27.1 - Antigas e novas experiências

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Alison

A impressão que tinha era de que havia piscado e já era domingo.
Ou seja, a festa do Preto e Branco.
Este era sempre um dia estranho para mim, mesmo que tivesse participado de todas as quatro edições do evento.
Era irônico, mas toda a ideia de sempre comemorar os aniversários da Heaven's com este tema se deu pelo completo fiasco que foi o primeiro deles.
A maioria das pessoas que Kat havia chamado para puro suporte, não vieram, e os clientes que apareceram por conta própria, só estavam interessados em saber "quais eram as promoções de aniversário do mercadinho", ou algo assim.
Porque, no início de tudo, esta era a vibe que a Heaven's transpassava: comercialmente trivial. Pouco depois que nos conhecemos, eu mesma havia dito para Kat a exata frase "que legal, você tem um supermercado!".
O que não era exatamente um problema, poderia se tornar lucrativo eventualmente, mas não era o que Kat sonhava. Não havia entretenimento, não haviam produtos que ofereciam muito mais do que sua utilidade, não haviam marcas que quisessem se associar... Mas o que havia, desde o primeiro aniversário da Heaven's, era um quadro de zebras que pintei e lhe dei de presente e que Kat havia escolhido pendurar em um canto destacado dentro do comércio.
O espaço era muito menor na época e, acredito eu, que este tenha sido o segundo principal fator pela coisa ter chamado tanta atenção das poucas presenças do dia, que perguntaram inúmeras vezes se ele estava à venda.
O primeiro fator, com certeza, era pelo quadro, basicamente, representar a única faísca de criatividade dentro do local e, esta era a coisa sobre a arte que sempre me fascinou: você sendo o público alvo ou não, em algum momento, de alguma forma, ela terá o seu interesse.
Lembro de me sentir mal aquele dia, nunca gostei de perceber que a dedicação alheia não era apreciada, mas minha melhor amiga permaneceu otimista durante a festa toda, dizendo que era esperado pouco movimento no primeiro ano e que "cada passo sempre contava".
No final daquele mesmo dia, com todas as suas frases de incentivo em mente, ela me convidou para ser sua "sócia criativa" no local, explicando que isso somente significaria que eu teria o aval para enfeitar e inventar o que quisesse para o benefício da Heaven's, e ela se concentraria apenas em financiar minhas ideias e em fazer o que havia estudado para fazer, que era administrar o lugar em busca de evolução.
Eu neguei de prontidão.
Nunca na minha vida almejei assumir uma responsabilidade desse tamanho. E eu também apenas acreditava que o sucesso chegaria nos termos de Kat, sem a ajuda de ninguém.
Entretanto, o pensamento profissional dela sempre esteve a milhas de distância, dizendo que era isso que um empresário fazia, ele contratava experts em outras áreas para fazerem o que faziam de melhor e investiam neles.
Mas eu ainda estava na faculdade na época, então continuei a negar, era demais para lidar.
Só que, então, o seguinte argumento foi utilizado:
"— Você é a autora da única coisa que as pessoas apreciaram no meu comércio hoje. Negar sua criatividade para mim agora, é a mesma coisa de me dizer para desistir de tudo e fechar as portas."
E então, sob coação, eu aceitei.
Mas, com o pretexto interno de deixar essa ideia para trás no segundo em que as coisas decolassem por si só, porque eu sabia que elas iriam e até hoje acreditava nisso. Não importa quem Kat contrate, ninguém era mais capaz, inteligente e dedicado do que ela.
Porém, surpresa, no primeiro dia útil da semana seguinte à festa, Kat me ligou dizendo que havia acabado de contratar uma equipe completa de reforma e reestruturação que só estavam esperando a minha presença, meus projetos e meus comandos para começarem a trabalhar para dar uma cara nova a Heaven's.
