Eu me sinto o Pikachu!

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Hosenildo estava paralisado. Talvez o caldo de xana tivesse o matado ou, pelo menos, deixado-o inconsciente, pois aquela visão não poderia ser real.

Anjo azul.

Atentado ao pudor.

The End.

Sirene.

Getúlio.

GETÚLIO.

Os últimos acontecimentos do dia reproduziram-se diante de seus olhos num flash, simultânea e desordenadamente. Ele mal conseguia juntar as peças, tampouco pensar num quebra-cabeça coerente. Tentou encontrar uma explicação lógica ou se lembrar do exato momento em que perdera a sani—

— O que aconteceu?

A voz aguda, sedutora e não tão máscula do presidente tirou Zezé de seus devaneios. Ele estendeu-lhe a mão, ajudando-o a se levantar, e o caboclo precisou morder fortemente os lábios para não soltar um gritinho. Seu coração derreteu diante da figura gaúcha, mais deslumbrante do que qualquer ilustração fajuta presente em seus livros didáticos. A mão de seu ídolo era macia, mas firme, e ainda não largara a sua.

— A-Ah, e-eu só tropecei. Acho que o chão tá molhado — respondeu Zezé.
— Ao menos, não te machucaste. Vamos logo, estamos atrasados.
— Para o quê?
— Enlouqueceste, José Nildo? — Vargas franziu o cenho e cruzou os braços — Esqueceste nossa reunião?

José Nildo?

Naquele instante, Hosenildo nutrira mais dúvidas do que no primeiro período da faculdade de história, o que ele jurava ser impossível. Mas tudo aquilo era impossível! Ele queria surtar, comemorar, bater a cabeça no chão, aproveitar aquela alucinação. Por que não?! Seu salário irrisório jamais lhe proporcionaria tamanha felicidade, e professor também é gente!

Dando um bombastic side eye para o espelho, Zezé percebeu que mantinha a mesma cara (oh azar), mas, ao invés de seu look passiva tóxica, usava o uniforme típico dos oficiais do Estado Novo. Então, aquela era a sua função? Pois iria cumpri-la. Não desapontaria o seu Gegê.

De fato, o amazonense acompanhou seu amado até a sala de reunião, aguardando o término do lado de fora. Enquanto isso, analisou os funcionários que passavam e a arquitetura do edifício que reconhecera como o Palácio Guanabara. Quando a grande porta, enfim, abriu-se, Hosenildo reverenciou os homens engravatados com uma expressão austera. Seu sorriso era reservado a uma única pessoa.

— Aonde vamos agora? — perguntou animado a Vargas, o último a sair.
— Tu estás muito disperso hoje! Nem pareces meu segurança e assistente de sempre.

Bysha, que loucura!

— Nós vamos ao Jardim Botânico, bobinho — respondeu o ditador com um olhar carinhoso após perceber a confusão de seu companheiro.

***

Parado, com uma mão na cintura e outra no cavanhaque, Hosenildo examinava os detalhes intrincados (e ainda não enferrujados) nos portões. Um pigarro chamou sua atenção: era seu chefe segurando uma pipoca. Ele balançou o pacotinho com uma sobrancelha arqueada, como se oferecesse uma iguaria a um cachorro miserável. O assistente aproximou-se estendendo a mão, mas hesitou antes que pudesse encostar no salgado. Vargas, então, soltou um riso soprado.

— É para dividirmos. Não se acanhe.

O mais novo ofereceu um sorriso ladino, envergonhado, sentindo o conforto se instalar. Ousou coletar um punhado daquele lanche, e a dupla adentrou o Jardim Botânico de boca cheia, lado a lado.

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⏰ Última atualização: 3 days ago ⏰

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De Repente 30 | Zezé x Gegê Onde histórias criam vida. Descubra agora