O som da mensagem de rádio ainda ecoava na mente de Vinícius enquanto ele organizava suas coisas freneticamente. Ele colocava roupas, mantimentos e o que mais conseguisse carregar em uma mochila, ignorando completamente os olhares de Danilo.— Vini, para. — A voz de Danilo era firme, mas tinha um tom de cansaço.
— Não, Dan! A gente precisa ir. Você ouviu a mensagem! Eles disseram Campinas, São Paulo. Isso pode significar alguma coisa!
Danilo cruzou os braços, encostando-se na porta do quarto. — E se não significar nada? E se for uma gravação antiga ou uma armadilha? Você tá se agarrando a uma ideia, mas não tá pensando nas consequências.
Vinícius parou por um momento, virando-se para encará-lo. — Consequências? Dan, minha família pode estar viva! Você sabe o que isso significa pra mim?
Danilo suspirou, esfregando as mãos no rosto. — Claro que sei, mas e se não estiverem? E se for outra decepção? A gente tem uma vida aqui, Vini. Uma vida que a gente construiu. Não é perfeita, mas é segura.
Vinícius deu uma risada amarga. — Segura? A gente vive num mundo onde ninguém mais existe, Dan. Não tem nada de seguro nisso.
Danilo descruzou os braços, andando até ele. — A gente tem uma casa, um gerador que funciona, comida suficiente pros cachorros e pra gente. Eu não tô dizendo que é fácil, mas pelo menos a gente tá vivo. Por que arriscar tudo isso por algo que pode nem ser real?
Vinícius fechou a mochila com força, a frustração estampada em seu rosto. — Porque eu não consigo viver assim! Não dá pra fingir que tá tudo bem, Dan. Eu não quero passar o resto da minha vida esperando o nada.
— E você acha que ir pra Campinas vai mudar alguma coisa? — Danilo rebateu, a voz ficando mais alta. — Você acha que vai encontrar sua família e tudo vai voltar a ser como antes? O mundo não é mais assim, Vini!
Vinícius olhou para ele, os olhos cheios de lágrimas. — Pelo menos eu preciso tentar. Você não entende porque nunca teve nada pra perder.
Aquelas palavras acertaram Danilo como um soco no estômago. Ele deu um passo para trás, os olhos arregalados.
— Como é que é? — A voz dele tremia de incredulidade.
Vinícius percebeu o que havia dito, mas a raiva ainda falava mais alto. — Você sabe que é verdade. Você odiava sua família, Dan. Você nunca teve ninguém de quem sentir falta.
Danilo respirou fundo, tentando manter a calma, mas era difícil. — Isso não dá o direito de você desvalorizar o que a gente tem agora. Eu posso não ter mais ninguém, mas eu tenho você, Vini. E é por isso que eu tô preocupado. Eu não quero te perder pra alguma ideia maluca que pode te matar.
Vinícius engoliu em seco, a culpa começando a se infiltrar em sua raiva. — Eu também não quero te perder, Dan, mas... e se eu nunca tentar? E se minha família estiver mesmo lá e eu nunca souber? Eu não vou conseguir viver comigo mesmo.
Danilo olhou para ele por um longo momento, os olhos cheios de emoções conflitantes. Ele queria protegê-lo, mas sabia que não podia controlar suas escolhas.
— E se eu disser que não vou? — Danilo perguntou, cruzando os braços novamente.
Vinícius hesitou, a voz saindo baixa e cheia de pesar. — Eu iria sozinho.
Danilo desviou o olhar, sentindo um aperto no peito. Ele sabia que Vinícius falava sério.
— Isso não é justo, Vini. — A voz de Danilo era quase um sussurro.
— Eu sei. — Vinícius respondeu, com um nó na garganta. — Mas a vida também não é.
Eles ficaram em silêncio por alguns minutos, o som dos cachorros no quintal sendo a única coisa que preenchia o vazio.
Finalmente, Danilo suspirou profundamente. — Tá bom. Vamos. Mas sob uma condição.
Vinícius levantou o olhar, esperançoso. — Qual?
— A gente vai preparado. Nada de pressa ou decisões por impulso. E se as coisas derem errado, a gente volta. Sem teimosia.
Vinícius assentiu rapidamente, enxugando as lágrimas. — Tudo bem. Obrigado, Dan.
Danilo balançou a cabeça, exausto. — Só não me faça me arrepender disso.
Eles terminaram de arrumar as coisas em silêncio, mas a tensão ainda estava presente. Ambos sabiam que essa decisão poderia mudar tudo, para melhor ou para pior.