➋. ℛ𝓊ί𝓃𝒶𝓈 ℯ 𝓇𝓊𝓃𝒶𝓈

40 4 4
                                    

Calíope perdeu o pai aos onze anos. Depois disso, a família iniciou o que seria um longo período de luto. Para a mãe, a tristeza veio mais intensa, como se a morte do marido a tivesse levado a uma conclusão absolutamente macabra. Mas nem por isso Lilly deixava de sofrer, tendo que lidar com a dor de perder um dos amores de sua vida ainda na infância e sendo preenchida por uma solidão indizível. Alice também não ajudava muito, com o suceder silencioso dos dias em que nada mudava em sua atitude e a sombra em seus olhos parecia crescer. Seu olhar era de alguém que temia continuar vivendo por acreditar que isso poderia trazer uma desgraça ainda maior.

Nos meses que se seguiram, a maior companhia de Lilly era a gata da família, Imperatriz, que havia assumido uma personalidade completamente diferente. Antes, evitava a todo custo as mãos humanas e coexistia com a família quase como se fosse uma entidade a parte. Agora, esfregava-se em todos, como fazia ao pedir uma boa porção de comida, forçando-os a reagir com um carinho quase agressivo.

Na escola, os rumores envolvendo os Braga e bruxaria voltaram a aflorar, e as situações de bullying começaram a ficar cada vez mais frequentes. Não ajudou quando os poderes de Calíope despertaram: o chão tremia sempre que ela se enchia de raiva, e o vento ficava forte toda vez que sentia vontade de fugir. Pior ainda foi quando um surto de gripe atingiu os alunos de sua sala, espalhando boatos por todos os cantos. Para evitar todo aquele fuzuê, Lilly decidiu se enfurnar na biblioteca e devorar livros e mais livros, de preferência aqueles em que os protagonistas tinham um final feliz. Às vezes nem ia para a escola; passava o dia inteiro vivendo no bosque, fingindo ter uma vida menos melancólica.

Dona Hilda, a bibliotecária, era provavelmente a única no colégio que se compadecia com a garota. Ao olhar para Lilly, seus pensamentos eram: "Tadinha, ficou órfã e ainda tem que lidar com toda essa palhaçada". Se Calíope percebesse sua pena, ela imediatamente pararia de frequentar a biblioteca, porque simplesmente não suportava dó. Por sorte, dona Hilda era muito boa em esconder seus sentimentos e fazia o possível para deixar a garota confortável, sem dar a impressão de que estava sendo bondosa, mas apenas porque era de sua índole agir assim.

Um vínculo entre as duas começou a se formar, e uma amizade floresceu. Mas tão logo a conexão se firmou, foi forçada a se afastar.

Em uma sexta-feira, sem aviso prévio, Alice foi chamada à escola. Irritada, a mãe imaginava em que tipo de confusão a filha havia se metido. Ao entrar na diretoria, encontrou Calíope já sentada, com uma expressão confusa. A diretora, então, começou com um enrola-enrola, blablablá, que tinha um abaixo-assinado, e não sei o que, que as famílias estavam inseguras de enviar os filhos para a escola, que o ambiente tinha se tornado hostil. Enfim, um pápápá inteiro só pra concluir:

- Por este motivo, optamos por expulsar sua filha da escola.

Calíope esperou por um protesto, um barraco da mãe nos segundos seguintes. Qualquer coisa, porque ela mesma já estava enfurecida com toda aquela situação. Mas, conforme o tempo passava, o silêncio permanecia. Ela olhou para a mãe, indignada, apenas para encontrar conformidade.

Não que ela gostasse do colégio, ou que estivesse satisfeita com o que vivia lá, mas Lilly suportaria aquela experiência mil vezes só para, um dia, jogar na cara de alguém que havia conseguido, que havia persistido. Desistir seria dar prazer ao inimigo. E era isso a única coisa que sua mãe vinha fazendo.

- Ok - respondeu Alice, com frieza, esperando a diretora concluir o raciocínio antes de sair dali. Quando isso aconteceu, ela deu cabo de uma caminhada em silêncio para a porta e, posteriormente, junto de sua filha, atravessou o pátio e o portão de entrada, até finalmente encontrar o carro. Durante todo o trajeto,  atmosfera se encontrava carregada pelo estresse,  tensão e decepção. No veículo, a caminho de casa, a menina, que permanecia furiosa e confusa invariavelmente, desabafou:

Calíope BragaOnde histórias criam vida. Descubra agora