𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝟗

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LALISA MANOBAN;

— Hora do Cevaflomalin — Julie cantarola na manhã seguinte, abrindo a porta do meu quarto com uma sacola de remédios na mão.

Faço que sim. Já recebi o aviso de Jennie pelo aplicativo e mudei da mesa para a cama, onde fica o suporte do soro, só esperando Julie chegar. Eu a observo enquanto ela pendura a bolsa, pega o tubo do intravenoso e vira para mim. Julie bate o olho no desenho que fiz de Jennie na sala de ioga e que deixei pendurado ao lado do desenho do pulmão que a própria Jennie colocou em cima da minha mesa. Ela dá um sorriso de canto.

— Gosto de te ver assim — comenta, seus olhos encontrando os meus.

— Assim como? — pergunto, puxando a gola da camiseta para baixo. Ela enfia a agulha no orifício que tenho no peito.

— Esperançosa.

Penso em Jennie, meu olhando viajando para a bolsa de Cevaflomalin. Estico o braço para tocá-la gentilmente, sentindo o peso do líquido na mão. O tratamento experimental ainda é muito novo. Novo demais para saber como vai acabar. É a primeira vez que me permito pensar nisso... o que pode ser perigoso. Ou até ridículo.

Não sei. Alimentar esperanças quando se tem um hospital no meio da história não me parece uma boa ideia.

— E se isso não funcionar? — pergunto.

Não sinto nenhuma diferença. Pelo menos ainda não.
Fico olhando a bolsa de soro e o pinga-pinga incessante que leva o medicamento até meu corpo. Olho para Julie de novo. Nós ficamos em silêncio por um momento.

— Mas e se funcionar? — ela pergunta, tocando meu ombro. 

Acompanho Julie com o olhar enquanto ela sai.
Mas e se funcionar?

Quando o líquido da bolsa de soro termina, coloco um par de luvas azuis nas mãos com cuidado, me certificando de que os germes da B. cepacia não contaminem absolutamente nada que Jennie toque.

Dou mais uma olhada no desenho que fiz na sala de ioga, avaliando-o com cuidado antes de tirá-lo da parede. É um desenho, mas parece a própria Jennie. Ela está em um jaleco branco de médica, um estetoscópio pendurado no pescoço e as mãozinhas apoiadas na cintura, com raiva. Agora, observando bem o desenho, percebo que está faltando uma coisa.

Aha.
Pego um lápis vermelho, um laranja e outro amarelo e desenho uma chama de sua boca. Bem mais realista. Rindo sozinha, pego o envelope pardo que roubei do posto da enfermagem, guardo o desenho nele e escrevo do lado de fora: "Aqui você encontrará meu coração e minha alma, seja gentil".

Saio no corredor e caminho até o quarto dela, imaginando-a abrindo o envelope e esperando encontrar algo intenso e profundo. Olho para os dois lados antes de deslizá-lo por baixo da porta. Encosto na parede e fico ali, ouvindo. Ouço os passos suaves de Jennie se aproximando do outro lado, o barulho dela colocando luvas e depois se agachando para pegar o envelope. Silêncio. Mais silêncio. E, finalmente... uma risada! Uma risada sonora, verdadeira.

Vitória! Caminho de volta para o meu quarto, assoviando pelo corredor. Me jogo na cama e pego meu celular quando o FaceTime apita com uma ligação de Jennie, como eu esperava. Atendo e vejo o rosto dela, seus lábios rosados se curvando em um sorriso.

— Uma mulher-dragão? Que machista-!

— Ei, você tem sorte que disse que não podia ter nudes!

Ela ri mais uma vez, olhando do desenho para mim.

— Por que desenhos?

— Porque eles são subversivos, sabe? Podem parecer bonitinhos e inofensivos por fora, mas trazem uma mensagem. — Eu poderia passar o dia inteiro falando sobre esse assunto. Se tem uma coisa que eu gosto nessa vida, é disso. Mostro um livro que guardo na cabeceira e tem algumas das melhores charges políticas do New York Times. — Política, religião, sociedade. Acho que um desenho bem-feito pode dizer mais do que palavras, entende? Pode mudar mentes.

A Cinco Passos de Você - JenlisaOnde histórias criam vida. Descubra agora