Capítulo 7

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— Eu sinto muito por isso, Agaashe.

Havíamos acabado de deixar o prédio de Kuroo. Você olhou pelo relógio e eu pude ver de relance que os ponteiros acabavam de bater meia-noite.

Do outro lado da rua, um garotinho com um gorro de coruja, grande demais para a cabeça dele, puxava animadamente uma mulher baixinha. As luzes dos postes refletiam em seus olhos pequenos e afiados, enquanto ela se preocupava mais em equilibrar algumas sacolas no outro braço.

"Vamos, mamãe!", ele dizia. "Quero chegar antes do papai acordar, ele não pode ver a nossa surpresa!"

Ela riu do menino de maneira doce.

"Você tem razão, Seijurou, desculpe a mamãe. Vamos, seu pai vai ficar muito feliz em nos ver", ela disse, apressando o passo de maneira desengonçada e desabrochando uma gargalhada no menino.

Eles andaram até que suas silhuetas sumissem no fim da rua.

Era impossível que aquilo não me trouxesse lembranças, Bokuto-san. Empecilho não era andar após o álcool que tínhamos bebido. Empecilho era não me ver no pequeno Seijurou. Desejei, profundamente, que aquele gorro de coruja tão grande guardasse todos os pensamentos mais conturbados que o garoto pudesse vir a ter um dia.

Porque eles sempre vêm, Bokuto-san. Os pensamentos não podem ser rasgados como as palavras escritas em uma folha de papel. Não podem ser deletados ao simplesmente apertar uma função no teclado.

Pensamentos vão se transformando, voltando à mente e nos visitando em diversas formas, tão familiares em suas raízes, mesmo que mude-se a coloração das folhas.

— Akaashi?

Eu te olhei e você sorriu singelo.

— Falar o seu nome certo era o único jeito de chamar sua atenção, é? Eu 'tô te chamando faz um tempo, mas você não parecia ouvir.

Ah, Bokuto-san, eu te ouvia. Eu sempre te ouvi e sempre vou te ouvir. Mas aquela era uma das vezes em que meus pensamentos titubeavam em minha mente mais ensurdecedoramente do que o timbre que sua voz poderia chegar aos meus ouvidos.

Continuei te olhando e você sorriu, as bochechas ainda vermelhas.

— Tem um parque cheio de árvores bem legal aqui perto.

Acenei com a cabeça, confirmando o convite, e começamos a caminhar. Eu me segurava para não rir dos seus passos bambos e sorriso enjoado, até porque, seus olhos me guiavam por um caminho desconhecido.

E não há nada em que eu confie mais do que em olhos que não precisam de luzes externas para brilharem.

Fomos andando pelas ruas estreitas daquele bairro. Eu já tinha percebido que ele estava um pouco longe do meu espaço habitual, mas só agora podia reparar nos detalhes, como o silêncio noturno.

Por morar na área central, minha rua vivia movimentada. Ondas e ondas de gente e coisas, que se moviam umas contra as outras. Motos, carros, ônibus. Crianças, jovens, idosos. Empresários, subordinados, prostitutas.

Aqui, contudo, eu sentia que as palavras em minha mente podiam escapar-me pelos ouvidos. Eu podia imaginá-las flutuando e enchendo aqueles ares, substituindo o espaço que deveria haver vida.

Vida que se move. Vida que ecoa de volta aos nossos ouvidos, impedindo que aqueles pensamentos de outrora escapassem.

Sentamos em um banco de madeira e observamos o parque. Após um momento de silêncio, você disse:

— É, pelo o que eu me lembrava, existiam mais árvores aqui.

O espaço já não guardava os "brócolis gigantes", como nosso pequeno Kei-kun costuma dizer. Aquela área já havia sido substituída por aparatos dos novos tempos, como máquinas de comida, caminhos de pisos modernos e cabines telefônicas dignas de fotos bonitas para as redes sociais.

doze vezes bokuto-san | bokuakaOnde histórias criam vida. Descubra agora