Os brinquedos de Clint

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Clint olhava pela janela do seu quarto a neve pintando de branco todo o jardim e a floresta. Ele chegara ali há quatro meses. O menino de dez anos mais rico da Inglaterra. Após seu pai surtar e matar sua mãe, fora condenado à cadeira elétrica deixando tudo para o único herdeiro dos Daughertys.

Clint esperou, enquanto brincava com sua marionete de dez centímetros no parapeito da janela. Um boneco de madeira, sem rosto, sem feições. Aquilo era o que Clint quisesse, bastava imaginar. E o menino dava vida a ele com os fios quase invisíveis amarrados em seus dedos. A história favorita de Clint era a do homem que só enxergava a bailarina. Ele só podia vê-la, e somente quando dançava, por isso a roubou para si. E quando soube que a moça dançara para outro homem, enlouqueceu ao ponto de matá-la. Mas a que ele contava agora dentro de sua mente era a de Joe Robusto. Ambas as histórias Clint já havia contado para seu tio, o ser ao qual aguardava.

Quando chegou naquela casa após o velório de sua mãe, Clint impressionou-se com as janelas. As cortinas estavam sempre abertas, a casa era sempre tão clara que parecia não ter teto. Encontrou com seu tio e mentor na biblioteca enquanto os empregados levavam e arrumavam seus pertences no seu novo quarto. David Foreman era o irmão mais velho de sua mãe. Um homem atraente e rico. Dava aula na universidade local de psicologia. Sua especialidade eram pessoas com uma anomalia psíquica, um transtorno antissocial da personalidade. Talvez fosse o trabalho de Foreman que o levou a investigar tanto a vida do sobrinho.

Na biblioteca, assim que a governanta deixou Clint a sós com seu tio, David abriu os braços e sorriu para o garoto, que ao invés de lhe dar um abraço permaneceu imóvel.

- É evidente a falta que ele sentiu de você. - disse uma voz feminina que fez Clint se virar para encarar a moça na entrada da biblioteca. A mulher com brilhosos cabelos castanhos avermelhados se aproximou do menino lhe estendendo uma mão. - Sou Evangeline Pettyfer.

- Clint Daugherty. - o garoto apertou a mão dela.

- Sinto muito pela sua mãe, e espero que se sinta bem vindo.

- Você é a dona da casa? - a voz de Clint soou tão inocente com curiosidade infantil que arrancou um sorriso doce de Evangeline. Afinal, ela agia como se fosse ela quem recebia o garoto e não David.

Antes que a ruiva respondesse, David interveio:

- Ela é uma aluna. Veio para ter aulas extras. Mas é como se fosse de casa. - dirigindo-se somente à moça. - Vou mostrar a casa ao garoto e volto num instante.

Foi uma apresentação breve do lugar. Clint, mais uma vez, se fascinara com a luminosidade da casa. A maioria das janelas ia do chão ao teto, de uma parede à outra. Com exceção as dos quartos. Mais tarde a governanta, que também lhe explicou algumas regrinhas simples, lhe mostrou tudo detalhadamente.

Em determinado momento do passeio David apontou para o bolso do casaco de Clint, perguntando o que havia ali. O menino viu que um miúdo braço de madeira escapava do bolso e pegou a marionete para mostrar ao tio.

- Fui eu que fiz. - disse o garoto, deixando o boneco de madeira, sem face e sem roupas, suspenso no ar pelas linhas que segurava.

- Impressionante. - resmungou David. - Não sabia que gostava deste tipo de coisas. Estar no controle de algo lhe fascina?

O menino olhou confuso para o tio.

- Não... mas gosto de criar histórias.

- Que tipos de histórias?

- Tem uma... A minha favorita.

E foi assim que Clint contou ao tio o conto do homem e sua bailarina. Clint enxergava a bailarina como aquela marionete que carregava sempre consigo. Ela estava no controle, a mando de seus dedos. E assim como fazia o boneco dançar, ele imaginava a bailarina flutuando e rodopiando. O garoto analisava e concluía sempre que cada pessoa no mundo podia ser manipulada. Se com cuidado e inteligência, qualquer um poderia ser seu brinquedo.

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