Quando entrei em minha casa ouvi o som de uma voz familiar, de um homem, mas preferia acreditar ser só coisa da minha imaginação. Passei pela sala vazia e segui o som até a cozinha. Minha mãe estava servindo café para o homem sentado de costas para mim.
Infelizmente não era minha imaginação. Meu pai estava sentado à mesa, conversando com minha mãe como se fossem grandes amigos. Fiquei parada por um instante na soleira da porta e logo fui para o meu quarto arrumar uma mochila de roupas. Não me interessava o que ele estava fazendo ali.
–– Nanda. – minha mãe chamou. – seu pai está aqui.
Quis dizer apenas um "foda-se" mas minha mãe não merecia minha grosseria.
Ela apareceu na porta do meu quarto uns segundo depois.
–– Não sei o que ele veio fazer aqui, mas espero que já esteja indo embora. – disse por fim.
–– Não fala assim. – ela fez uma pausa. – Aonde você vai?
–– Bom, eu queria conversar com você sobre isso, mas agora não.
–– Por que? O que aconteceu?
–– Só não quero conversar com você sobre isso enquanto ele estiver aqui. – disse.
Ela esperou um pouco para falar.
–– Mas e se ele quiser ficar aqui por um tempo?
Eu a encarei perplexa.
–– Está brincando não é? Deixei a mochila cair do ombro. – Não acredito que depois de tudo o que ele fez, você vai perdoa-lo.
–– Minha filha – ela colocou a mão em meus ombros. – o perdão não faz bem só a quem perdoamos, faz bem a nós mesmos. Faz bem pra nossa alma. – ela fez uma pausa. – Eu perdoei seu pai sim, porque não vale a pena ficar guardando magoa do passado. Eu estive com seu pai por muitos anos e gosto da companhia dele, ele era meu amigo afinal de contas.
Eu assenti contrariada.
–– E eu não quero que saia de casa essa noite, só por causa dele. Tenta fazer esse esforço, por mim. – ela pediu.
Eu mordi o lábio inferior.
–– As pessoas mudam Fernanda, e seu pai mudou. Ele veio aqui, não pra pedir perdão só para mim, mas para você também. – ela deu um meio sorriso.
Vi no rosto de minha mãe um centelha de esperança quando concordei.
Fomos até a cozinha onde meu pai estava sentado com uma xícara de café nas mãos. Observei o homem de cabelos escuros um pouco grisalhos, seu olhar era extremamente triste, seu semblante transbordava uma angustia profunda. Ele estava com os ombros caídos, como se carregasse o mundo nas costas. Tinha um ar doente. Estava muito diferente da ultima vez que o tinha visto.
Ele se levantou quando meu viu, e abriu um sorriso largo, mostrando todos os dentes.
–– Oi filha. – ele começou a estender o braço parar me abraçar, mas recuou. – Como você está linda!
Minha mãe deu um tapinha nas minhas costas de encorajamento.
–– Oi. – Foi tudo o que consegui dizer.
Ainda estava com aquela raiva no peito, estava com ódio por tudo o que ele tinha feito. E eu sentia aquilo queimar dentro de mim só por estar no mesmo local que ele. Como ele era capaz de voltar assim com aquela cara de cachorro abandonado, como se ele fosse o coitado? Ele quem tinha decidido ir embora, e não o contrario. Ele decidiu trocar minha mãe por uma qualquer. O que será que tinha acontecido? Será que a outra também não o aguentou mais? Ou ele estava mesmo arrependido? Neguei rapidamente isso, não conseguia acreditar que ele pudesse se arrepender de algo.
Ele enfiou a mão nos bolsos da calça meio sem jeito.
–– Sua barriga está enorme, está de quantos meses? Tentou puxar assunto.
Eu só dei de ombros. Não queria ficar conversando com ele como se ele fosse um amigo que não vejo há muito tempo. Era só ele colocar a cabeça pra pensar um pouco e se lembraria que faziam 4 meses que tinha me colocado para fora de casa. Era uma questão de soma básica, eu estava com 2 para 3 meses antes ir para a casa de Dona Ana...
–– Então, você vai ficar por aqui? Perguntei mudando de assunto.
–– Vai. – minha mãe se colocou no meio da conversa.
Ele pigarreou.
–– Eu vou dormir na casa da Claudia hoje. – cruzei os braços em cima da barriga.
Minha mãe me olhou com cara feia.
–– Eu entendo – ele abaixou a cabeça. – gostaria de conversar com você antes de ir.
Eu assenti.
–– Podemos pelo menos ir lá pra sala? Meus pés estão me matando. – disse já no meio do caminho.
Eles vieram atrás de mim.
Sentei no sofá com três lugares e minha mãe sentou ao meu lado.
–– Primeiro de tudo, e gostaria de me desculpar com você Nanda. Sei que eu errei, sei que fui um péssimo pai. Sei que fiz coisas que não devia ter feito. E que tudo poderia ter sido muito diferente. Mas acontece que os erro já foram cometidos e não tem como voltar atrás, e tudo o que eu posso fazer é tentar me redimir.
Eu assenti de leve, esperando que ele continuasse.
–– Quando te mandei embora de casa achei que estava fazendo algo para o seu bem, mas hoje vejo o quanto estava enganado. Nunca devia ter feito aquilo. E lhe peço perdão por isso.
Um pouco do gelo se partiu dentro de mim, e pude sentir a sinceridade em suas palavras, mas eu não sabia se estava pronta para isso.
Suspirei alto.
–– Tudo bem. – disse tentando engolir um nó que se formava em minha garganta.
–– Eu vou entender se não quiser que eu fique aqui, ou se não quiser ficar aqui.
–– Preciso de um tempo para pensar – disse devagar.
Ele assentiu e deu um meio sorriso.
Olhei para minha mãe, eu ainda não conseguia entender como ela podia ter perdoado tão fácil.
–– Posso conversar com você? Perguntei para minha mãe.
Pedi licença para o meu pai e fui até meu quarto com minha mãe. Não queria falar sobre Claudia na frente dele.
Eu ainda tinha que falar com ela sobre o pedido de Dona Ana.
–– Por que não quis falar na frente do seu pai Nanda?
Dei de ombros.
–– Hoje de manha a Dona Ana me pediu um favor, e eu não tive como negar. Afinal de contas, quando eu mais precisei foi ela quem me ajudou. – disse. – Ela quer que eu volte a morar com ela para ajudar a Claudia.
–– Mas sua casa é aqui...
–– Mãe, minha amiga está doente. Ela precisa de mim.
Ela me abraçou.
–– Tudo bem meu amor. Posso te pedir uma coisa também?
–– Claro.
–– Dorme essa noite aqui. Nós temos muito o que conversar ainda.
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Um fio de esperança. {EM REVISÃO.}
Non-FictionA primeira vez que ouvi falar em anorexia, não tinha mais do que 12 anos. E naquela época eu não conseguia entender como uma pessoa podia ter nojo da comida. Não sabia nada sobre o assunto. Até descobrir que Claudia estava indo por esse caminho tão...