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Marina

Os dias seguintes àquele encontro com Lamine em Londres foram marcados por uma sensação de paz inesperada. Eu pensava nele, claro. Mas não de uma forma que me fizesse voltar atrás. Ele já não fazia parte do meu presente. No entanto, o que ele havia dito — que eu estava vivendo a vida que sempre mereci — ecoava em minha mente. Será que finalmente eu estava livre de tudo aquilo? Ou ainda havia algo não resolvido, um pedaço de mim que ainda se prendia ao passado?

Em cada passo da turnê, o ballet me dava respostas que eu não sabia que estava procurando. O palco era o meu refúgio e, ao mesmo tempo, o espelho que refletia a minha evolução. A dança era meu próprio diálogo com o mundo. As emoções que me invadiam, a dor, a alegria, a liberdade — tudo se transformava em movimento, em poesia, algo que ninguém mais poderia roubar de mim. Eu era dona do meu corpo, da minha arte, da minha história.

Naquela noite, depois do último espetáculo em Londres, fui caminhar pela cidade. O vento gelado cortava a pele, mas a sensação era revigorante. Eu não estava sozinha, mas algo dentro de mim sentia que ainda precisava de um espaço para processar tudo o que tinha acontecido, para dar a mim mesma o tempo que sempre estive sem.

E então, sem mais nem menos, lá estava ele novamente. Lamine. Na esquina da rua, parado, como se me esperasse. Seu olhar parecia fixo, mas ao mesmo tempo distante, como se ele estivesse preso em um lugar onde a realidade e a memória se confundem. Fiquei em silêncio, observando-o. Ele também me viu, mas não se moveu. O que ele queria agora? O que mais poderíamos compartilhar?

-Marina- sua voz era baixa, quase um suspiro. Mas não havia dor nela, apenas uma suave aceitação. Ele parecia mais sereno, como se também estivesse se libertando de algo, ou talvez de alguém.

-Oi-eu disse, me aproximando devagar. -O que aconteceu com você?-

Ele sorriu de forma triste, mas a tristeza não era pesada. Era a tristeza de alguém que finalmente entende que a vida é feita de ciclos, e que às vezes precisamos deixar ir o que nos prende para poder seguir em frente.

-Eu... não sei o que fazer agora-ele disse, e, pela primeira vez, parecia completamente vulnerável, como se estivesse compartilhando com alguém que realmente entendia. -Sinto que o tempo passou e eu não sou mais quem eu era, mas não sei ainda quem estou me tornando.-

Eu o olhei, sentindo uma leveza estranha em meu peito. Não era pena, nem compaixão. Era algo mais profundo, mais humano. -Eu entendo- respondi. -Eu também me sinto assim às vezes.-

Por um momento, ficamos em silêncio, o som do vento preenchendo o espaço entre nós. O que quer que houvesse entre nós dois, parecia que finalmente estava se dissipando, deixando-nos apenas como duas pessoas que, no fundo, nunca tinham deixado de se importar, mas que agora estavam prontas para seguir em frente.

-Eu não sei o que você quer ouvir-disse ele, finalmente quebrando o silêncio. -Mas eu sinto que precisava te dizer isso. Eu... ainda me lembro de nós dois, Marina. Não sei se isso ajuda em alguma coisa.

Eu o observei por um longo momento, analisando o que ele estava dizendo. -Acho que, no fim, todos nós ficamos com as memórias que nos fazem crescer. Eu... não posso voltar para o que éramos. Mas posso olhar para trás sem dor.

Ele assentiu, e algo em seu olhar me disse que ele compreendia completamente. Ele não estava mais tentando me convencer de nada. Estava apenas me mostrando que, assim como eu, ele também estava tentando se libertar.

Nos despedimos com um simples aceno de cabeça, cada um com seus próprios pensamentos, mas sem mais nenhuma necessidade de respostas. O passado era, de fato, passado. E nós dois sabíamos que era hora de seguir adiante.

Lamine

Eu sabia que, ao ver Marina, algo mudaria. Eu não esperava que fosse tão claro, tão definitivo. Ela estava diferente, e talvez eu também estivesse. Eu não podia mais olhar para trás e esperar que as coisas se resolvessem sozinhas. A verdade é que o que tínhamos já havia se transformado, mas ainda havia algo em mim que se recusava a admitir. Não era nem um amor, nem uma obsessão. Era a necessidade de resolver algo que ficou pendente, algo que eu precisava liberar para me encontrar de novo.

Quando olhei para ela pela última vez, eu vi mais do que a garota de quem me lembrava. Vi uma mulher que se tornou forte, decidida, que havia encontrado seu caminho, sem precisar de mais nada para se afirmar. Ela não precisava mais de mim para brilhar. E isso, de alguma forma, me libertou. Porque, no fundo, eu sabia que a única pessoa que poderia mudar a minha vida era eu mesmo.

Chiara tinha percebido minha distância. Eu sabia disso. E, por mais que tentasse dar-lhe o que ela precisava, não conseguia mais ser a pessoa que ela merecia. Eu já não sabia mais quem eu era ao lado dela.

Agora, mais do que nunca, eu precisava enfrentar a verdade. Eu precisava encarar o fato de que, para seguir em frente, eu precisava deixar o passado onde ele pertencía. Deixar Chiara, deixar Marina, deixar tudo para trás. E, quem sabe, então eu poderia finalmente encontrar meu próprio caminho.

Eu não sabia para onde iria, mas sabia que o primeiro passo era deixar de ser prisioneiro de minhas próprias memórias. O segundo, talvez, fosse acreditar que ainda poderia me reinventar. E, quem sabe, um dia, ser capaz de olhar para trás e ver tudo com o mesmo distanciamento tranquilo que agora sentia quando pensava em Marina.

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⏰ Última atualização: 6 days ago ⏰

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Leal-Lamine YamalOnde histórias criam vida. Descubra agora