Refúgio

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Letícia ficou parada em frente à porta do apartamento, pensando em como fugir daquela situação. Era sábado e ela tinha passado o dia inteiro trabalhando como voluntária em uma creche da periferia. Enrolou o máximo que pôde para voltar pra casa, e agora ela não estava nenhum pouco a fim de entrar. A garota olhou para o relógio de pulso e viu que já eram seis e meia da tarde. Em pouco tempo, o apartamento ficaria infestado de universitários bêbados. Ela detestava festas, ou pelo menos, aquele tipo de festa.

"Eu devia ter combinado de dormir na casa de uma amiga.", pensou ela, chateada por não ter pensado com mais antecedência em um plano pra escapar daquela "reunião social" do Daniel. Agora, era tarde demais. Ela respirou fundo e abriu a porta. Logo de cara, ela encontrou um uma mesa de DJ instalada no canto da sala. Havia caixas de som imensas ocupando o espaço. Daniel, como sempre, estava jogando videogame tranquilamente. Assim que ele a viu chegar, pausou o jogo e olhou para Letícia, sorridente.

– E aí, Letícia? Animada pra nossa festinha? – comentou ele, parecendo empolgado.

– Sua festinha. – ela corrigiu – E sim, eu estou transbordando animação. – ela completou ironicamente.

– Dá pra reparar. – comentou Daniel.

– Daniel... Precisava mesmo instalar essas coisas? – perguntou Letícia, gesticulando em direção ao equipamento de som.

– Claro! O item principal pra uma boa festa é música boa e alta. – ele respondeu – Um dos meus amigos é DJ e vai comandar esse equipamento de som que eu aluguei.

Aquele garoto mal tinha chegado em uma cidade nova e já tinha amigos o suficiente pra dar uma festa. Letícia tinha conhecido pessoas legais na universidade, mas eram poucas pessoas. Daniel passava a impressão de conhecer Brasília inteira.

– Não quero diminuir sua empolgação, mas acho que você precisa saber que nós temos vizinhos que vão se incomodar com o barulho. O prédio tem normas e é proibido colocar música alta após as 22h. – advertiu a garota.

Daniel fez uma careta.

– Lá vem a senhorita Certinha.

– Eu tô falando sério. As pessoas podem reclamar.

– Olha, Letícia, eu acho que você não entendeu direito.

Daniel levantou-se do sofá e se aproximou dela.

– Danem-se as reclamações dos outros. Eu sou o filho do dono do prédio. Eu faço o barulho que eu quiser, tá legal? Quem é que vai me impedir, hein?

Letícia olhou nos olhos dele, pensando como é que alguém podia ser tão inconsequente e egoísta. Ela sorriu com desprezo antes de falar:

– A polícia, seu idiota. Existe uma coisinha chamada Lei do Silêncio.

Ele fez uma expressão irritante de quem não estava dando a mínima e Letícia decidiu que não perderia tempo discutindo com ele.

– Bem, lembre-se que eu te avisei. – ela virou as costas e foi para o quarto.

***

O apartamento estava lotado de gente. Música eletrônica tocava num volume bastante alto, e em cada canto daquele lugar havia um jovem com um copo na mão. Um pequeno grupo estava sentado no sofá jogando truco. Algumas garotas usando vestidos bem curtos dançavam próximas à mesa do DJ. Daniel transitava de um lugar a outro conversando com as pessoas e ficando com as garotas que ele queria, mesmo que não soubesse o nome da maioria delas. Ele era o centro das atenções. Sempre fora, e ele gostava disso. Uma coisa apenas o incomodava: Letícia não estava na festa. Ele deixou a sala de estar por um instante e bateu na porta do quarto de Letícia, onde ela estava se refugiando.

– Letícia, por favor, abre a porta!

A garota estava sentada na cama lendo um livro e usando tampões de ouvido. Mesmo assim, conseguiu escutá-lo. Ela se levantou e abriu a porta.

– Diga. – disse Letícia, com um tom de voz desinteressado.

– Qual é, você vai ficar aí isolada? O que é que você tá fazendo, afinal?

– Estou lendo um livro. Ou melhor, tentando ler um livro em meio a esse barulho insuportável.

– Pelo menos uma vez na vida, para de ser chata e vem curtir a festa. – disse Daniel.

– De jeito nenhum. Detesto música alta, detesto ficar em ambiente lotado e gente bêbada me irrita. Ah, por falar em gente bêbada, achei que você estivesse nas últimas.

Daniel estava perfeitamente sóbrio, o que era surpreendente. Letícia achava que ele era o tipo de cara que bebe até cair em festas.

– Bem, é meio constrangedor admitir isso, mas eu não sou muito fã de bebida alcoólica. Acho o gosto ruim. Prefiro Coca-Cola. – admitiu Daniel. – Mas não conta isso pra ninguém.

Letícia riu, pensando que finalmente havia alguma coisa em comum entre eles.

– Isso é ótimo. Você já é irritante naturalmente, imagina bêbado. Ninguém te suportaria.

– Engraçadinha. Então, vamos lá?

Ele sorriu gentilmente e gesticulou em direção à festa. Letícia olhou bem para Daniel e sorriu de volta. O garoto olhou para aquele rostinho angelical e teve certeza de que aquele sorriso era o mais lindo do planeta Terra. Ela continuou sorrindo e fechou bruscamente a porta na cara dele.

– Ei, isso doeu! E não foi muito gentil da sua parte! – ela o ouviu reclamar. Letícia riu baixinho e voltou a se sentar na cama. Recolocou os tampões de ouvido, abriu o livro na página que tinha parado e continuou sua leitura.

Ela não fazia ideia de que aquele sossego duraria muito pouco.

Sob o Mesmo TetoOnde histórias criam vida. Descubra agora