- Então como correram as coisas?
- Nada bem... - respondi bufando. Sentei-me junto á porta da casa de Annabelle, ao seu lado, enquanto os seus lábios ingeriam uma tragada forte de vodka pura. – Ele continua a dizer que a culpa de estar ali é minha.
- Ah... deixa-te disso – esticou o seu braço sobre os meus ombros e decidi colocar a minha cabeça sobre ela de modo a ficar mais confortável – a culpa de ele estar lá é dele. Não é de mais ninguém. – Sorriu-me – Agora toma miúda, bebe
Peguei na garrafa e inclinei-a contra os meus lábios. Apesar do gosto quente e forte na minha garganta, até esta a saber bastante bem. Neste momento era mesmo isto que necessitava.
- Vais trabalhar hoje? – Perguntou-me
- Sim, vou daqui a pouco. – Olhei para o relógio do meu telemóvel – Se calhar até é melhor ir agora para chegar lá a tempo.
Levantei-me e entreguei-lhe a garrafa de volta, depois de me ter limpado. Peguei na minha mala e coloquei-a sobre o ombro.
- Sabes que podias ter um trabalho bem melhor do que aquele que tens miúda. Tens o curso para isso.
- Eu sei, mas foi o que arranjei. E até é consideravelmente perto, por isso não me preocupo, além que dá para pagar as contas. Vá até amanha, dorme bem.
- Adeus bom trabalho.
Depois de me despedir da Anna, comecei a caminhar até ás empresas Telles, trabalho como empregada de limpeza, eu e mais umas senhoras estamos encarregues de limpar os escritórios. Quando acabei a universidade não estava á espera que a minha vida continuasse a mesma, achei que iria encontrar logo um trabalho na minha área, e iria conseguir controlar melhor a minha vida, iria conseguir proporcionar não só a mim mas ao meu irmão uma vida melhor. Mas parece que as coisas nem sempre são exactamente como planeamos.
Ao entrar fui logo até ao meu cubículo das limpezas buscar uma bata e os produtos. Era estranho entrar neste prédio gigante com imenso luxo, sinto-me tão mal posicionada aqui. Vejo homens e mulheres incrivelmente elegantes a voltar para as suas casas, ou mansões, porque muitos aqui tinham dinheiro suficiente para comprar o meu bairro inteiro se quisessem. Eles têm uma vida perfeita, podem viajar para onde quiserem, comprar roupa sem olhar para a etiqueta, não precisam de se preocupar com as contas. Essa é sem dúvida a melhor coisa.
Não ter que preocupar-me com as contas de casa seria o melhor.
Enquanto limpava o chão do corredor do piso onde estava, ouvi um barulho atrás de mim, ao olhar para trás reparei numa figura alta e um pouco musculosa, pelo menos parecia. Assim que começou a aproximar-se reparei num cabelo negro, tamanho médio, ondulado. Uns olhos cinzentos claros, quase brancos. E o corpo estava coberto por um fato preto, assim como a camisa, a gravata e os sapatos.
O homem em questão era lindo, estranho nunca o ter visto aqui antes. Obviamente que passou por mim sem sequer notar na minha presença, todos neste empresa fazem o mesmo. Mas o indivíduo parecia um pouco chateado com a vida.
Ignorei o assunto e continuei a limpar o chão. Ouvi um pequeno barulho, parecia um papel a embater contra o tapete, olhei para o local de onde provinha o barulho. O porco acabou de mandar aquilo para o chão. Mau.
- Oh você aí! – Gritei suficientemente alto para que ele ouvisse, mas pareceu não querer saber – Estou a falar consigo, não me ignore, isso é falta de educação!
O corpo logo se virou e ficou a olhar para mim confuso. Acho que ele não deu mesmo pela minha presença ali.
- Quem é você? E o que está aqui a fazer? – Perguntou directamente e simples.
- Sou a Elaine, médica e estou a tratar dos meus pacientes, não se nota pela vassoura? – Perguntei ironicamente. A sua cara foi de confusa para um pequeno sorriso de lado e logo uma cara séria. – Importasse de apanhar o papel que mandou para o chão?
- Desculpe? – Disse com a sua sobrancelha um pouco levantada
- Eu desculpo, quando apanhar o papel que mandou para o chão.
- Que eu saiba a senhora é paga para limpar. – Andou um pouco na minha direção.
- Sim, fui contratada para limpar, não para ser desrespeitada. Sou um ser humano, e uma pessoa trabalhadora como outra qualquer. Se viu que estou a limpar isto porque é que está a fazer ainda mais lixo? Não recebeu educação em casa dos seus paizinhos? – Perguntei, mais de modo a insinuar, continuando a olhar para ele á espera que aquele papel fosse posto no caixote do lixo.
Ele continuou a olhar para mim, bem em cheio nos meus olhos, mas não quero saber, isso pouco me intimida e muito menos medo me mete. Não tenho medo de um "gravatinhas". Ficamos assim durante algum tempo, até que ele se baixou e apanhou o papel, colocando-o no caixote que estava mesmo ao lado, isto sem deixar de olhar para mim.
- Satisfeita? – Perguntou ironicamente
- Muito. Agradecida. – Sorri falsamente
Ele ficou mais um pouco a olhar para mim e logo riu-se virando as costas. Otário. Odeio pessoas que se acham mais importantes que as outras. Só porque sou funcionária das limpezas não quer dizer que seja menos que os outros, ao menos tenho um trabalho honesto e faço o que posso. Que raiva desta gente.
Finalmente acabei o meu serviço. Olhei para o meu telemóvel e já era bem tarde. Já passava da meia-noite, e eu estou incrivelmente cansada. Arrumei as coisas e arranjei-me. Assim que saí pela porta despedi-me de John o segurança da empresa, um homem já com a sua idade mas bastante simpático, deve ser até a única pessoa que se aproveita por ali, nem algumas empregadas de limpeza como eu são simpáticas, muitas delas são incrivelmente arrogantes.
O frio estava a embater contra a minha cara, mas até não estava assim tão desagradável, eu até que gosto do frio, e não está muito, nem pouco, está perfeito. Tirei o meu maço da mala assim como o isqueiro, acendi um cigarro e inalei o fumo que tanto adoro. Era mesmo disto que estava a precisar depois de um longo dia.
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Reminiscência
RomanceNão acredito como tudo começou, e muito menos como acabou. Nada deveria ter corrido da maneira como correu. Nunca nos devíamos ter conhecido.