Quinto Reino

VII

Não foi fácil pegar no sono. Mais uma vez fui tomada pelo medo e pela saudade de casa.

Eu me perguntava como meus pais e o reino estavam. Será que Kalel havia percebido que eu não estava lá antes de sequer pensar em invadir o Quinto Reino? Será que o plano do meu pai tinha funcionado e ele seguiu a carruagem e os guardas? Será que no fim, todos ficaríamos bem? Será que eu voltaria para casa mais uma vez, ou essa seria minha vida de agora em diante ? Sempre em fuga?

Quando finalmente consegui acalmar minha mente, minha atenção se voltou para os barulhos de passos no quarto ao lado. O que quer que ele estivesse fazendo, estava me tirando do sério. Aquilo não era hora de redecorar o quarto.

Tentei fingir que não havia ruído, tentei focar minha atenção na madeira gasta da cabeceira, ou nas teias envelhecidas do telhado, mas nada conseguiu me distrair.

Listei todos os motivos para não sair do quarto, sendo que o primeiro motivo já anulava todos os outros: Kalel.

Só isso já bastava para não sair do quarto.

Mas aí eu pensei: se não sair para ver o que está acontecendo, não vou conseguir dormir, e não vou conseguir cavalgar amanhã por estar com sono.

Foi pensando nisso, que agora estou esmurrando a porta do quarto do meu vizinho.

Os passos cessam lá dentro, mas ele não abre a porta. Quase dez segundos se passam, e nada. Então quando penso em voltar para o meu quarto, ele abre a porta.

Minha atenção vai direto para o seu cabelo despenteado. Ele também está sem o casaco. Está apenas com uma camisa de manga longa, a calça, e com os pés descalços.

– Tudo bem? – ele pergunta solenemente.

Estudo seu rosto mais um pouco, mas não há nada de errado com ele.

É como se eu tivesse acabado de tirá-lo da cama. A troca de papéis me deixa até confusa. Eu realmente ouvi passos?

– Na verdade, era isso que eu ia te perguntar.

Ele enruga a testa.

– Eu ouvi passos e ruídos vindos do seu quarto.– acrescento.

– Ah! Não é nada. Só estava gastando energia. A insônia me persegue.

– Bom, esse é um problema que não dividimos. Então tem como você sossegar o facho ?!

Ele parece pronto para me dar uma resposta engraçadinha, quando a porta do final do corredor range.

Filipe intercala seus olhos entre mim e a porta à minha frente, já que o meu vizinho está protegido dentro do quarto. O Filipe na verdade nem sabe que é o mesmo cara da sala de jantar.

– Algum problema? – ele pergunta.

– Não. Está tudo bem. Só estava pedindo um pouco de silêncio ao meu querido vizinho. Já estou voltando para o quarto.

Ele não se mexe, apenas espera que eu cumpra o que falei.

Volto minha atenção para o vizinho barulhento, que me lança um sorriso do tipo " você está encrencada ".

– Entendi.

– Entendeu o quê?

– Ele é seu irmão.

E para reforçar o personagem, Filipe acrescenta:

– Estou esperando.

Mordo minha língua e engulo a imensa vontade de xingar alguém. Então marcho para o meu quarto sem uma última olhada para nenhum dos dois.