Ela era assim, doce, calma, inocente, acreditava nas coisas. Talvez esse fosse o problema.
Aos poucos foi mudando, tornou-se amarga, nervosa e não confiava nem e si mesma.
Quando a conheci, ela tinha poucas esperanças, o amor era uma delas.
Mas ele se foi como os outros, e a deixou só ali, no chão frio, enquanto ele ia embora, olhou para ela, acenou e desapareceu no meio das pessoas.
Depois daquilo, ela não tinha mais nada a perder, e mais ninguém para impedi-la de fazer algo ruim. E assim seguiu, viva por fora e morta por dentro, se sentia só a maior parte do tempo, sozinha em um lugar cheio de pessoas que ela não entendia, que a culpavam, a diminuíam.
Começou a achar que enlouqueceria, e talvez iria, se não fosse por um ótimo aliado... Um livro. Dado pela única pessoa que ainda parecia se importa com ela, seu pai. Eu sei que um livro não parece grandes coisas, mas aquele livro era a janela que mostrava que a vida não se resumia a dor, perdas e despedidas.
Quando a realmente conheci, ela me sorriu como ninguém tinha feito antes. Ela não deixava aparecer, mas de quando em quando, olhando-se bem de perto, ainda dava pra ver a menina doce que ela escondia dentro de si mesma.
Aos poucos vi que ela valia a pena, não era como as outras, era diferente, valia realmente estar com ela. Me apaixonei, eu confesso, mas como não poderia? Estar com ela e não me comover com seu jeito, seu sorriso, com a sua maneira de me fazer pensar nas coisas de um jeito diferente... Ela era perfeitamente imperfeita em tudo que fazia.
Ela tinha seus problemas, muitos problemas. E por causa deles, ela foi parar na minha casa. Numa noite voltando para casa, ela estava na entrada do meu prédio, como ela conseguiu passar pelos porteiros sem ser barrada eu nunca soube. Ela só estava lá, bêbada, completamente bêbada.
- O que faz aqui? - Perguntei.
- Eu fugi de lá, não aguentava mais aquilo tudo. - Ela disse zonza. Ela se esforçou para dizer.
E realmente, havia um livro e uma garrafa da pior vodca que um dinheiro de programa poderia comprar. Estranhamente, ela veio até meu prédio.
Mais que depressa a coloque para dentro, e meia zonza sorriu, como eu amava o sorriso dela. Não sei ao certo se sorriu para mim, ou pelo efeito da bebida. Sentei-a no sofá. Não sabia o que fazer. Até que a levei para o banheiro e a coloquei na banheira, acabei por dar um banho nela, ela não se mexia direito pode ter sido o frio ou embriaguez, não sei, só sei que me assustou um pouco. Quando acabou, a vesti com uma das minhas blusas. A levei de volta para o sofá, lhe ofereci cigarros, ela pegou, mas antes que os colocassem na boca, ela se aproximou e me beijou, e sua boca tinha um doce amargo e meio adocicado, da bebida, com certeza da bebida. Ela veio para cima de mim, mas eu a empurrei. Não tinha coragem de fazer algo com ela naquele estado, e me perguntei quantas pessoas já não tinham feito.
Ela me olhou confusa, mas com um minúsculo e longe ar de alívio e agradecimento. Levei-a para meu quarto, e conversamos por horas, ela me contou porque fugira e me disse que jamais voltaria. Eu a beijei, e logo depois ela adormeceu.
Quando acordei, ela já não estava lá, procurei na sala, na varanda... E de repente "no banheiro" pensei, abri a porta e ela estava lá, meio adormecida no bidê.
- É o que acontece quando você bebe demais. - Eu disse.
Depois de um longo tempo ela disse: - Não bebi tanto assim, você chegou quando já estava na metade.
Aos poucos ela foi se ajeitando, uma coisa de cada vez, e eu? Pateticamente a observava.
