Prólogo

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O garoto de moletom verde ficou me olhando na fila do caixa. Eu já o tinha visto muitas vezes, inclusive mais cedo naquela segunda de manhã. Todos os dias, ele e os amigos ficavam à toa no beco atrás da mercearia onde eu trabalhava. Sempre os encontrava ali quando meu patrão me mandava amassar caixas para jogá-las fora. O garoto de moletom verde estava ali todos os dias com seus amigos. O grupo era barulhento, fumava cigarros e falava muitos palavrões.

Ele se destacava dos demais, pois os outros davam risadinhas e gargalhadas. Ele parecia mudo, como se sua cabeça estivesse longe dali. Seus lábios quase nunca se moviam; eu me perguntava se ele sabia sorrir. Talvez ele apenas existisse em vez de viver. Às vezes nossos olhares se cruzavam, e eu sempre desviava o meu. Eu não conseguia encarar seus olhos cor de tempestade, pois eram mais tristes do que os de qualquer pessoa da sua idade. Profundos, com olheiras e linhas de expressão, mas, ainda assim, ele era bonito. Uma beleza exausta. Nenhum cara deveria parecer tão cansado ou tão bonito, tudo ao mesmo tempo. Apesar de jovem, ele aparentava ter vivido cem anos de sofrimento e ter enfrentado conflitos pessoais muito piores do que os da maioria das pessoas. Sua postura o denunciava: ombros caídos, cabeça baixa.

Mas nem tudo era desanimador.

Seu cabelo loiro quase branco estava sempre perfeito. Sempre. De vez em quando, ele pegava um pente pequeno e passava pelas mechas como se fosse um daqueles carinhas dos tempos da brilhantina, da década de 1950. Sempre usava o mesmo tipo de roupa: camiseta branca ou preta, lisa, e, às vezes, o casaco de moletom verde. A calça era sempre de jeans escuro, com sapatos pretos amarrados com cadarços brancos. Não sei por que, mas, mesmo as roupas sendo simples, elas me causavam arrepios. Suas mãos também chamavam minha atenção. Sempre seguravam um isqueiro, que ele apagava e acendia repetidamente. Eu me perguntava se ele tinha consciência de que fazia aquilo. Era quase como se a chama do isqueiro fosse parte de sua existência. Uma expressão entediada, olhos cansados, cabelo perfeito e um isqueiro na mão.

Que nome combinaria com um cara assim? Hunter, talvez. Parecia nome de bad boy — coisa que ele era, imaginei. Ou Gus. Gus, o cara da brilhantina. Ou Mikey — um nome fofo, o extremo oposto do que ele parecia ser, e eu gostava de coisas assim. Mas o nome não importava. O que importava mesmo era que ele estava de pé na minha frente. Seu rosto era mais expressivo do que em qualquer uma das ocasiões em que eu o tinha visto no beco. Estava vermelho como uma beterraba, e os dedos, inquietos. Havia certo constrangimento em seus olhos ao passar o cartão vale-alimentação de novo. Tinha sido recusado todas as vezes.


Seu semblante foi ficando cada vez mais fechado.

Saldo insuficiente.

Ele mordeu o lábio.

Saldo insuficiente.

— Isso não faz sentido — murmurou para si mesmo.

— Posso tentar passar em outra máquina, se quiser. Às vezes, elas dão defeito. — Dei um sorriso, mas ele não retribuiu a gentileza. Seu rosto estava repleto de linhas de expressão. Tinha o cenho franzido ao me entregar o cartão, uma expressão agressiva. Eu o passei em outra máquina.

Saldo insuficiente

— Aqui diz que não há dinheiro suficiente no cartão.

— Obrigado, Sr. Óbvio — murmurou ele.

Grosso

— Impossível — continuou o garoto, bufando, o peito subindo e descendo. — Nós vimos que o dinheiro foi depositado nele ontem.

Quem seria o “nós”? Não é da sua conta, Harry.

— Você tem outro cartão? Podemos tentar passá-lo?

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⏰ Última atualização: 3 days ago ⏰

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A Chama Dentro de Nós - DrarryOnde histórias criam vida. Descubra agora