A partida se deu como um truque de mágica. Wesley nem percebeu, foi rápido, de repente já estava no carro, preparando para pegar a estrada.
Seria tudo parte de alguma encenação elaborada? Uma performance coletiva montada especialmente para ele?
Olhou pelo retrovisor. Nada. A estradinha de terra vermelha se estendia como uma cicatriz, sem qualquer vestígio da cidade peculiar. Nem mesmo poeira levantava para confirmar sua passagem recente. Era como se o povoado tivesse simplesmente se dissolvido na paisagem, restando apenas a memória de um sonho mal interpretado.
O casal era o mais estranho. Além de refutarem todas as leis do capitalismo moderno, não apenas recusaram o pagamento da bebida como também lhe presentou com uma coleção de pães que pareciam ter sido assados por uma divindade.
Os pãezinhos continuavam ali, testemunhas silenciosas de uma hospitalidade que ultrapassava os limites da lógica. Wesley os observava como se fossem artefatos de uma civilização desconhecida.
Os personagens daquela vila eram peculiares. Ainda assim, aquele vácuo social era infinitamente mais acolhedor que os cantos da cidade onde morava, onde a morte tinha um escritório permanente e uma agenda lotada de compromissos indesejados.
Ah, mas um bar à beira de estrada era tudo que precisava.
O GPS havia desistido de tentar entender suas escolhas há quilômetros. As placas de trânsito poderiam ter sido dispostas por um cubista, cada uma apontando para uma realidade alternativa diferente.
Wesley estava oficialmente naquele estado de perdido, onde até o sol parecia estar no lugar errado do céu, alguém poderia ter reorganizado o universo enquanto ele piscava.
Wesley suspirou, afinal, a vida adulta é uma pegadinha muito bem elaborada. No meio do nada, o GPS não funcionava, mas mensagens do trabalho chegavam, haviam se transformado numa maratona sem linha de chegada.
"Que se dane tudo", pensou Wesley, com aquele tipo de coragem que emanava só depois de muitos quilômetros de solidão. "Vou chutar o balde." A expressão soava na mente, um mantra libertador, daqueles que você aprende em retiros espirituais de fim de semana em promoção.
O painel do carro piscava números e sinais de advertência, mas Wesley já havia desenvolvido imunidade à culpa mecânica. O tanque de combustível murmurava suas últimas preces, meio cheio ou meio vazio, dependendo do seu nível de otimismo.
Não devia estar longe da cidade prometida, o chumbo magnético em seu cérebro de pombo, esse GPS natural inscrito na arquitetura neural, riscava no ar invisível mapas de uma viagem que só ele parecia compreender.
A paisagem ao redor era um borrão monótono, o cerrado decidiu tirar nota dez. Mas Wesley mal notava, estava ocupado demais, imaginando como seria bom trocar toda aquela responsabilidade por algumas horas de paz regada a qualquer coisa que tivesse teor alcoólico e sossego suficiente para fazer seus problemas parecerem anedotas de bar.
E, por incrível que pareça, o avistou.
Era realmente um bar.
Não era bem de beira de estrada era um estabelecimento de primeira qualidade.
Foi quando o Grande Hotel surgiu, acima dele, majestoso mas decadente, uma contradição arquitetônica plantada no meio do nada. Era o tipo de construção que fazia você duvidar se estava realmente vendo ou apenas sonhando.
O portão de ferro forjado se erguia numa nota musical solitária. Intrincados arabescos dançavam entre suas hastes, formando padrões que lembravam jaulas metálicas. O mais curioso era sua existência, nenhum muro o acompanhava, uma porta inútil, mas lindamente inútil.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Hotel Fantasma
FantasyWesley, um executivo brilhante e especialista em decisões desastrosas, encontra o Mon Refuge em seus desvios rotineiros - um hotel que parece ter emergido das sombras do cerrado como uma aparição de um livro de terror. O estabelecimento se ergue co...