O Bom Pastor

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Daniel

Quando vemos verdadeiras tragédias nos jornais de TV, nunca imaginamos que elas vão acontecer conosco. Nunca paramos para pensar em como somos frágeis e tão pequenos até que essa tragédia bate à nossa porta e nos tornamos crianças perdidas que não conseguem encontrar os pais.

Eu tinha enfrentado algumas coisas em minha vida. Nunca conheci meu pai, e o homem que assumiu essa figura paterna morreu precocemente. Então, assumi a responsabilidade pela minha mãe e irmã. Trabalhei para ajudar em casa e sempre quis que minha irmã estudasse e tomasse um rumo diferente do meu.

Sempre pensei que tinha controle sobre as coisas. Apaixonei-me, idealizei me casar com o amor da minha vida e então... tudo escapou pelas minhas mãos.

Tudo o que planejamos foi arrastado e só sobrou destruição por toda parte.

Espero que me perdoe.

Aquelas palavras ainda ressoavam dentro de mim quando – mais de meia hora depois – voltei para o carro. Alina já devia estar longe e eu não sabia exatamente para onde ela tinha ido. Talvez tivesse voltado para casa ou para a oficina.

Espero que me perdoe.

Começo a dirigir e, quando paro na oficina, vejo o carro de Alina estacionado. Não tenho certeza se ela iria aparecer, mas desço do carro ainda sentindo as palavras em minha mente, pesando em meu coração.

Antônio está com um cliente no balcão enquanto seu Luiz – o homem que um dia foi meu sogro – está trabalhando em um carro.

Nenhum sinal de Alina.

Ela não apareceu o dia inteiro e seu pai foi embora dirigindo o carro dela. Eu e Antônio fechamos a oficina e, antes que eu entrasse no carro para ir embora, Antônio perguntou:

– Está tudo bem?

– Está.

– Ficou calado o dia inteiro – meu primo semicerrou os olhos, ainda me encarando. – Pensei que estava preocupado com Alina aparecer aqui, mas ela não veio e você continua desanimado.

Talvez todos pensassem que eu estava a evitando, mas Antônio não sabia que eu tinha deixado a pessoa mais importante para mim com Alina mais cedo.

– Tenho que ir – falei antes que ele puxasse mais assunto.

Mais tarde, quando entrei em casa, ouvi o barulho da TV, músicas infantis ressoando pela casa. Senti o cheiro da comida da minha mãe e, assim que minha presença foi notada, ouvi o som dos passos de Ana e logo a vi correndo em minha direção com uma folha na mão.

A segurei nos braços e beijei seu rostinho enquanto ela sorria.

– Olha o que desenhei – ela disse, levantando a folha.
Não a coloquei no chão, mantive-a em meus braços, me sentindo seguro.

Ultimamente, era ela quem estava cuidando de mim.

O desenho não passava de um borrão vermelho e laranja e listras de todas as cores possíveis.

– Que coisa linda, você fez esse desenho incrível sozinha?

– A vovó me ajudou – ela disse animada.

Só quando entrei na sala foi que a coloquei sobre o sofá. Fui para a cozinha e encontrei minha mãe lavando a louça. Aproximei-me dela e beijei sua bochecha; vi ela sorrir e fiquei mais uma vez aliviado.

Sempre me perguntei como minha mãe tinha sido uma verdadeira fortaleza nos momentos mais difíceis. Quando meu padrasto morreu ela estava pronta para nos consolar e, quando Vivi morreu e nosso mundo desabou, ela permaneceu ali, abatida, mas logo se recuperou. Eu a via como uma mulher de muita fé, mas nunca poderia entender como uma mãe enlutada ainda podia consolar tantos ao seu redor. Era algo que só Deus podia explicar.

Subi as escadas e tomei um banho antes de voltar para assistir com Ana.

Cumpri nossos combinados da noite, assistimos um pouco, depois jantamos e, só quando ela estava satisfeita, é que tomamos um pouco de sorvete.

Às 21:20 em ponto, subimos as escadas e fui colocá-la para dormir.

Ana era esperta e se considerava bem independente. Deitava-se na cama e sorria enquanto eu estendia o lençol sobre ela. Sentei ao seu lado e peguei um dos livros infantis que ela tinha ganhado de Ísis.

– Hoje vai ser sobre as ovelhinhas – falo mostrando a ela a capa do livro. – Você gosta desse, não é?

– Gosto muito.

Sorri diante de sua resposta.

Há muito tempo atrás havia um pastor chamado Bom. Ele era muito gentil com seus vizinhos e sempre os cumprimentava quando os via, por causa disso ele ficou conhecido como o Bom Pastor.

Um dia, o Bom Pastor saiu para passear com suas cem ovelhas.

– Cem é muita, papai? – Ana sempre fazia aquela pergunta, ela mesma falava que não sabia o que tinha depois do trinta.

– São muitas – respondi.

Depois de uma manhã tranquila, o Bom Pastor juntou as ovelhas e começou a contá-las. Um, dois, três...

– Quatro, cinco... – Ana murmurou, ela sempre ajudava o Bom Pastor a contar.

Quando o Bom Pastor percebeu que só tinha noventa e nove ovelhas, ficou preocupado. Ele não poderia perder nenhuma delas, então deixou as noventa e nove e foi em busca da número cem.

Ele passou a tarde inteira procurando, mas não ficou cansado e quando o sol já queria se esconder, ele finalmente a encontrou.

O Bom Pastor ficou tão feliz que a colocou sobre os ombros e voltou para onde tinha deixado as noventa e nove. Quando chegou em casa, convidou todos os seus vizinhos e amigos e fez uma grande festa!

O Bom Pastor disse:

– Alegrem-se comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.

Ana boceja quando fecho o livro e a encaro.

– Você gostou de ficar com a tia Alina hoje?

– Gostei – ela murmurou. – E ela fez ovos mexidos. A vovó ficou doente hoje?

Era certo que Ana, com toda sua esperteza, iria achar estranho eu tê-la acordado e, em vez de deixá-la aos cuidados de minha mãe, a ter levado para a casa do seu Luiz e a deixado com Alina.

– Não, ela está bem. Agora vamos fechar os olhinhos e dormir.

– Papai?

– Sim.

– Fiz um desenho para a tia Alina.

– Amanhã você vai poder entregar para ela, vamos à casa da tia Ísis.

– Para levar o anel?

– Sim – sorrio diante de sua inocência. – Vou ficar aqui até você dormir.

Ela sorri e eu beijo sua testa. Como prometido, fico no quarto até ela pegar no sono.

Só quando vou para o meu quarto e me deito é que me permito pensar em Alina.

Espero que me perdoe.

– Alina, eu perdoei você há muito tempo – murmuro para o vazio do quarto.

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