Estava quase na hora do horário de visitas, e eu estava muito ansiosa. Não queria que Nanda viesse me ver, mas ao mesmo tempo não podia esperar para que ela passasse pela porta de madeira. Estava com tanta saudade.
Me encarei no espelho por um minuto. O meu corpo, o meu rosto, o meu cabelo. Eu. O reflexo era de outra pessoa, era da Claudia saudável, da Claudia consciente das consequências de um transtorno alimentar.
O reflexo no espelho era da Claudia viva.
Dei um sorriso para mim mesma e fechei a porta o guarda-roupa.
–– Como eu estou? Perguntei para Dany, minha companheira de quarto na clinica.
Ela assentiu com a cabeça, e isso significava que estava bem.
Dei um sorriso para ela e então deixei que ela descansasse. Não era a primeira noite que ela passava em claro fazendo exercícios.
Tanto Dany quando muitas das meninas da clinica, não estavam prontas para se livrarem da Ana, elas ainda não conseguiam ver uma felicidade fora daquele mundinho pequeno e solitário.
Não conseguia deixar de me ver em cada uma daquelas meninas, mas estava satisfeita em ter deixado para trás aquele lado sombrio.
Era meu segundo mês na clinica psiquiátrica, e eu estava me saindo muito bem. Estava quase curada. Vez ou outra minha mente me pregava peças e eu surtava, mas isso estava acontecendo com muito menos frequência.
Podia até dizer que sentia orgulho de mim mesma. Estava recuperando a confiança que a tempos havia perdido.
Entrei na sala de visitas e esperei sentada enquanto encarava a porta de madeira. Estava ansiosíssima.
Comecei a tirar o esmalte da unha um tanto quanto impaciente quando os parentes e amigos das outras garotas e garotos começaram a chegar.
Decidi voltar para o quarto depois de vinte minutos esperando. Ficar olhando aquelas pessoas rindo, chorando, discutindo, não estava fazendo nada bem para mim. Aquele era um dos momentos em que sentia minha autoconfiança descer descarga a baixo e tudo o que eu queria era um canto a sós para poder chorar em paz. Minha garganta chegava a doer quando segurava o choro torcendo para que conseguisse pelo menos passar pela primeira porta sem que todas aquelas pessoas me vissem chorar.
A enfermeira me deu um sorriso amigável antes de abrir a porta para que eu pudesse passar. Tentei sorrir de volta, mas tudo o que eu consegui foi abaixar a cabeça e deixar algumas lagrimas escorrerem. Sentia como se tivesse acabado de deixar a Claudia melhorada no outro cômodo e sobrado apenas a velha Claudia, a pequena Claudia indefesa, que sentia de mais o peso do mundo quando não era necessário. E isso me deixou ainda pior. Significava que eu estava regredindo e isso era algo que eu não podia permitir.
Me sentei no chão do corredor estreito por um minuto e segurei a cabeça com as duas mãos deixando a raiva de mim mesma sair junto com as lagrimas. Deixando a Claudia fraca sair aos poucos. Fiquei ali sentada chorando alto por um tempo, mas claro que ninguém apareceu.
Me levantei quando me senti pronta e enxuguei os olhos com a manga da camiseta, não me importava se meus olhos estavam inchados ou se minha roupa estava molhada por causa de minhas lágrimas. Caminhei de volta até a sala de visitas, dando paços firmes e seguros até o mesmo lugar em que estava antes. Eu não choraria mais se Nanda não aparecesse, ela não estar ali não significava que eu não era importante. Ela tinha uma filha agora, e isso era tudo que tinha que me lembrar.
Peguei uma revista para ler enquanto esperava, ficar encarando a porta não ia fazer com que ela chegasse mais rápido.
Estava lendo uma matéria entediante sobre cabelos quando ergui os olhos da revista e vi Nanda sorrindo para mim.
–– Oi. – ela disse.
Pulei de meu lugar e me pendurei em seu pescoço em um abraço apertado.
–– Desculpe a demora, Sarah estava com cólica. - disse me abraçando também.
–– O que importa é que você veio. – disse.
Ela me olhou de cima a baixo, me avaliando da cabeça aos pés.
–– Você estava chorando?
Fiz que não me sentando de novo.
–– Você parece ótima. É tão bom te ver assim. – disse se sentando de frente para mim.
–– Eu me sinto bem. Na maioria das vezes pelo menos. – disse segurando sua mão. – Estou com saudade de casa.
–– Não se preocupe, quando sair daqui eu vou te dar toda a atenção do mundo. – ela se debruçou sobre a mesa para beijar a ponta de meu nariz.
Eu sorri.
Peguei sua mão e alisei a aliança em seu dedo. Não pude deixar de abrir um sorriso ainda mias largo. Ela comprou aquela aliança quando tive alta do hospital. A minha ainda estava guardada. Eu não queria perder em quanto estava internada. O que me deixou mais emocionada no momento em que ganhei, foi ver o nome de Sarah gravado nas duas alianças.
–– Como está a minha pequena? Perguntei.
–– Ela está ótima.
Só tive a oportunidade de ver Sarah pelo vidro da maternidade. Ela ainda estava na incubadora. Eu sabia que agora ela já estava em casa, minha mãe me mantinha informada das coisas.
–– Não vejo a hora de poder pega-la. – disse.
Nanda apertou as pontas dos meus dedos.
–– Se continuar assim, logo você vai estar em casa.
Eu assenti.
Nós ficamos conversando mais um pouco, demos uma volta pelo jardim da clinica e ficamos um tempo sentadas na grama, olhando o sol se por atrás dos muros. Antes de se despedir de mim Nanda me deu um beijo, calmo e suave. Aquele era o maior motivo pelo qual eu estava me esforçando para ficar bem e sair logo dali. Poder beijar aquela boca todos os dias era um sonho.
–– Estou orgulhosa de você. – disse baixinho em meu ouvido.
E então ela acompanhou a enfermeira até a saída.
Continuei deitada na grama, olhando para o céu, que estava indo do azul para o laranja ficando meio rosa em alguns pontos. O vento estava fresco, o cair da noite estava extremamente calmo. Era assim que devia ser. E era assim que meus dias seriam dali para a frente.
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Um fio de esperança. {EM REVISÃO.}
Non-FictionA primeira vez que ouvi falar em anorexia, não tinha mais do que 12 anos. E naquela época eu não conseguia entender como uma pessoa podia ter nojo da comida. Não sabia nada sobre o assunto. Até descobrir que Claudia estava indo por esse caminho tão...