Tempestade.

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O sol nasceu no Dendê, mas trouxe com ele um peso insuportável. As ruas estavam inquietas, tomadas por um silêncio atípico. Não era a celebração da vitória de Fontes que dominava o morro. Desta vez, as atenções estavam voltadas para as manchetes dos jornais e os noticiários que ecoavam em todas as casas, becos e bares.

"Charles Dubois brutalmente assassinado no Dendê.
Ativista e fotógrafo internacional encontrado morto sob circunstâncias brutais."

A imagem de Evandro estampava todas as telas, sua face marcada pela brutalidade das acusações. O mundo inteiro agora olhava para o Dendê, pedindo justiça para Charles.

Na casa de Sara, o silêncio era sufocante. Sentada no sofá, o controle remoto em sua mão trêmula, ela passava os canais compulsivamente, sem realmente prestar atenção. Seu rosto estava pálido, refletindo o peso de tudo que estava acontecendo. A vitória de seu pai não trouxe alívio, apenas um medo avassalador.

A notícia da morte de Charles era como um grito abafado, mas que reverberava em cada canto. O Dendê havia se tornado o epicentro de uma crise internacional, e Sara sentia o caos se aproximando como uma tempestade inevitável.

Enquanto a televisão sussurrava manchetes incessantes, passos pesados ecoaram pelo pequeno corredor. Wilbert apareceu no limite da sala, o rosto tenso e as sobrancelhas franzidas. Ele havia passado horas trancado no quarto, mas a urgência no ar o arrastou para fora.



— Precisamos conversar — ele disse, quebrando o silêncio opressor.

Sara levantou o olhar, sentindo o coração apertar.

— Eu sei... — murmurou, com a voz falha. — Eu vi as notícias sobre o Charles. Meu pai ganhou...


Wilbert se aproximou devagar, cruzando os braços enquanto a observava.

— Essa porra do gringo fodeu tudo, Sara. — Sua voz era dura, quase um sussurro, mas cada palavra carregava o peso de uma sentença. — A gente perdeu o controle.

— Wilbert... o que vai acontecer agora? — perguntou ela, quase num sussurro, embora já soubesse que a resposta seria pior do que imaginava.


Ele passou as mãos pelo rosto, exalando profundamente.


— Não sei exatamente, mas sei que você precisa sair daqui.

A incredulidade tomou conta dela.

— O quê? — ela recuou um passo, como se ele tivesse acabado de golpeá-la. — Eu não vou embora, Wilbert. Não agora!


Ele se aproximou mais dela, os olhos fixos nos dela, cada palavra saindo como um apelo.

— Escuta, Sara. A PF vai invadir o morro a qualquer momento. Eles vão atrás do Evandro, e quando não acharem ele, vão virar cada canto do Dendê de cabeça pra baixo. Se o Morelo te pegar aqui, ele vai te entregar de bandeja pro seu pai.


Sara balançou a cabeça, recusando-se a aceitar o que ouvia.


— Não posso fugir, Wilbert. Isso não vai resolver os problemas! — A voz dela já começava a se alterar, as emoções borbulhando como lava.


Ele suspirou, inclinando-se para a frente, os cotovelos apoiados nos joelhos.


— Isso não é fugir, é sobreviver. Eu já arrumei tudo. Você vai sair antes que as coisas fiquem piores.


— Piores? — ela gritou, sentindo a raiva subir. — Você acha que eu vou deixar você aqui, sozinho, pra enfrentar tudo isso?


Wilbert ergueu o olhar, claramente exausto, mas determinado.


— Então você quer fazer o quê? — Ele elevou a voz, o nervosismo transparecendo. — Ficar aqui e esperar seu pai te buscar?


As palavras dele bateram como um tapa, mas ela se recusou a recuar.


— Então vem comigo, Wilbert! — implorou, sentindo as lágrimas começarem a brotar. — A gente pode ir juntos, pra longe de tudo isso, antes que a polícia chegue.


— Não posso — ele respondeu firmemente, mas sua voz estava pesada, como se cada palavra fosse um sacrifício. — Não posso sair enquanto o Evandro não estiver seguro.


Sara explodiu.


— Foda-se o Evandro! Foda-se! — ela gritou, com lágrimas escorrendo pelo rosto. — Você vai ficar aqui pra ser preso ou morto? É isso que você quer?


Wilbert esfregou o rosto com as mãos, visivelmente dividido.


— Sara... eu não tenho escolha. Eu não posso sair agora, mas você pode.


— Eu não vou te deixar, porra! — ela respondeu, soluçando entre as palavras. — Você acha que meu pai não vai vir atrás de você? Ele vai, Wilbert! E você sabe o que ele faz com você.


Wilbert se aproximou, puxando-a para um abraço firme.


— Eu só quero que você fique segura — sussurrou, a voz falhando.

Sara sentiu a impotência tomando conta dela. Wilbert estava disposto a se sacrificar pela segurança dela, e isso a rasgava por dentro.


— Por favor, vem comigo... — ela implorou, enterrando o rosto no peito dele.


Ele não respondeu. Ficaram assim por alguns instantes, segurando-se como se o mundo ao redor estivesse desmoronando, o que, de certa forma, estava.

O mundo que ela havia criado, os planos que tinha com Wilbert estavam a um passo do abismo.

Impuros - Nossa Liberdade.Onde histórias criam vida. Descubra agora