Compareci, mas não consegui pensar em nada. Sequer sabia por onde começar. Enquanto isso, Kat continuava no meu ouvido, me incentivando a fazer o que eu quisesse fazer, mas, mesmo não me sentindo muito segura, apenas comecei a falar sobre cores, porque sempre foram estas minhas opiniões estéticas sobre tudo: mais cores, faltam cores, adicione mais cores...
Só tive coragem de começar a usá-las em mim mesma depois que um certo rockstar viu "potencial" em mim e me disse para ser mais orgulhosa, mas este sempre foi o meu gosto. Cores alegres e vivas, estampas que enchiam os olhos e faziam todos se sentirem perdidos, sem saberem o que olhar primeiro.
Foi no que a Heaven's se tornou e, de alguma forma, mesmo com apenas um mínimo balcão reservado a vendas de bolos e tendo DVDs antiquados como nosso produto mais "procurado", as pessoas pareceram começar a se interessar mais em pelo menos entrar e ver o que acontecia aqui dentro. Foi como um farol brilhante, buscando por todas as atenções.
Então, patrocínios começaram a aparecer aqui e ali, comecei a me sentir mais a vontade para apresentar ideias de produtos a Kat, a clientela foi exigindo mais e mais espaço e... quando percebemos, um ano havia se passado e já era aniversário da Heaven's novamente. Kat imediatamente deixou os preparativos nas minhas mãos e estávamos certas de que muito mais pessoas apareceriam desta vez, mas, àquela altura, o local já se parecia com um arco-íris, de tantas cores, então só o que consegui pensar para diferenciar foi em homenagear as raízes. Ou seja, as zebras.
Hoje, a festa do Preto e Branco era um evento privado e extremamente requisitado. Pessoas do alto escalão apareciam para ver enfeites de zebras para todos os lados, para comer cupcakes com cobertura negativa ou positiva, tomar bebidas diferenciadas feitas por barmans que conheciam variedades estimadas de drinks monocromáticos e, principalmente, para obedecer à risca o código de vestimenta que vinha descrito literalmente como "use o que quiser, contanto que seja preto e/ou branco".
E era um sucesso! O simples fluxo de pessoas, a atenção e o consumo que ele trazia já eram mais do que o suficiente para os negócios permanecerem nas alturas, mas também os produtos a parte que não faziam parte da festa e, basicamente, todos os negócios singulares dentro da Heaven's se beneficiavam disso e muito. O que, automaticamente, significava benefício para Kat e eu, e só vinha melhorando a cada ano.
Então, é... a festa do Preto e Branco era uma grande coisa e pouquíssimos empresários que começaram independentes, como Kat, podiam dizer que obtinham tanto sucesso assim, com ou sem comemorações específicas, em menos de cinco anos.
Resultado? Nós duas constantemente jogando méritos nas costas da outra até o fim dos tempos.
Mas, por hora, estávamos felizes concordando em discordar.
— Nossa, olhe só pra você! — minha melhor amiga exclamou assim que apareci pela entrada de funcionários, logo correndo para se aproximar. — Fazia tempo que não te via de calças, elas ficaram ótimas em você!
Sorri com o elogio, checando minhas próprias roupas; estava com uma regata de seda branca e alças finas, usando calças de listras verticais cor sim, cor não, que havia improvisado hoje à tarde, um par tradicional de All Stars e... era isso. Não havia nada demais. Na verdade, enquanto descia as escadas, percebi que estava vestida perigosamente semelhante ao que sempre usava no passado e quase subi de volta para trocar de roupas, mas... eu não havia costurado um só vestido que não parecesse ter sido vomitado por um circo, então apenas me resignei com o que tinha.
Mas eu não era única que estava me diferindo dos meus gostos, Kat, que geralmente era muito adepta a tons claros e minimalistas, estava parecendo uma estrela do rock dentro do tubinho preto sem alças que havia escolhido. Os saltos enormes e alguns acessórios um tanto quanto pesados, apenas fizeram completar seu look.
