O primeiro dia com dona Marta foi tranquilo, como uma calmaria que antecede uma tempestade. Talvez fosse o cansaço da espera no aeroporto ou a tensão que todos tentavam mascarar, mas ninguém parecia disposto a questionar nada. Dona Marta passou grande parte do tempo descansando no quarto, enquanto Marina se manteve trancada no dela. Rosane e eu aproveitamos para sair e resolver as coisas práticas, comprando mantimentos e itens que seriam úteis para os próximos dias.
O mercado foi uma distração. Rosane estava focada, analisando preços e produtos, enquanto eu empurrava o carrinho e observava sua eficiência. Era difícil não admirar como ela sempre parecia ter tudo sob controle, mesmo que eu soubesse que aquilo era só fachada. No fundo, ela estava tão desconfortável quanto eu, mas tinha uma habilidade invejável de fingir normalidade.
Quando voltamos, Marina finalmente saiu do quarto, seu andar um pouco hesitante, como se ainda carregasse o peso de algo não dito. Havia uma mudança sutil em sua expressão, algo que ela parecia tentar disfarçar. Rosane, sempre prática, assumiu rapidamente a liderança na cozinha, chamando Marina para ajudá-la a preparar o jantar. O prato da noite era vatapá, uma homenagem às raízes de dona Marta no Pará, e o aroma de temperos já começava a se espalhar pelo ambiente, despertando memórias e apetites.
Eu me ofereci para ajudar com o arroz, uma tarefa simples que me dava a desculpa perfeita para ficar próximo. De canto de olho, observei Marina mexendo a panela com cuidado, seus movimentos precisos e meticulosos. Seus cabelos estavam presos de forma despretensiosa, mas algumas mechas teimavam em cair sobre seu rosto, dando-lhe um ar natural e irresistível. Mesmo nos pequenos gestos, havia algo nela que prendia minha atenção, algo que ia além do simples desejo.
— Não vai queimar o arroz, hein, Roberto? — Rosane alfinetou, sua voz carregada de ironia enquanto provava o vatapá com uma colher de pau.
— Relaxa, tá no ponto — respondi, sem desviar muito a atenção de Marina.
Meus olhos sempre voltavam para ela, como se fossem atraídos por um imã. Quando ela percebeu, seus lábios se curvaram num sorriso tímido, e um leve rubor subiu por suas bochechas.
Conforme cozinhávamos, a conversa começou a fluir de maneira descontraída, as lembranças de infância das duas irmãs dominando o ambiente. Apesar da diferença de quatorze anos entre elas, havia uma conexão clara nas memórias que compartilhavam, memórias que iam do engraçado ao emocionante.
— Lembra daquela vez que você tentou fugir de casa, Nina? — Rosane perguntou, o tom divertido enquanto mexia a panela com concentração.
Marina soltou uma risada suave, que ecoou pela cozinha e pareceu preencher o espaço com algo leve e genuíno.
— Claro que lembro! Eu tinha o quê, oito anos? Achei que ia conseguir chegar na casa da vovó. — Ela balançou a cabeça, os olhos brilhando com a lembrança. — Saí com uma mochila cheia de brinquedos e nenhuma roupa. E você veio atrás de bicicleta, toda brava.
Rosane riu alto, apontando a colher para a irmã como se ainda quisesse dar uma bronca.
— Brava é pouco! Você me fez pedalar uns dois quilômetros naquela estradinha cheia de areia. Mas eu não ia deixar você sozinha, né? — Ela parou por um segundo e completou, rindo: — E ainda me deixou levar a culpa com a mamãe!
Marina soltou outra risada, o som tão natural que me fez esquecer, por um momento, da tensão que sempre pairava entre nós.
—Mamãe ficou sem falar com você portrês dias! — Marina comentou, olhando para a irmã com um sorriso travesso.
— E você, nenhum dia de castigo sequer! Irmã mais velha sempre sofre mais! — Rosane revirou os olhos, mas a diversão em sua voz era inegável.
O riso delas preencheu a cozinha, e por alguns minutos, parecia que não havia mais segredos, nem problemas. Mas era só uma ilusão. Cada vez que dona Marta era mencionada, percebi Marina se retrair ligeiramente, como se a presença da mãe fosse um lembrete constante do que estávamos escondendo.
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Conexão Obscena
Novela JuvenilQuando Marina, a cunhada de Nascimento, vem passar um tempo na casa deles para se preparar para um concurso, ele a vê apenas como uma responsabilidade extra em sua já tumultuada vida. No entanto, a proximidade diária e as conversas inesperadas revel...