O Grito

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Seus pés se alternavam com pressa e dor, um depois do ouro, enquanto olhava para trás e a única coisa que via era o grande carvalho, com suas grandes raízes que se espalhavam ao redor do tronco largo, formando sulcos e abrigos, uma sombra na noite, com o brilho das estrelas salpicando os ramos de galhos que se destacavam entre outras sombras no bosque. Apertava a mão direita ao redor da madeira podre do cabo da faca enviada para que se salvasse, como se sentir ela ali, materializada, trouxesse a real esperança de que Ártemis olhava por ela. Era uma sensação de alívio, porém de angústia, já que continuava fugindo e, além disso, devia algo pela faca. E a única coisa que tinha, que poderia interessar tamanha magia, coiceava em seu ventre, como se quisesse rebentar e vir ao mundo para, junto dela, enfrentar o homem sem orelha que uivava na mata vez ou outra. Ela prometeu qualquer coisa, sabendo que só existia aquela coisa, e o arrependimento só não vinha pois ela sabia que sem tal promessa não estaria agora no frio, correndo aos tropeços, metendo os pés pelas raízes congeladas da mata sem bruma, sem o sinal de que ela teria o refúgio da clareira encantada. Era apenas ela, a faca, o frio, o homem sem orelha e a dívida.

Repuxava a pele grossa e felpuda sobre o pescoço, tentando se proteger do frio, perigo tão real quanto os assassinos de Harodo. Seus cabelos estavam duros e congelados, sua respiração condensava e juntava gelo em seu nariz, fazendo-a esfregá-lo a todo instante. Perdeu a noção de quanto andara ou correra, a mata se fechou e voltou a ser bosque mais de uma dúzia de vezes, e ela já não reconhecia as colinas que percebia por entre os galhos. Tinha tomado o rumo norte, pois a leste o terreno descia e se cobria de neve fofa, além de ter menos árvores e cobertura para se esconder, e a oeste era o oposto embora com neve despencando dos galhos por cima dela, então se esgueirava como podia em linha reta, assim ela imaginava. Os uivos de Onoc estavam longe, o homem não parecia ser do tipo rastreador, talvez ela tivesse matado o cérebro e só sobrou a força bruta e o pensamento embotado em violência que só devia visualizá-la, seu fim terrível que seria adequado para sanar sua libido e perversidade. Seus passos eram cada vez mais lentos, pesados, o frio doía por todo o corpo, não só sua garganta, e o cansaço de quem convalescia era apenas uma vaga lembrança para ela que, agora, estava cansada para não morrer. Foi nesse desespero que ela viu os primeiros brilhos, tímidos raios de sol afastando a escuridão, denunciando que a terrível noite chegaria ao fim, mas que o dia seria tão terrível quanto, pois sem as sombras ela estaria mais vulnerável e poderia ser vista.

Continuou rastejando, se esgueirando por raízes e galhos baixos, tentando se manter na escuridão, fora da vista de quem pudesse lhe fazer mal. Não sabia para onde ir, vivera no casebre com sua mãe desde que entendeu que a vida exigia trabalho e preocupação com o que comeriam no inverno, e recebiam poucas visitas, que ou moravam próximo ou vinham da aldeia, um lugar estranho para Beza, onde as casas ficavam à vista umas das outras e as pessoas dividam os pastos e os rios. E, além da ideia de viver assim ser tão distante para a menina, Eralógon costumava dizer que ela ficava há alguns dias de caminhada, e por isso ela não fazia ideia de onde a aldeia se localizava ou como chegar lá e, mesmo que soubesse, não poderia se arriscar a deixar a mata. Tais pensamentos tinham que ser deixados de lado a cada barulho de galhos se partindo, farfalhar de folhas ou vozes de animais desconhecidos, quando Beza se jogava no chão e esperava até se sentir segura, novamente, para só então pensar no que deveria fazer. Voltar para o casebre e enfrentar o homem não era uma opção para ela, franzina e combalida, não poderia dar cabo do homem sem orelha sem uma nova promessa, e agora ela não tinha nada para oferecer à Ártemis ou qual outra divindade pudesse lhe ouvir. Meteu uma mão por dentro da roupa pesada e sentiu seu ventre inchado, procurando inquieta por movimentos até que a herança de Paterastís mostrou que estava bem disposto naquela manhã fria, permitindo que ela sorrisse e retirasse a mão, fechando bem a roupa e voltando a encarar seu caminho. Mesmo com muita insistência, Eralógon não foi capaz de lhe ensinar como encontrar o caminhos nas brumas para a clareira, oferecendo a ela apenas os sonhos conscientes da fumaça, que eram justamente apenas sonhos e não poderiam salvá-la no mundo frio que agora se iluminava de amarelo ouro conforme o sol se revelava nas colinas ao Leste. A bruxa nunca deu uma justificativa clara para a filha, e Beza se perguntava de ela era realmente capaz de atravessar as brumas ou se aquela madrugada fora uma sorte ou sonho, um sonho que rendeu a ela um fruto que crescia dia após dia, já que nunca mais lhe foi permitido encontrar seu pai e amante, e agora não havia como correr para baixo das patas dele, mas ainda assim, Beza procurava brumas noite após noite, na vã esperança de caminhar e chegar até seu maior sonho. Sua única alternativa, portanto, era continuar com o sol à sua direita, até que ele passasse à sua esquerda, e nessa caminhada encontrar a casa de algum vizinho ou alguma pessoa que pudesse lhe proteger do homem cuja orelha ela arrancou com seus dentes.