Contudo, não importava o que vestisse, ela sempre acabaria se parecendo com a própria Afrodite. Eu é quem não podia arriscar tanto.
Kat e eu ainda estávamos nos enaltecendo, com nossas mãos dadas, muito fixas uma na outra, quando abruptamente fomos interrompidas e separadas por Diana que, saindo não sei de onde, se meteu entre nós duas, me abraçando com força exagerada pelos ombros.
— Ah, que saudades de você, queridinha! Nunca mais apareceu nos jantares de família, o que você tem feito?! — exclamou tudo de uma vez, logo se afastando tão abrupta quanto chegou, para me colocar sob escrutínio minucioso com o sorriso estático. — Você... diminuiu?
— Não, você quem cresceu, Di — Kat ironizou, me resgatando do aperto mortal que suas unhas me mantiveram presa. Ela afagou meus braços perfurados.
Diana soltou aquela risadinha que sempre me lembrava de um pássaro "risonho" da Tasmânia que descobri existir em uma visita que fiz uma vez a um museu vivo. Era forçadamente ritmada, um tanto quanto esganiçada, sempre acompanhada de algum gesto variado com as mãos e, com toda certeza, não alcançava os olhos.
Não chegava a ser irritante, apenas... curiosa de ver acontecer e sempre me fazia refletir; Kat havia me contado sobre a constante competição que seus pais haviam instaurado entre as duas desde que saíram das fraldas, por conta da "eterna busca pela excelência" enraizada no sangue dos Heaven e, obviamente, isso havia afetado o psicológico de ambas. Mas, minha amiga sempre reconheceu isso tudo e, depois de adulta, decidiu que não queria mais conviver com este tipo de pressão, então fazia o que podia para se envolver o mínimo possível com estes paradigmas e apenas viver sua vida da melhor maneira que podia.
Entretanto, Diana? Ela havia sido completamente imersa nesta condição mental, regrada pela personalidade passiva-agressiva que adotou, entre sarcasmos, lapsos de violência, histeria e risinhos caricatos. E, claro, também pela condescendência desconfortável. Eu não sabia que tipo de vida passou a levar depois que conquistou sua independência, só sei que, antes do incidente com o ex de Kat, eu sinceramente não sentia nada além de piedade pela alma dela, a muito tempo torturada e perdida.
— Você está uma coisinha fofa, como sempre, queridinha. — Deu um beliscão ardido na minha bochecha e, já treinada com ela, apenas fiz uma careta ligeira de dor, mas não forcei sorrisos ou tentei interagir com ela de maneira alguma. Ela não deixava.
E isso não era exagerar ou brincar, ela realmente não me deixa falar.
Em todos anos desde que conheci Diana e em todos os momentos isolados em que acabamos nos esbarrando, ela nunca me permitiu terminar uma só frase. Nunca entendi porque isso acontecia especificamente comigo, mas apenas cedi e não tentei questionar.
Não tinha nada de positivo para dizer a ela de qualquer forma.
Percebi quando alguém se aproximou ao lado de Kat e me virei para encontrar Blake, provavelmente saindo do mesmo canto onde antes estavam as outras duas.
— Oi, Alison. Você está muito bonita. — Sorriu para mim e eu devolvi, me surpreendendo um pouco com ele.
Não por estar aqui, mas... por estar usando branco. Eram suas roupas de sempre, mas em versões brancas. Os mesmos estilos de jeans e jaqueta que sempre usava e uma camiseta branca da Black Sabbath. Apenas as botas pareciam ser as de sempre, pretas, em estilo militar.
— Oi, Blay! Muito obri...
— Ah, você já conhece a amiguinha da Katrina? — Diana me atropelou, cutucando o braço de Blake, que, ao se virar de mim para ela, fechou a cara de um jeito tão duro e esgotado que não conseguiria imaginar sozinha que ele podia fazer.
