparando café enquanto Vinícius organizava os poucos livros que ainda tinham. Quando Danilo terminou, ele se aproximou por trás de Vinícius, passando os braços ao redor dele.

- Você sabia que café combina mais com um beijo? - Danilo sussurrou no ouvido dele.

Vinícius riu e se virou, olhando nos olhos de Danilo. - É mesmo? Então talvez eu devesse provar.

Eles se beijaram, um gesto inicialmente inocente que rapidamente ficou mais intenso. Danilo puxou Vinícius pela cintura, e ambos se perderam no momento. Eles haviam evitado esse nível de intimidade desde que o mundo desabou, mas agora parecia certo.

Danilo, sempre cuidadoso, perguntou: - Você tem certeza?

Vinícius assentiu, os olhos brilhando com uma mistura de ansiedade e desejo. - Tenho.

Eles foram para o quarto e, pela primeira vez, entregaram-se completamente um ao outro. O momento foi terno e cheio de amor, um lembrete de que, apesar de tudo, ainda eram humanos, capazes de sentir e de encontrar felicidade em meio à devastação.

Mais tarde, enquanto Vinícius estava no chuveiro, um pensamento o atingiu como um raio. Ele lembrou-se das visitas à casa de Carmen, das conversas com ela e seus pais. Mas, quanto mais pensava, mais claro ficava que algo estava errado.

Os detalhes não faziam sentido: os mesmos pratos na mesa todas as vezes, o cheiro de poeira na sala, a forma como ninguém parecia sair daquele espaço. Um arrepio percorreu sua espinha.

"Eles não estão lá. Eles nunca estiveram."

Vinícius saiu do banho com o rosto pálido. Ele encontrou Danilo no sofá, lendo um livro velho sobre skate.

- Dan, eu preciso te contar uma coisa.

Danilo olhou para ele com preocupação. - O que foi?

Vinícius sentou-se ao lado dele, respirando fundo antes de falar. - As pessoas que eu disse que vi na casa da Carmen... eles não são reais.

Danilo franziu a testa, confuso. - Como assim?

- Eu acho que minha mente... tá me pregando peças. Eu queria tanto acreditar que eles estavam vivos que... eu criei eles. Eu falei com eles como se fossem reais, mas agora eu sei que não são.

Danilo colocou o livro de lado e segurou as mãos de Vinícius. - Vini, isso é muita coisa pra carregar sozinho. Por que você não me contou antes?

- Eu não queria parecer louco. Mas eu precisava dizer agora. Eu tô tentando melhorar, Dan. Juro que tô tentando.

Danilo o puxou para um abraço apertado. - Você não tá sozinho nisso. A gente vai superar juntos, como sempre.

Naquela noite, enquanto organizavam o jantar, o rádio na sala começou a emitir um chiado. Ambos congelaram no lugar, trocando olhares.

- Você ouviu isso? - Danilo perguntou.

- Acho que sim.

Eles se aproximaram lentamente do aparelho, que havia sido encontrado semanas antes, mas nunca funcionara direito. Então, em meio ao chiado, uma voz feminina se fez ouvir:

- ...coordenada... vinte e dois ponto oito... Campinas, São Paulo...

A mensagem foi curta, mas clara o suficiente para deixar os dois em choque.

- Danilo, você ouviu isso? Alguém falou Campinas!

Danilo assentiu, os olhos arregalados. - Não só ouvi, como entendi a coordenada.

- Isso significa que tem alguém vivo lá! - Vinícius exclamou, a esperança crescendo em sua voz.

Danilo, porém, parecia mais cauteloso. - Pode ser uma gravação antiga ou um erro do rádio. Não dá pra saber se é real.

- Eu conheço essa voz, Dan. Parece a voz da melhor amiga da minha mãe.

Danilo ficou em silêncio, percebendo o desespero nos olhos de Vinícius.

O mundo ainda parecia minimamente funcional no segundo mês da epidemia. As ruas estavam mais vazias, mas a TV e a internet ainda funcionavam.

Vinícius estava sozinho em casa, cuidando dos filhotes recém-nascidos da família. Seus pais e sua irmã haviam saído para Campinas, em São Paulo, onde havia um evento para eles irem.

Ele lembrava-se vividamente da última conversa com sua mãe.

- A gente volta logo, filho. Cuida dos cachorros, tá bom?

- Tá, mãe. Mas vocês têm certeza que é seguro?

- É melhor do que ficar aqui em Belo Horizonte. Só confia na gente.

Ele tentou se concentrar no que estava acontecendo em casa, mas as notícias na TV eram assustadoras.

- Trinta por cento da população global já morreu... Cientistas relatam dificuldade em conter o vírus... Casos confirmados na América do Sul e na América do Norte...

Naquele mesmo dia, ele ligou para a mãe para saber como estavam indo.

- Oi, mãe! Tá tudo bem?

A voz dela parecia cansada, mas ainda tranquila. - Tá tudo bem, filho. Estamos quase chegando.

- Quando vocês vão voltar?

- Em breve, prometo. Só toma conta das coisas aí.

Foi a última vez que ele ouviu a voz dela. O vírus chegou a São Paulo no mesmo dia, e Vinícius nunca mais conseguiu contato.

De volta ao presente, Vinícius segurou o rádio como se fosse a última esperança do mundo.

- Dan, a gente precisa ir pra lá. Agora.

Danilo colocou as mãos nos ombros dele, tentando acalmá-lo. - Vini, calma. Não sabemos o que vamos encontrar lá. Pode ser perigoso.

- E se for minha mãe? E se for minha irmã? Eu preciso saber.

Danilo suspirou, dividido entre o amor que sentia por Vinícius e o medo de que ele estivesse se iludindo.

- E se não for? E se for só mais uma decepção, Vini? Eu não quero te ver sofrer mais.

Vinícius sentiu as lágrimas escorrerem pelo rosto, mas sua determinação era maior.

- Eu já perdi tudo, Dan. Se tem uma chance, por menor que seja, de que alguém da minha família ainda esteja vivo, eu preciso tentar.

Danilo olhou nos olhos dele, vendo a dor e a esperança misturadas. Ele sabia que Vinícius não desistiria, e ele não podia deixá-lo enfrentar isso sozinho.

- Tudo bem. Vamos. Mas vamos com cuidado, tá?

Vinícius assentiu, abraçando Danilo com força.

Enquanto se preparavam para a viagem, ambos sentiam o peso do que estava por vir. O mundo lá fora era perigoso, cheio de incertezas, mas eles tinham algo que muitos haviam perdido: um ao outro.

E, com isso, estavam dispostos a enfrentar o que fosse necessário.

Pelo menos sobrou nos dois Onde histórias criam vida. Descubra agora