A manhã passou vagarosa e ela só parou para descansar quando o sol começava a descer, num pequeno córrego que ousava sair da floresta. Bebeu água e se esquentou sob o sol, escondida atrás de uma grande pedra cinzenta de costas para o Sul, de onde o perigo poderia vir, mas naquela hora tal perigo parecia não ser mais suficiente para incentivá-la a continuar, e acabou se deitando escorada na pedra e deixou que seus olhos fechassem por alguns instantes.

As brumas rodopiavam a sua volta e ele estava lá, apoiado em suas quatro patas, olhando-a com um misto de ternura e desejo que a enlouqueceu da primeira e única vez que se viram, e a assombrava em sonhos eróticos em que acordava transpirando sobre as peles, e quando Eralógon estava ao seu lado era com ela que parte desse desejo era satisfeito. Mas agora ele estava ali, materializado pela névoa, esplendoroso, os músculos retesados e o caralho desembainhado, como se eles tivessem tempo para a entrega um do outro, como se o perigo tivesse passado, o homem sem orelha fugira ante a sua presença, por óbvio. Beza o abraçou e o homem-besta a ergueu, e eles se beijaram, famintos, sentindo seus corpos se fundindo e renovando a certeza de que ela era dele e sempre seria, e por isso precisava dele dentro, jorrando sua seiva fundo, mesmo que seu ventre já estivesse ocupado, mas para o deleite dele e dela, pois ela sabia o tanto que aquele centauro se deliciava em esporrar com ela, e ela agora entendia a diferença brutal que era gozar com a seiva dele em seu útero ou com a boca de Eralógon em seu clitóris. Se libertou de seus braços e foi para debaixo dele, se posicionando com a bunda arrebitada, uma das mãos se apoiando na para dianteira da direita, a outra se esticando pelo seu dorso para encontrar seu pênis enorme, que posicionou na entrada da sua boceta diminuta, fazendo-o acertar a penetração sem demora, e quando entrou ela teve um orgasmo imediato, mas também gritou de dor, um grito tão alto que a fez acordar.

Atrás dela, a pedra, mas agora era noite e ela deve ter dormido por toda a tarde e não conseguia dizer o tanto de noite. As brumas haviam se desfeito na realidade e agora só havia frio e o grito, que não era dela, mas vinha da mata à frente, perto demais para que ela se sobressaltasse. Era o grito de uma mulher, mas não parecia ser sua mãe, e mesmo assim ela reuniu suas forças para se levantar e correr naquela direção. O sonho com seu pai parecia ter renovado suas forças, a garganta já não picava e ardia como antes, e algum ímpeto acendeu dentro dela, apesar da neve que deixava tudo úmido e enlameado, e ela se forçou a andar, a ignorar a vontade de continuar no sonho e descobrir quem gritava e por quê.

A mulher gritava sem parar, num fôlego que denunciava o terror que sentia, e Beza estava cada vez mais perto, a mão direita apertando a faca de caça, a esquerda se apoiando nas árvores ou chão conforme ela andava ou rastejava por debaixo de galhos, até que ultrapassou um tronco coberto de musgo congelado e viu a mulher no chão, o rosto sangrando e as mãos levantadas para impedir que o homem sem orelha conseguisse penetra-la com seu membro ereto, rosnando e praguejando enquanto tentava abrir as pernas da mulher e afastar suas mãos. Ele teria conseguido, não fosse a lâmina que deslizou por sua garganta, abrindo uma boca escancarada de sangue e terror, que tingiu a noite escura de negro-vermelho, e a mulher parou de gritar.

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⏰ Última atualização: 2 days ago ⏰

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