Kat resolveu responder quando ele não o fez, já acostumada com as grosserias de sua irmã:
— Diana, eu te disse que foi por causa dela que a gente se conheceu.
— Ah, é! Você disse mesmo! — Mais da gargalhada de kookaburra¹. A mão estapeando o ar, o desespero velado no olhar... meu Deus.
Eu sempre esquecia do nível do estrago, até ter de encará-lo de novo.
Blake virou-se para Kat, mostrando seu celular.
— Eu vou lá fora, hm... esperar.
— Tá bom, até já.
Abriu mais um sorrisinho para mim e foi em direção a saída sem mais uma só palavra. Sua paciência já deveria estar no limite.
— O que ele v...? — comecei, distraída pela curiosidade, mas, adivinha só?
— Você ficou sabendo da grande notícia?! Ah, claro que ficou! — Diana estendeu sua mão esquerda, com seus dedos compridos muito bem esticados na minha frente, as unhas todas esmaltadas e cintilantes de dourado. Elas só não reluziam mais do que a joia pesada em seu dedo anelar, que era o que estava sacudindo para me mostrar.
— Sim, meus par...
— Você está mais do que convidada! Faço questão da sua presença, se a cabecinha oca da minha irmãzinha ainda não te convidou! — Semicerrou os olhos em direção a Kat, que apenas revirou os dela. — E traga aquele carinha que estava com você no ano passado, o... seu amiguinho.
Imaginei que estivesse falando de Evan, mas apenas sorri. Não teria a oportunidade de me certificar se era ele mesmo e muito menos tentar explicar que não estávamos mais tão próximos. Mas a verdade era que não importava.
Mesmo se hoje estivesse casada com Evan, ele nunca aceitaria me acompanhar no casamento de Diana. De todas as pessoas que, com razão, não a suportavam, Evan provavelmente era a que estava no topo. Sério, só era necessário mencionar o nome dela em alguma conversa e, mesmo no melhor de seus humores, ele decaia na hora em irritação. Sempre me perguntei o que exatamente ela havia dito ou feito para ele se sentir tão pessoalmente afetado, mas haviam certos assuntos que, ironicamente, ele tinha o mesmo hábito de Diana de somente me cortar, então não fazia muito caso.
— Aliás, onde ele está agora, o seu amiguinho? — Balançou seu cabelo loiro perfeitamente alisado num chanel de bico, olhando para todos os lados.
— Ele não v... — Eu sei, eu sei... era reflexo.
— Oh, irmãzinha! Você lembrou de chamar a Patricia este ano! Finalmente fez alguma coisa direito! — Ela literalmente deu um sonoro tapa no braço de Kat e saiu rebolando com habilidade admirável em seus saltos finos, acenando para tal Patricia.
— Graças a Deus, eu lembrei de chamá-la... — minha amiga murmurou, ainda acariciando meus braços.
— Não acredito que ela veio usando cinza de novo — comentei, vendo a saia de seu vestido frente única esvoaçar atrás dela.
— Eu nem tentei argumentar dessa vez. É como você disse: tirar algumas fotos e sobreviver a noite.
— Sim.
Minha amiga ficou de frente para mim, buscando pelos meus dedos nos seus.
— E aí? Caleb, já está chegando?
— Ah, ele não te avisou? Ele não vem, disse que estava se sentindo "indisposto". — Fiz uma cara confusa, encolhendo um ombro.
A expressão dela permaneceu a mesma, mas seu incômodo foi visível.
— Como assim, "indisposto"? Ele está bem?
