Acordei de uma noite mal dormida, como tantas outras, com o peso da realidade batendo à minha porta antes mesmo de abrir os olhos. Minha cabeça doía, e meu corpo parecia mais pesado que o habitual. Me espreguicei, tentando afastar a sensação de cansaço, e caminhei até a janela que ficava no canto do quarto. O sol estava alto, iluminando as ruas lá fora, mas eu me sentia presa numa escuridão particular, onde cada passo era incerto e doloroso.
Enquanto olhava para a paisagem lá fora, a proposta de Henrique invadiu meus pensamentos. Ele havia sugerido que eu poderia trabalhar como cozinheira particular para algumas pessoas importantes que ele conhecia. Disse que poderia me apresentar aos seus contatos, já que sabia que eu precisava de dinheiro. No início, fiquei surpresa com a sugestão, pois não tinha pensado nessa possibilidade. O medo de falhar era uma sombra constante, mas talvez essa fosse uma chance de me reerguer.
Suspirei, voltando meus olhos para a cama. Minha mãe estava deitada, pálida, frágil, com os olhos semicerrados. Os médicos diziam que seu quadro se agravava dia após dia, e a cada nova consulta, eu sentia o desespero crescer dentro de mim. A realidade era cruel: eu não tinha condições de bancar o tratamento que ela precisava. Me aproximei dela, ouvindo sua voz baixa e cansada.
— Filha... — a voz dela saiu fraca, quase um sussurro.
— Oi, mãe. Estou aqui — me aproximei rapidamente, pegando sua mão, tentando transmitir alguma força.
Ela me olhou com aquele olhar amoroso de sempre, mas havia algo diferente. Um peso, talvez uma despedida silenciosa.
— Eu quero ter uma conversa com você.
— Pode falar, mãe. Mas, por favor, não se esforce muito. — Minha voz era um pedido desesperado para que ela não se desgastasse mais.
Ela respirou fundo, seus olhos fixos nos meus, transmitindo uma mistura de amor e resignação.
— Filha, quero te pedir uma coisa... — ela fez uma pausa longa, talvez para escolher as palavras certas ou ganhar fôlego. — Não gaste seu dinheiro comigo. Se for minha hora, eu partirei feliz. — Seus olhos se encheram de lágrimas, e meu coração pareceu parar por um segundo. — Você sempre foi uma ótima companheira para mim, sempre me deu orgulho... — a respiração dela vacilou, e ela fez uma pausa antes de continuar. — Se eu tiver que partir agora, partirei em paz.
As palavras dela me atingiram como uma onda. Um nó se formou na minha garganta, e as lágrimas que eu tinha segurado por tanto tempo finalmente caíram. Não consegui responder. Apenas me abaixei e a abracei com toda a força que me restava, como se, de alguma forma, esse gesto pudesse impedir que o inevitável acontecesse.
Eu chorei. Chorei por tudo que estava acontecendo, por me sentir impotente, por não poder fazer mais. Chorei por todas as vezes que precisei ser forte, quando, na verdade, estava desmoronando por dentro. Minha mãe era a única pessoa que restava na minha vida, e vê-la se despedir daquele jeito quebrava meu coração em mil pedaços.
Ficamos abraçadas por um bom tempo, até que senti o corpo dela relaxar em meus braços. Ela adormeceu, e eu me afastei devagar, tentando não perturbá-la. Minha cabeça latejava, e as costas doíam pela posição em que eu estava. Olhei para o relógio: 12h43.
Decidi que precisava ir para casa. Tinha que resolver algumas pendências e, quem sabe, almoçar alguma coisa. Precisava de um pouco de normalidade, mesmo que fosse uma ilusão.
Peguei o ônibus e desci no ponto próximo à minha casa. O trajeto parecia mais longo do que realmente era, como se cada minuto me lembrasse das preocupações que eu carregava. Quando finalmente cheguei, entrei e fui direto para o banheiro. Precisava de um banho. Deixar a água quente cair sobre mim era a única forma de aliviar a tensão que tomava conta do meu corpo.
Enquanto a água escorria pelo meu cabelo e pelo meu rosto, me peguei pensando de novo na proposta de Henrique. Com sua influência, ele disse que poderia me apresentar a algumas pessoas que procuravam uma chef pessoal para eventos ou jantares. A ideia me pareceu assustadora. E se eu não estivesse pronta para isso? Mas, por outro lado, era uma oportunidade única. Talvez essa fosse a saída que eu tanto precisava.
Enxuguei-me rapidamente, sentindo uma mistura de ansiedade e determinação crescer dentro de mim. Talvez esse fosse o meu momento. Eu não podia deixar o medo de falhar me paralisar.
Peguei o celular e, hesitante, procurei o nome de Henrique nos contatos. Durante um breve segundo, considerei não ligar. E se fosse um erro? Mas então pensei na minha mãe, no seu sorriso fraco e nas suas palavras de despedida. Eu precisava tentar, por ela e por mim.
Cliquei no botão de "ligar" e coloquei o celular no ouvido. O som de chamada ecoava, cada toque parecia mais longo que o anterior. Eu já estava prestes a desistir quando ele atendeu.
— Oi, Maitê? — a voz de Henrique era firme e ao mesmo tempo gentil, como sempre.
— Oi, Henrique. É... então, eu estive pensando na sua proposta — minha voz saiu hesitante, mas havia uma firmeza nova nela. — Acho que vou aceitar. Não estou trabalhando agora, e seria uma boa oportunidade.
Do outro lado da linha, pude ouvir um sorriso na voz dele antes que ele respondesse.
— Fico feliz que tenha aceitado. Sabia que você não ia se arrepender. Eu já falei com algumas pessoas, e elas estão interessadas. Vou te passar os contatos e organizar algumas reuniões. Tenho certeza que você vai impressionar.
Eu sorri, um pouco aliviada pela confiança que ele demonstrava em mim. Ainda assim, um pensamento me incomodava.
— Mas Henrique, e se... se não der certo? — A pergunta saiu antes que eu pudesse me controlar. O medo da rejeição ainda estava lá, espreitando.
— Não pensa assim. — A resposta dele foi imediata, como se ele já tivesse previsto minha insegurança. — Eu confio no seu talento, e você devia confiar também. Todos começam de algum lugar. O importante é que você está dando um passo em direção ao seu sonho. E eu estarei aqui para ajudar no que precisar.
Essas palavras me aqueceram por dentro. Não apenas pelo apoio, mas porque me fizeram perceber que, mesmo em meio ao caos, eu ainda tinha um pedaço do meu sonho ao alcance. Talvez a vida estivesse me dando uma segunda chance.
— Obrigada, Henrique. Eu... eu vou me esforçar. — Dessa vez, minha voz saiu mais firme.
— Tenho certeza disso. — Ele riu levemente. — Então, nos vemos amanhã? Vou te apresentar a algumas pessoas e você já pode começar a planejar seus primeiros eventos.
— Sim, amanhã. — Desliguei o telefone com o coração um pouco mais leve.
Eu ainda não sabia o que o futuro reservava, mas naquele momento, a sensação de ter uma direção me trouxe um pouco de paz. Amanhã seria o primeiro passo para algo novo. Um passo em direção ao meu sonho, e talvez, só talvez, um passo para reencontrar a força dentro de mim.
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Chamas do Desejo
RomanceAcostumado a conseguir tudo o que deseja, Henrique inicialmente a vê como mais uma conquista fácil. No entanto, Maitê não é como as mulheres com quem ele está acostumado. Ao ser tratada com desdém e arrogância, ela impõe limites e o rejeita, despert...