Quando finalmente acabou ela disse:
- Vou embora.
As suas palavras ficaram ecoando na minha cabeça por um tempo. Embora!? Como assim!? Foi como levar um soco, fiquei repetindo-as mentalmente até conseguir dizer:
- Fica... Você pode ficar aqui. Eu quero que fique.
- Não posso... Vou acabar te arrumando problemas.
- Eu prefiro que fique aqui, do que bêbada por aí... Eu gosto de você, não quero ver você assim.
- Você gosta!? Como você pode gostar disso!? - E apontou para si mesma.
E eu a beijei.
Não sei ao certo o que a fez ficar, mas ela ficou naquele dia, naquela semana. Acho que na verdade ficou por um mês... É, por aí. E todos os dias eu tentava fazer com que ela se sentisse especial, se sentisse em casa, dias sim, dias não ela retribuía, e assim ficamos naquele mês.
Íamos a festa, bebíamos, ela adorava isso. Ela fumava muito, muito mais do que eu, ela parecia uma chaminé ambulante.
Gostava do jeito que que ela me contava as coisas que a entristeciam com aquele sorriso lindo no rosto, eu sei que era falso e até um pouco cruel da minha parte achar bonito, mas eu adorava quando ela fazia isso.
- Acho que eu sorrio porque você fica me olhando com essa cara de idiota enquanto falo. - ela sempre dizia isso.
- Eu faço porque gosto de você. - retrucava.
Também gostava da sua maneira de ver o mundo. Era diferente, tinha ótimas ideias de como tudo deveria ser.
Naquele mês tido correu bem. Mas, um dia eu acordei e ela não estava mais lá, procurei no bidê, e realmente, não estava em lugar nenhum. Sentei e esperei. E nada, o dia se passou e no final da noite ela apareceu.
- Você ficou esperando?
- Sim, fiquei sim. Ta tudo bem?
Não me respondeu. Olhou em volta e me beijou. Algo me dizia que ela iria de novo. Ela iria me deixar. Só não esperava que fosse tão rápido.
Dois dias depois, tomei coragem. E no meio de nossas conversas noturnas eu a perguntei:
- Você quer ir embora? - Confesso que não queria ouvir a resposta.
- Não sei, acho que fiquei por tempo demais.
- Sabe que pode ficar o tempo que quiser, certo? Eu amo vo...
- Eu também te amo - me interrompeu. - E é por isso que não consigo ir. Mas, meu amor, eu não posso me permitir amar alguém. Não agora.
- Entendo - menti. - Mas pra onde vai?
- Eu não sei.
Mas eu não entendia, como ela pode amar alguém e ir embora por esse motivo? "Ela é completamente louca! E eu a amo!" Me dizia.
Uma semana depois ela se foi. Não sei porquê, nem pra onde. Ela não tinha ninguém. E quando ela se foi eu disse:
- Vou sentir sua falta. Não se esqueça de mim, ok?
- Eu prometo não te esquecer se você não me esquecer. Promete? - ela sorriu, não resisti.
- Eu prometo. - Mas eu sabia que nunca a esqueceria, mesmo se não prometesse.
Ela me olhava com um olhar tão longe, como no dia em que eu a conheci.
E então se foi.Não quis saber de mim.
Não quis saber do amanhã.
Não quis saber de mais nada.E se foi, como se tivesse pressa para ir em algum lugar. Mas... Pra onde?
Depois dessa dia, nunca mais a vi.
Nunca entendi os motivos de ela ter ficado e do nada ter ido embora. Gosto de pensar que ela está bem em algum lugar. E eu realmente espero que esteja.
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As garotas e todos os problemas que vem com elas
Short StoryHistórias verídicas de algumas garotas, as histórias são contas por elas ou por outras pessoas que tiveram algum caso problematicamente caótico, tenho total liberdade para escrever sobre a vida delas, ou o pouco que me contaram.