— Acho que sim, ele não disse nada sobre estar passando mal, ou sobre dor... Ele parecia ótimo até ontem à noite. — Sorri um pouco, me lembrando da noite de sexta e do dia anterior, que passamos no meu loft jogando videogames, assistindo lives aleatórias no YouTube, dançando feito bobos agitados e fazendo qualquer outra coisa que desse na telha para nos divertirmos. Ele realmente estava bem. Até conseguiu me beijar de novo, quando se despediu. — Eu acho que ele só não está com muita vontade de sair em público por causa do rosto dele, sabe? Quero dizer, ainda é o Caleb e ele ainda se acha, mas, sei lá... deve ser desconfortável até pra ele as pessoas ficarem encarando — expus o que tinha especulado comigo mesma, quando ele disse que não viria.
A postura reta de Kat vacilou um pouco, quando ela murmurou sem me olhar nos olhos:
— Ou ele só está me evitando de novo. — Arqueei as sobrancelhas com sua teoria.
— Evitando? Como assim? Ele faz isso?
— Às vezes tenho a impressão que sim. Mas... não é nada demais, sabe? — Voltou com sua máscara alegre. — Só impressão mesmo.
— Caramba, eu nunca notei nada! Ele te ignora, ou algo assim?
— Não, não! Ele fala comigo normalmente... quando eu falo com ele. Mas não é nada! Acho que só... mal interpretei o nível de amizade com ele, ou algo do gênero. — Balançou a cabeça, como se dissesse para esquecer. Mas agora eu estava intrigada.
— Estranho... vou tocar no assunto depois, pra ver o que ele diz...
— Não, por favor, não! — clamou, os olhos esbugalhados, enquanto ria em nervoso. — Não precisa... de verdade. Eu estou bem! De repente é só uma impressão mesmo.
—... Ok, você quem sabe. — Não estava muito convencida, mas o incômodo era dela e só o cutucaria com a sua permissão.
— Agora, por falar em "tocar no assunto"... — Kat começou, um tanto quanto hesitante, suas mãos apertando as minhas um pouco mais. — Sutilmente... muito sutil... conversei com Blake sobre o que... ele ouviu. Na sexta. Na minha casa.
Arregalei os olhos, sentindo o terror me acometer.
— Kat, você não fez isso! — Minhas esperanças eram de que isso cairia no esquecimento, se esperasse o suficiente.
Nada! Ele não ouviu nada! — ressaltou com firmeza, antes de continuar: — Ou estava sendo muito discreto sobre isso, o que é o correto a se fazer, porque, amiga... independente de quem ele seja ou do que ouviu, era comigo que você estava falando. Então, está tudo bem! Ele tem educação e não vai te constranger.
— Ainda assim... — Meneei em negação, os olhos cerrados apenas com a iminência da vergonha.
— "Ainda assim", nada! Não é da conta dele e, obviamente, isso não fez a mínima diferença. Você não ouviu? Ele já chegou te elogiando. — Me deu empurrãozinho leve e eu tive de reprimir um sorriso.
— Bom, como você disse, ele tem educação — justifiquei, logo piscando e me lembrando da realidade. — Mas pare de falar desse jeito, é estranho! Ele é seu namorado agora.
A reação inicial de Kat foi, nesta exata ordem, piscar três vezes, franzindo as sobrancelhas bem feitas, para então piscar mais um pouco e, enfim, revirar os olhos, negando com a cabeça e uma careta.
— Não, Blake e eu não estamos namorando, Ali. Esqueci que você não me deixou esclarecer aquele dia.
— Kat, fala sério. — A encarei com tédio.
— Eu estou falando sério, somos só amigos.
— Com benefícios, só se for! — Se ela iria querer brincar com títulos, ela precisava saber que este existia para descrever a duas pessoas que ainda não haviam oficializado um namoro, mas estavam nos primeiros estágios dele.
E, de fato, ela não hesitou antes de assentir.
