1. Encantamento

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Ano de 2014

Na voz de Cristal,

As vezes tenho dificuldade para dormir. Quando isso acontece, geralmente eu invento histórias na minha cabeça, até o sono aparecer. Dragões, feiticeiras, poções mágicas, bruxas poderosas que vão salvar o mundo... eu sou uma delas, é claro!

Dizem que tudo que a gente deseja, se pedirmos com o coração, o Universo nos atende. Será? O Universo ouviria uma pirralha miseravelmente chata como eu?

Bom... Tentar não é perdido, porque de qualquer forma, o não, todo mundo tem. Mas, o que o Universo deseja mesmo, e nos ver arrastando atrás da humilhação. 

Então tá! Se há alguma maneira de me afastar dessa palhaçada de amor, eu me humilho. Porque sempre que vejo minha irmã mais velha se partir em mil pedaços a cada término e chorar feito uma louca, como se o mundo fosse acabar, mais certeza tenho de quão insuportavelmente monótono é o amor.

E a noite de hoje me parece estar propícia para pedir algo. A lua está cheia e nem está tão calor em Goiânia. E afinal, não estou sempre dizendo que sou uma bruxa poderosa?

Olhei para os apetrechos que espalhei sobre minha cama. Uma tesoura, cola branca, revistas, lápis de cor e um pedaço de cartolina.

Tentei imaginar um rosto por vários ângulos. Os olhos deveriam ser escuros – olhos claros são mutações, meu professor que disse isso. Folheei umas cinco revistas até encontrar um modelo estampado na página. O formato dos olhos não era exatamente o que havia imaginado, mas a cor era parecida. Recortei e colei na cartolina.

E o nariz? Esse tem que ser perfeito, porque narigudo, Deus que me livre! Tem que ser perfeito... Contive um suspiro.

Voltei a atenção novamente para a pilha de revistas, vasculhando impacientemente até encontrar o nariz, que na minha concepção, era perfeito. Recortei e colei logo abaixo dos olhos. Mantive meu olhar fixo no papel por alguns instantes.

Provavelmente, minha irmã ainda estava sofrendo e chorando... eu sabia. E foi só me lembrar disso que voltei a me concentrar na minha tarefa.

Agora eu precisava da boca e me demorei um pouco imaginando como ela seria. Lábios cheios, mas de traços finos, nada de boca chulapada. De novo eu revirei aquelas revistas até encontrar uma que se parecesse com a que minha mente criou. Recortei e colei abaixo do nariz.

Agora era a vez das sobrancelhas.

Seriam negras e espessas, mas bem delineadas. Mais pilhas de revistas... colagem pronta e passei para os cabelos. Teriam que ser escuros, lisos, cobrindo a nuca e jogados um pouco para o lado – como se fosse penteado ao acaso e não aquele cabelo certinho, lambido, parecendo que foi a vó que penteou... credo!

Pronto. Tudo que um rosto precisava estava ali naquele pedaço de papel. Mas aquilo parecia tão comum. Era a vez dos lápis de cor entrar em ação.

Com cuidado contornei a colagem dos olhos, até que pegassem o formato que eu havia imaginado — grandes, mas ligeiramente puxados para o alto no canto esquerdo. Passei o lápis preto nos cílios para que ficassem grandes e espessos e depois fiz o mesmo com as sobrancelhas, e só parei quando vi que elas acompanharam com perfeição o desenho dos olhos.

Mas ainda faltava algo... Os olhos não tinham o brilho que eu imaginei.

Com o lápis cinza colori um pouco em volta das íris. Os olhos ficaram bem negros, mas era como se houvesse uma luz dentro deles. Passei levemente o lápis vermelho na colagem da boca, até atingir um tom rosa avermelhado.

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⏰ Última atualização: 5 days ago ⏰

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