Rendição

135 17 1
                                    

Rafaella Kalimann

Quando saí do quarto, sentia meu coração pulsando tão rápido que parecia ecoar pelo corredor silencioso. Minhas mãos ainda tremiam levemente, e o gosto do beijo de Bianca ainda estava nos meus lábios. O que acabara de acontecer era mais do que eu conseguia processar. Encostei na parede ao lado da porta, fechando os olhos, tentando organizar os pensamentos que vinham como uma avalanche.

Eu pensava em Emily, naquela conexão quase inexplicável que sentia desde o momento em que a vi pela primeira vez. Ela me tocava de uma forma que eu não conseguia entender completamente, mas que me parecia tão familiar. Talvez porque, no fundo, ela representasse algo que eu havia perdido. O bebê que nunca tive a chance de segurar, de proteger. Aquele pedaço de mim que partiu cedo demais, deixando um vazio que nunca consegui preencher.

Eu nunca vi, nunca soube se seria menina ou menino. Mas senti a perda de forma devastadora, como se uma parte do meu futuro tivesse sido arrancada de mim. Por anos, enterrei essa dor e tentei seguir em frente, acreditando que ela estava sob controle. Eu me perguntava se era justo. Se era certo eu transferir para Emily um amor que nunca tive a chance de dar ao meu próprio filho, como se estivesse tentando preencher esse vazio ao usá-la, mesmo sem intenção.

E, então, havia Bianca. Tão forte, tão resiliente, mas, ao mesmo tempo, tão vulnerável diante da dor de ver que sua filha não estava bem. Havia algo nela que me desarmava completamente. Não era apenas a maneira como ela enfrentava tudo de cabeça erguida, mas também as pequenas fragilidades que deixava transparecer quando estávamos sozinhas. Era como se, naquele espaço entre nós, ela confiasse em mim. O jeito como ela olhava para mim, como se eu fosse uma âncora em meio ao caos, fazia meu coração acelerar de um jeito que eu não sabia explicar. Talvez fosse o jeito que ela sorria, mesmo em meio às lágrimas, ou o som da sua voz, sempre carregado de tanta paixão pela filha. Ou talvez fosse o fato de que, com ela, eu sentia que poderia ser completamente eu mesma.

Com Bianca, tudo parecia diferente. Era mais do que conexão; era um sentimento que me assustava pela intensidade, mas que também parecia inevitável. Como se, de alguma forma, ela já fosse parte de mim, mesmo antes de eu perceber isso.

E agora, o beijo. Tão intenso, tão natural. Não era algo planejado, e, ainda assim, parecia inevitável. Eu queria resistir, mas a verdade é que já estava rendida há muito tempo. Meu noivado com Rodolffo parecia um compromisso distante, algo que existia apenas no papel e na formalidade. Ele não fazia ideia do que estava acontecendo na minha vida, do turbilhão de sentimentos que eu estava vivendo. Quando foi a última vez que realmente conversamos? Que realmente fomos um casal? Eu nem sabia mais.

Depois do beijo, tudo parecia ter mudado para mim. O mundo ao meu redor parecia girar mais devagar, como se eu estivesse vivendo dentro de um sonho. Algo dentro de mim havia se transformado, e por mais que tentasse ignorar, sabia que não havia mais volta. O que aconteceu entre Bianca e eu, aquele momento de pura entrega, era algo que eu não conseguia explicar. Mas a sensação que ficou foi avassaladora, e eu não sabia mais como me sentir em relação a tudo.

Foi nesse estado de incertezas e sentimentos conflitantes que cheguei ao hospital no dia seguinte. Emily parecia melhor, mais animada, mais viva, com a energia renovada pelas visitas e presentes que chegavam a todo momento. Cada brinquedo, cada palavra de carinho a fazia sorrir mais, e a esperança se instalava lentamente em seu olhar.  

O fluxo de visitas naquele dia parecia interminável. Manu apareceu com um grande pacote de brinquedos educativos, ficando com Emily por horas, contando histórias e fazendo a menina rir. Os pais de Bianca também estavam lá, oferecendo um abraço caloroso e palavras de apoio. Os últimos exames que fizemos mostraram que Emily estava reagindo muito bem ao tratamento, então decidi dar alta para ela, claro, com algumas condições. Foi no momento certo, pois todos estavam no quarto quando entrei para dar a notícia.

Porque Eu Te AmoOnde histórias criam vida. Descubra agora