— Sim, benefícios! Tem sido muito benéfico para mim tê-lo me acompanhando em eventos de caridade e, não apenas me ajudando a doar, como também deixando quantias consideráveis de seu próprio dinheiro. Que, não sei se lembra, era tudo o que eu queria dele desde o começo. — Estava prestes a abrir a boca para discutir, mas ela continuou, reforçando: — E há muitos benefícios para ele também, eu tenho o incentivado bastante com a terapia por conta da aversão social e tenho tentado o ajudar com as divergências internas da banda, para que ele tenha condições melhores para voltar a trabalhar. Hoje mesmo conversamos bastante sobre isso.
Sorriu cordial, piscando com inocência fingida, e eu expirei, rindo. Por que ela estava fazendo isso?
— E é só? Não tem nada mais? Você não gosta dele e ele não gosta de você? — minha ironia duvidou.
— Ah, não, nós nos gostamos muito! Você estava certa desde o começo, amiga, ele é um cara incrível! Nunca pensei que um homem poderia ser um amigo tão leal, solícito e compreensivo para mim, e eu tenho certeza que ele diria coisas boas a meu respeito também.
Minha boca caiu aberta e muda, não acreditando no cinismo que estava presenciando. Qual era a necessidade disso?
— Kat, para com isso! Se vocês são só amigos, o que ele estava fazendo logo cedo na sua casa na sexta? — perguntei, desafiando-a a responder, enquanto cruzava meus braços.
No entanto, ela não teve a mínima dificuldade em imitar minha pose e explicar claramente:
— Estava comparecendo a uma reunião previamente marcada comigo para revermos alguns termos de um possível investidor futuro para a carreira solo que ele quer que eu gerencie. Quando acabamos, ele precisou verificar seu e-mail e fazer algumas ligações, como te expliquei, e depois você apareceu.
Corri meus olhos por sobre seu rosto estático e sólido.
— Nada disso nega a possibilidade de algo mais estar acontecendo.
— Não, mas o fato de que eu literalmente esqueci da presença dele na minha casa já representa o bastante. Você conseguiria se esquecer dele, Alison? Dentro da sua casa? — rebateu e eu me senti aquecer, não tendo como me defender com a verdade.
— Todo mundo já tá sabendo, Kat — foi o melhor que consegui para não dar o braço a torcer.
— Todo mundo já está sabendo do que quer saber. O que não torna nada verdadeiro.
— Eu vi vocês dois se abraçando — lembrei, engolindo em seco.
Minha amiga sorriu mais.
— Abraçando, como? Assim? — Ela me agarrou em volta dos braços, me dando um abraço de urso muito confortável, mesmo que para provar um ponto. — Estamos namorando, Alison?
— Kat, você entendeu o que eu quis dizer!
— Sim! Eu entendi! — Se afastou, segurando meu rosto entre as mãos macias. — Agora, você entenda o que eu estou dizendo: Blake e eu não estamos namorando.
— Kat... — Os olhos dela se desviaram para algum ponto atrás de mim.
— Tem alguém me chamando. Podemos continuar essa conversa depois? Terei prazer em responder a todos os argumentos que encontrar por quanto tempo você quiser mais tarde.
Expirei, desistindo.
— Vai.
— Te amo — ela saiu dizendo e murmurei um "também te amo" para suas costas.
A assisti de longe quando cumprimentou e apertou as mãos de algumas pessoas no caminho, deixando sorrisos brilhantes por onde passava, até alcançar o funcionário que buscava sua atenção, com sua postura alegre, mas respeitosa.
Claro... Blake com certeza não sentiria nada além de amizade por esta pessoa.
E, nem ela por ele, aparentemente, porque ele era tão fácil de resistir, não era?
Claro. Revirei os olhos sozinha.
Me foquei em direção à saída principal por puro reflexo, quando o dito cujo já estava retornando para dentro, e o acompanhando lado a lado estava...
— Meu Deus do céu! — Cobri a boca em espanto, já saltitando entre as pessoas de encontro a eles. — Meu Deus... do céu!
Olhei para Blake apenas para vê-lo sorrir com a minha reação, logo se voltando para a pessoa.
