Decisões Sob Pressão.

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Sara estava em pé na sala, com o rosto enterrado entre as mãos. O silêncio sufocante era interrompido apenas pelo som abafado dos passos de Burgos, que andava de um lado para o outro, inquieto. Ele tinha chegado havia poucos minutos, trazendo notícias que viraram o mundo de Sara de cabeça para baixo.

— Vai ser assim, Sara — ele disse finalmente, parando e a encarando com firmeza. — Wilbert vai ser transferido para o Nordeste.

Ela ergueu a cabeça, os olhos fixos nele, tentando decifrar a gravidade da situação.

— Quando?

— Em dois dias. Talvez três, se houver atraso na logística.

O ar pareceu sumir do ambiente. Dois dias. Isso não era tempo suficiente.

— Por quê? — A voz de Sara carregava frustração, quase beirando o desespero. — Ele está machucado, Burgos! Ainda se recuperando. Como podem fazer isso?

Burgos cruzou os braços, sua expressão cansada evidenciando o peso da situação.

— Você sabe como as coisas funcionam, Sara. — Ele suspirou. — Wilbert já era um alvo aqui. Os conflitos internos e as pessoas que mandam lá dentro não querem ele por perto. Transferi-lo para o Nordeste é a maneira mais conveniente de resolver o problema.

Sara bufou, os nervos à flor da pele.

— Nordeste... — murmurou, enquanto passava as mãos pelos cabelos em um gesto de frustração. — Isso vai arruinar tudo.

— Eu sei — admitiu Burgos, com um tom sombrio. — Mas tem mais uma coisa.

Ela o encarou, os olhos estreitos.

— Mais problemas?

— É sobre você. — Burgos abaixou o tom de voz, como se temesse ser ouvido. — A queixa do seu pai... é sigilosa. Apenas a polícia tem conhecimento. Pelo que eu soube, ele não quer que ninguém saiba que você roubou dele.

Sara explodiu.

— Imbecil! — gritou, a raiva borbulhando no peito. — Ele quer me destruir, mas manter a imagem dele intacta. Que homem patético!

Burgos ergueu as mãos, tentando acalmar a situação.

— Olha, Sara, a gente precisa de foco agora. A polícia não vai esperar. Se te prenderem antes de resolvermos isso, você não vai conseguir ajudar o Wilbert.

O peso das palavras de Burgos a atingiu em cheio. Ela sabia que ele tinha razão, mas a raiva que sentia por seu pai e o medo por Wilbert a deixavam em um turbilhão emocional. Precisava de um plano, e precisava rápido.












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O quarto estava mergulhado em penumbra, iluminado apenas pelo fraco brilho da luminária no canto da escrivaninha. Sara estava sentada na cama, as pernas cruzadas, os olhos fixos em um ponto no chão. A mochila pronta ao lado da porta parecia pesar mais que o mundo.


Ela respirou fundo, fechando os olhos por um momento. As últimas semanas passaram como um borrão: o roubo ao pai, a descoberta de Wilbert no Dendê, a prisão, a aliança com Burgos, e agora essa transferência inesperada. Cada decisão parecia arrastar Sara para um abismo mais profundo, mas, ao mesmo tempo, ela não conseguia parar.


"Onde foi que tudo começou a dar errado?" pensou, mordendo o lábio. A resposta estava clara: seu pai. Não apenas pelas acusações, mas pela vida inteira. A pressão, as cobranças, a constante necessidade de provar que era mais do que um reflexo das expectativas dele. Roubar a empresa não foi um ato de vingança, mas uma tentativa desesperada de se libertar. Ainda assim, essa liberdade custava caro.

Ela abriu os olhos, encarando a mochila.

Ir para o Nordeste parecia a única opção sensata agora. O Rio de Janeiro estava saturado de perigos: a polícia, a vigilância de seu pai, as intrigas que cercavam Wilbert. No entanto, o Nordeste era um território desconhecido. Um lugar onde os problemas podiam assumir outras formas, talvez ainda mais perigosas.

"Mas, pelo menos, lá terei uma chance de respirar."

Os pensamentos de Sara vagaram até Wilbert. Ele era um homem marcado pela dor e pela violência, mas, mesmo assim, ela viu algo nele que poucos enxergavam: um desejo de sobreviver, de resistir. Ele confiava nela. Ela o amava, ela não iria abandoná-lo.

Ela se deitou na cama, encarando o teto, enquanto uma onda de exaustão a invadia. O peso das escolhas que fizera parecia esmagá-la, mas, ao mesmo tempo, havia uma chama pequena, quase imperceptível, que ainda ardia dentro dela. Uma teimosia, uma vontade de provar que podia sair dessa.

O Nordeste não seria um recomeço, Sara sabia disso. Seria um intervalo. Uma oportunidade de recuar, avaliar suas opções e, quem sabe, planejar os próximos passos.

Ela fechou os olhos e tentou ignorar o medo que sussurrava no fundo da mente: o que aconteceria se as coisas desmoronassem ainda mais?

Por fim, permitiu-se um pensamento de esperança. Talvez, longe do alcance sufocante do pai, ela pudesse encontrar um momento de paz. Talvez, no Nordeste, ela pudesse encontrar respostas.

O silêncio no quarto era quase ensurdecedor quando Sara sussurrou para si mesma:

— Vou sobreviver a isso. Não importa o que aconteça.

Ela não sabia se acreditava nessas palavras, mas, por ora, era tudo o que tinha. Amanhã, deixaria o Rio de Janeiro para trás. Com Wilbert, com seus erros e, talvez, com a possibilidade de uma nova direção.

Impuros - Nossa Liberdade.Onde histórias criam vida. Descubra agora