Mackley Devone, guitarrista da Sleep Kickers, era exatamente como em suas fotos e vídeos: esguio, tatuado, despojado e, com seu olhar escuro e seguro e o meio sorriso provocante que parecia nunca desaparecer, era, obviamente, muito bonito!
— Uau! Como vai, cara mia?² Procurando companhia? — Buscou pela minha mão direita e depositou um beijo cálido no dorso dela.
E então, por algum motivo, Blake deu uma cotovelada nas costelas dele, fazendo-o resmungar um palavrão e desmontar sua pose.
— Meu Deus do céu! — apenas consegui repetir, rindo e agitando as mãos entusiasmada, assistindo a troca entre eles.
— Sempre ótimo conhecer uma fã — ele continuou, depois de lançar um olhar duro e confuso para Blake. — Qual o seu nome, querida?
— Alison — respondi, o rosto rasgado em um sorriso.
— Alison — ele repetiu tranquilo, mas então arregalou os olhos do nada, virando-se para Blake, que só desviou os dele...? — Ah, você é a Alison! Blake me falou de você! — Pegou na minha mão de novo, mas apenas agitando-a levemente dessa vez. — Prazer em conhecê-la, querida. Mackley Devone, a seu dispor.
— Eu sei! Eu sou muito sua fã! — exclamei, feito uma idiota alegre. Blake havia falado de mim?! — Vocês dois são os melhores!
— E ela não é apenas linda, mas também inteligente! — brincou, me fazendo rir em euforia. Blake, apenas balançou a cabeça, rindo um pouco também.
Me dei conta internamente, que, apesar de parecida, a situação não era a mesma de como foi quando conheci Blake.
Hoje estava "mais arrumadinha". E equipada com o meu celular! Não podia perder a oportunidade dessa vez.
— Posso tirar uma foto com você? Com vocês dois? — acrescentei rápido, alternando entre os dois.
— Claro, claro que sim! Agora mesmo! — Mackley respondeu pelos dois, já se colocando ao meu lado. Blake hesitou um pouco, mas tomou o outro lado.
Mackley aceitou meu celular, quando a câmera já estava ligada, e me enlaçou pelos ombros.
Todos sorrimos para a foto e, um clique depois, o momento estava eternizado.
— Muito obrigada!
— A seu dispor — Mackley repetiu, com uma piscadela.
— Tenho que apresentá-lo a Katrina. Sabe onde ela está? — quando finalmente abriu a boca, foi tudo o que Blake teve a dizer.
— Ah, ela... estava por ali agora a pouco. — Indiquei o grupo de pessoas em que se enfiou, logo voltando a admirar minha nova foto.
— Ok, obrigado. Vamos lá, cara.
— Foi um prazer — Mackley fez um sinal de escoteiro e Blake se despediu com um mínimo sorriso de novo, como agora parecia ser de seu costume, se afastando com seu amigo.
Me voltei para a foto ainda sorrindo o máximo que podia.
Aos poucos, no entanto, ao estudar melhor os detalhes dela, fui murchando.
A foto poderia muito bem ter sido cortada e pareceria que só Mackley e eu éramos o foco da lente.
Blake estava a meio passo de distância, seu sorriso era genérico, suas mãos, escondidas nos bolsos... ele não me abraçava mais nem para fazer pose.
Me permiti pensar novamente na noite em que havia o conhecido. Nossas palavras trocadas, ele limpando meus óculos, me convidando para permanecer ao seu lado, interessado em tudo o que eu dizia, rindo das minhas gafes e, por fim...
Não pensaria nisso.
Não precisava pensar nisso.
Não era mesmo a mesma experiência, mas... dessa vez eu consegui uma foto. Yay!
Guardei o celular no bolso traseiro da calça, suspirando em desânimo.

...

¹ Kookaburra - pássaro da Tasmânia antes mencionado.
² Cara mia - "minha querida", em italiano.

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